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ESG, mulheres negras e a luta contra a manutenção de estruturas excludentes

Para as mulheres negras, reserva-se a imutabilidade, na visão da parte conservadora da sociedade, e que elas não se atrevam a desestabilizar o capitalismo. Mas, esse não é o combinado entre elas

As mulheres negras do Brasil e dos Estados Unidos da América têm em comum, quando se trata de mercado de trabalho, o lugar da base da pirâmide de salários recebidos e ocupação de cargos de liderança. Alterar essa realidade é mudar o mundo capitalista, é alterar o status quo da economia e de toda uma sociedade, conforme alertou a pensadora americana Angela Davis, num encontro internacional sobre feminismo negro e decolonial em terras brasileiras, na cidade baiana de Cachoeira, em 2017:

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram”, disse na Bahia a autora de Mulheres, Raça e Classe, uma das obras ícone da interseccionalidade. 

Essas são palavras tão verdadeiras e objetivas que tanto alertam a quem se interessa pelas mudanças sociais quanto quem trabalha ferozmente para que algumas coisas nunca mudem para as mulheres negras, pois sua ascensão é lida como um fator de desestabilização do capitalismo, da atual ordem econômica mundial, norte-americana e isso inclui a brasileira.

A realidade atual é que as mulheres negras trabalhadoras nos EUA,  em 2022, ganharam apenas 70% do salário dos homens brancos, enquanto as mulheres brancas estavam mais perto do topo salarial, chegando a 83% dos ganhos salariais de homens brancos. Os dados são de uma análise do Pew Research Center que também revelam que essa desigualdade salarial entre homens e mulheres nos Estados Unidos permaneceu relativamente estável nas últimas duas décadas.

Já em nosso país, o salário recebido por mulheres negras é 47% menor do que a média dos brasileiros, de acordo com relatório divulgado em maio de 2024 pelo projeto Mude com Elas. Enquanto a remuneração média delas é de R$ 1.582, a renda brasileira fecha em R$ 2.982. As mulheres negras ganham 2,7 menos que homens brancos, que têm média salarial de R$ 4.270.

Quando as mulheres negras são empreendedoras, nos Estados Unidos, suas empresas recebem menos de 1% de todo o dinheiro de capital de risco investido no país. Os dados são do Fearless Fund, que investe em empresas lideradas por mulheres negras nos estágios pré-seed, seed e série A. Fundado em 2008, em Atlanta, o Fund tem a missão de preencher a lacuna no venture capital para mulheres negras fundadoras que constroem empresas escaláveis e de alto crescimento. 

Essa iniciativa, que visa mover a base da pirâmide em terras norte-americanas, tem sido atacada de forma contínua sob a lideranças do ativista conservador Edward Blum, que também capitaneou processos movidos contra ações afirmativas nas universidades. Tanto que em junho de 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou como inconstitucionais as políticas afirmativas de admissão nas universidades norte-americanas, prejudicando o acesso e inclusão de pessoas negras, hispânicas ou de outros grupos sub-representados em algumas instituições universitárias. 

Voltando ao Brasil, aqui o cenário de investimentos não é muito promissor, levando em conta que – ao contrário dos Estados Unidos em que a população negra é minoria – as mulheres negras são o grupo que constitui maioria. Apenas 4,7% das startups brasileiras foram fundadas exclusivamente por mulheres e receberam ínfimos 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado brasileiro em 2020. Os dados são do estudo Female Founders Report 2021, elaborado pelo Distrito, Endeavor e B2Mamy. Nesse universo restrito, a participação das mulheres negras brasileiras é de 19,1% (sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas). 

Está cada vez mais óbvio que o espaço para mudança desse quadro, tanto no Brasil como nos EUA, não deveria existir para alguns setores conservadores e que a batalha para que permaneça como está nunca cessou e ganha novos impulsos. A onda conservadora americana em relação a pautas ESG foi assunto nessa coluna recentemente e dialoga com as preocupações de mulheres negras que estão no mercado de investimentos brasileiro dispostas a não perpetuar o Status Quo.

No início de junho, um tribunal federal de apelações dos EUA suspendeu o programa de subsídios do Fearless Fund, decidindo que um grupo conservador pode ser o vencedor no processo em que alega ser um programa discriminatório. Esses grupos estão em batalha legal contra programas de diversidade empresarial e o alvo atual, além do Fearless Fund, são empresas e instituições do governo norte-americano.

Sobre esse assunto, Monique Evelle, investidora no Shark Thank, lembra que o Brasil tem uma tradição de copiar os Estados Unidos e alerta: “Estamos vendo empresas acabarem com o setor de Diversidade e Inclusão considerando a decisão da Suprema Corte dos EUA com as universidades. Isso pode impactar empresas que estão no Brasil e atendem os EUA, ao pensarem que criar vagas afirmativas é inconstitucional. É um movimento perigoso e acredito que, infelizmente, isso vai chegar no Brasil. Minha preocupação é que aconteça muito mais rápido do que imagino”.

Se prevalecer o ditado popular de que notícia ruim corre rápido, nesse cenário de retrocesso, já estamos vendo o sinal amarelo quase chegando ao sinal vermelho no Brasil. As ações afirmativas no serviço público, por exemplo, estão na pauta do Congresso Nacional recebendo ataques dos nossos conservadores eleitos, que representam grupos contrários às ações afirmativas, e atuando para que a base, o meio e o topo da pirâmide “permaneçam como se acham” – um jargão parlamentar que se aplica como luva, infelizmente.

O pacote de maldades é também interseccional. Contempla gênero, raça e classe de forma contundente e perversa, visando que as estruturas não se movimentem e que a base da pirâmide permaneça como está. O recado é nítido. Para as mulheres negras,  reserva-se a imutabilidade, na visão da parte conservadora da sociedade, e que elas não se atrevam a desestabilizar o capitalismo. Porém, temos uma tradição de resistir e encontrar meios de mudar situações, como o período escravocrata, encontrando meios de sobreviver e avançar.

Como bem disse outra autora negra, Conceição Evaristo:  “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.

Quem vem para essa luta junto com as pessoas negras?

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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