A economia financeira tem como ponto de partida a ideia de que o ser humano seria racional em suas decisões de investimento.
Conhecedor de suas preferências (sua curva de utilidade) e tendo acesso às informações do mercado (média e variância), o investidor racional seria capaz de encontrar a carteira de ativos que maximizaria o seu retorno esperado.
Não demorou muito até que a economia comportamental colocasse esse paradigma em xeque, questionando essa pretensa racionalidade do investidor.
Ao contrário do que a moderna teoria do portfólio pressupõe, seres humanos seriam propensos a uma infinidade de vieses, empregando todos tipo de atalho cognitivo para chegar a decisões pretensamente racionais.
Mais de dois séculos antes do trabalho pioneiro de Daniel Kahneman (1934-2024), Nobel em economia de 2002, com o psicólogo Amos Tversky (1937-1996) que, na década de 1970, inaugurou a economia comportamental, o filósofo escocês David Hume (1712-1776) já havia desenvolvido uma teoria da natureza humana na qual a razão desempenha um papel secundário.
Ao invés de máquinas calculadoras de utilidade, para Hume seríamos animais impulsionados por instintos e emoções, apetites e sentimentos. No arcabouço humeano, racional é um nome equivocado que damos a um comportamento guiado por um tipo peculiar de paixão, as paixões calmas.
Segundo o filósofo, toda ação da mente que opera regularmente com calma e tranquilidade tende a ser confundida com a razão “por aqueles que julgam as coisas por seu primeiro aspecto e aparência” (Hume, Tratado na Natureza Humana, Livro II, Parte 3, Seção 3). Assim, quando se julgam as ações, o comportamento e o caráter de uma pessoa governada predominantemente pelas paixões calmas, tende-se a pensar que ela está na verdade sendo governada pela razão. Ou seja, nesse caso, o homem costuma chamar de razão aquilo que, no fundo, é paixão.
O trecho acima é do livro O triunfo das paixões, David Hume e as artimanhas da natureza humana. Nele, tomando a paixão do amor à fama como fio condutor, seu autor, Hamilton dos Santos oferece uma reconstrução da teoria das paixões de Hume que serve como excelente guia introdutório à obra desse autor.
Longe de ser uma paixão frívola, o amor à boa reputação pessoal é um dispositivo central na teoria social de Hume, articulando a ideia de caráter pessoal a dinâmicas de reconhecimento interpessoal, ao mesmo tempo em que permite ao indivíduo criar hábitos para governar as paixões.
Longe de ser um resquício de animalidade a ser enjaulado, Hamilton nos mostra como, para Hume, as paixões constituem a matéria-prima com a qual a vida humana vai sendo produzida. Inclusive no mundo dos negócios e dos investimentos financeiros.
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LIVRO:
O triunfo das paixões. David Hume e as artimanhas da natureza humana. São Paulo: Iluminuras, 2024
Leonardo André Paes Müller, autor deste texto, é economista-chefe da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor do Programa de pós-graduação em economia da Universidade Federal do ABC (PPGEco-UFABC).
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