Renato Franklin voltou a dormir bem. Ele nunca foi de ter problemas para dormir, mas tudo mudou quando o mineiro que completa 43 anos nos próximos dias assumiu o cargo de CEO da Casas Bahia, em abril do ano passado. A empresa tinha acabado de registrar um fluxo negativo de caixa de R$ 644 milhões no primeiro trimestre de 2023. Naquele período, o desempenho tanto das ações quanto dos papéis de dívida refletiam a desconfiança do mercado quanto à sobrevivência da companhia.
“Até outubro [de 2023], a gente estava numa ansiedade muito grande, trabalhando muitas horas. Eu, que sou de dormir bem, estava acordando à noite, sonhando”, lembra. Foi a partir de novembro do ano passado, quando a empresa começou o processo de reorganização de suas contas, que o executivo diz que conseguiu respirar mais aliviado. Sem a pressão do vencimento de curto prazo de sua dívida, o fluxo de caixa melhorou.
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A empresa ainda enfrenta o desafio de convencer credores e acionistas de que seu plano de reestruturação financeira e operacional vai funcionar. Com R$ 4,1 bilhões em dívidas, a Casas Bahia está em processo de recuperação extrajudicial, recém-aprovado pela Justiça de São Paulo. Além das questões internas, também enfrenta o cenário macroeconômico adverso, que tem dificultado a queda na taxa de juro e complicado a vida de quem depende da venda de produtos no crediário.
Dedicação total
O dia a dia de trabalho do CEO das Casas Bahia é intenso, norteado por um esquema que ele chama de 5 x 2: cinco dias no escritório e dois nas lojas. Ele diz que a atitude essencial para qualquer um que queira trabalhar no varejo é “rodar as lojas”. Principalmente aos sábados, dia de muito movimento.
“Eu costumo dizer que o escritório emburrece. Os players que estão crescendo são os que estão na rua entendendo o que está acontecendo, adequando o mix de produto, a estratégia”, afirma. “A gente às vezes toma decisões que não são baseadas na cabeça da população. Para entender o consumidor brasileiro, tem que estar nas lojas.”
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É uma mudança e tanto para quem foi forjado no mundo executivo em empresas que trabalham essencialmente no segmento B2B. Depois de trabalhar por dez anos como agente autônomo de investimentos, Franklin passou outros dez na Vale e de lá foi para a Suzano. Voltou a ter contato diretamente com o consumidor quando assumiu o cargo de CEO da empresa de locação de carros Movida, em 2014. Mas nada na carreira do executivo se compara ao trabalho em uma varejista como a Casas Bahia.
No varejo, diz Franklin, o que traz uma dose de adrenalina é saber que qualquer decisão terá efeito imediato sobre as vendas. Se colocar o preço no lugar errado, isso é percebido rapidamente na receita. Sem falar naquele choque de realidade que só uma aproximação de bairros mais distantes pode trazer.
“Tem muitas famílias se juntando para dar a primeira máquina de lavar para a mãe. Para eles, a alegria é maior do que a de comprar um carro”, relata o executivo. “Quando você vai para a loja, você volta para o escritório com mais energia, com vontade de trabalhar mais e tentar corrigir as diferenças sociais.”
Just breathe
O que permitiu esse alívio foi, basicamente, a renegociação da dívida com os credores, concluída em abril. A empresa assinou um acordo de recuperação extrajudicial com Bradesco e Banco do Brasil, principais credores da companhia. Nesse processo, a Casas Bahia conseguiu alongar o prazo e reduzir os custos financeiros de sua dívida.
Antes disso, uma série de medidas operacionais foram adotadas. A primeira de todas foi fazer o que Franklin chama de “back to basics”, ou seja, a volta ao que a empresa sabe fazer bem. Isso envolveu a retomada do nome original e do slogan [“Dedicação total a você”] e a interrupção do modelo de marketplace para voltar a ser uma loja especializada em eletrônicos, linha branca e móveis.
A ideia de voltar às origens foi bem-recebida por todos os stakeholders da empresa, dos acionistas aos funcionários. E o plano de reestruturação também. Mas isso não dirimiu a dúvida: o plano é bom, mas é viável? Franklin diz que a renegociação da dívida é uma demonstração de que há confiança na companhia. Mas ainda é preciso mostrar consistência. “Pra perder a credibilidade é fácil. Mas para conquistar, são vários trimestres consecutivos”, explica.
Desde seu pico histórico, em outubro de 2020, as ações das Casas Bahia acumulam uma perda de quase 99%. Nos últimos 12 meses, a perda acumulada é de cerca de 87%.
Foco na consistência
Olhando para a frente, Franklin diz que a prioridade de sua gestão é manter resultados consistentes, com melhora do resultado operacional e das margens. “Não tenho a expectativa de que o mercado de capitais tenha uma percepção diferente da companhia no curto prazo. Isso demanda alguns trimestres, mas sou otimista com o longo prazo”, afirma.
A ideia é que, a partir de meados de 2025, os balanços tragam uma fotografia mais clara do resultado da reestruturação. A partir daí a companhia planeja voltar a investir em expansão. Num primeiro momento, esse crescimento deve se concentrar na rede de lojas físicas, que são mais rentáveis – principalmente, nas regiões Sul, Norte e Nordeste, onde Franklin diz haver muito potencial. No Sudeste, observa, as Casas Bahia já têm uma posição consolidada e, portanto, há menos espaço para crescer.
Já o avanço das vendas online vai ocorrer de forma mais lenta e gradual. Quando Franklin assumiu a companhia, o e-commerce representava 50% da receita da empresa. Mas, para melhorar os resultados, a escolha foi privilegiar o canal onde a rentabilidade é mais alta, que são as lojas físicas. Com isso, o digital encolheu e hoje responde por 40% da receita. O crescimento nesse segmento vai ganhar mais robustez à medida que alguns ajustes sejam feitos para melhorar a jornada do consumidor, como nos mecanismos de busca, de pagamento e também para a concessão de crédito no ambiente online.
“Hoje é o momento em que eu dou graças a Deus porque eu não sabia exatamente como era [a situação da empresa]. Se soubesse de tudo, teria ficado mais receoso e talvez não tivesse aceitado [o desafio]”, diz.
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