O programa de recompra de ações que a Apple anunciou ontem (2) chama a atenção em vários aspectos. Além de ser o maior já realizado na história, o valor de US$ 110 bilhões representa um aumento de 22% em relação aos US$ 90 bilhões do ano passado e também supera o próprio recorde da fabricante do iPhone – em 2018, a empresa tinha autorizado US$ 100 bilhões em recompras.
Não à toa, o mercado adorou: as ações da empresa sobem perto de 7% nesta sexta-feira (3) em NY. O número surpreendente do programa da Apple vai na direção contrária ao movimento mundial das empresas. Em 2023, as recompras globais de ações caíram para US$ 1,11 trilhão. O valor é US$ 181 bilhões menor do que em 2022, equivalente a uma queda de 14%.
Os números são do último estudo anual de recompra de ações feito pela Janus Henderson. Segundo o levantamento, os Estados Unidos lideraram o movimento, com as recompras de empresas americanas caindo mais rapidamente do que no resto do mundo. No geral, o número de empresas nos EUA gastando menos do que antes em recompras de ações superou aqueles gastando mais em uma proporção de quase 2 para 1.
No pelotão de frente, estavam especialmente as gigantes de tecnologia. No ano passado, as recompras nos EUA caíram em US$ 159 bilhões ou 17% em relação ao ano anterior, mostra o estudo. Desse total, as big techs foram responsáveis por US$ 69 bilhões a menos. Entre elas, Microsoft e Meta reduziram suas recompras em quase 30%. A própria Apple, até o anúncio da véspera, tinha diminuído as suas em 15%.
Ainda assim, as empresas dos EUA foram as maiores compradoras de suas próprias ações, totalizando US$ 773 bilhões em 2023 e representando US$ 7 a cada US$10 em termos globais, mostra o estudo da Janus Henderson. Aliás, no ranking das dez maiores recompras de ações do mundo no ano passado, a Apple liderou (confira abaixo, em bilhões de dólares):
Para Steve Sosnick, estrategista-chefe da Interactive Brokers LLC, o movimento da Apple deixa a sensação de que a big tech reconhece um fato: estar se tornando uma ação “de valor”, que devolve dinheiro aos acionistas (em vez de uma ação de crescimento, que suga dinheiro no mercado para expandir o caixa e investir em pesquisa e desenvolvimento), disse à Bloomberg.
Na mesma linha, Ben Lofthouse, chefe de renda global de ações da Janus Henderson, observa que muitas empresas usam recompras como válvula de escape – uma maneira de devolver capital excedente aos acionistas. Isso também significa que não há evidências reais de que as recompras estejam substituindo os dividendos.
Nesta declaração, Lofthouse evoca a função de uma recompra: valorizar a ação. Vamos ver aqui como isso acontece.
Porque as recompras valorizam ações
Uma ação é uma parte de uma empresa. Na essência, algo que dá direito a uma parcela dos lucros dela. Um pedaço sempre proporcional ao tamanho da fatia detida – isso caso ela decida distribuir proventos, mas essa é outra história.
A Apple é uma corporação dividida em 15,44 bilhões de ações. A Berkshire Hathaway, companhia de investimentos de Warren Buffett, tem 905,6 milhões desses papeis. Dá 5,8%. A empresa da maçã anunciou US$ 3,9 bilhões em dividendos, referentes ao último trimestre. A companhia de Buffett, então, vai receber 5,8% disso: US$ 226 milhões.
Quando uma empresa faz uma recompra e cancela os papéis (destino mais comum nesse tipo de operacão), ela diminui a quantidade total de ações em circulação. No caso da Apple, caso a recompra aconteça ao longo deste ano a valores próximos dos deste momento (US$ 185 por ação) 600 milhões de papéis AAPL deixarão de existir.
O total em circulação cai para 14,84 bilhões – 3,8% a menos. Buffett seguirá tendo suas 905 MM – caso mantenha sua posição. E essa quantia passará a representar 6,1% da Apple. No fim das contas, ele e todos os outros acionistas passam a ter direito a uma fatia maior dos proventos no futuro.
Portanto, não é porque as cotações das ações estão caindo na bolsa de valores que, necessariamente, a empresa está indo mal em seus negócios. A Apple possui um valor de mercado de aproximadamente US$ 2,68 trilhões, com a relação preço/lucro de 26,92 vezes.
No ano, as suas ações da empresa caem cerca de 10%. Daí vem o grosso da valorização de 7% que a empresa vive nesta sexta.