“O conselho de administração da Petrobras era 70% do meu tempo – pelo menos –, e 5% do meu salário. Era só confusão. Mas eu não trocaria essa experiência por nada”, recorda Guilherme Affonso Ferreira, um investidor experiente que entrou no conselho da estatal em 2015, no período da maior crise da história da principal empresa do país, o da Operação Lava Jato, quando as dívidas ultrapassavam os US$ 130 bilhões e o futuro da Petrobras era incerto.
No conselho da Petrobras, Ferreira e seus pares colocaram em curso um grande programa de venda de ativos que reduziu o endividamento bruto da companhia para US$ 84,4 bilhões no fim de 2018, ano em que o investidor saiu do colegiado.
“Eu penso que tivemos uma oportunidade única para dar um choque na empresa. O governo queria distância da Petrobras e isso nos deu independência para a tomada de decisões”, acrescenta Ferreira, evidenciando a importância de um conselho de administração, também chamado de board of directors, para uma empresa.
Obrigatório para companhias de capital aberto e mandatório para quem deseja atrair investidores, o conselho de administração se profissionalizou e ganhou relevância estratégica para as empresas a partir da crise de 2008 (a chamada “crise das hipotecas” ou do subprime), quando regras de governança foram aprimoradas e conselheiros passaram a ser responsabilizados.
Trabalhar como conselheiro virou profissão de fato e a atividade ganhou escolas de formação. Nos últimos tempos, a busca desses profissionais por aprimoramento técnico está tão aquecida que provocou até overbooking em turmas nos dois principais cursos de formação do país ouvidos pelo InvestNews, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Fundação Dom Cabral (FDC). E isso com cursos que duram três meses e custam R$ 11,8 mil.
A remuneração é um dos grandes atrativos – os conselheiros receberam por mês, em média, R$ 80,6 mil em 2023, segundo pesquisa “Liderança Empresarial: Um estudo sobre CEOs e Conselhos de Administração”, feita pelas casas Vila Nova Partners e Drixx IT Advisors.
Para a figura de presidente do colegiado, o valor foi quatro vezes maior: R$ 334 mil mensais. Um bom executivo pode ocupar uma cadeira em mais de um conselho, desde que não haja conflito de interesse entre as companhias – por exemplo, se as duas empresas não forem concorrentes diretas.
Assentos nos conselhos de grandes companhias, como Vale e Petrobras, são alvo de disputas super acaloradas. Na Vale, no ano passado, os 13 profissionais do conselho de administração tinham uma remuneração prevista de R$ 17,55 milhões no total.
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O valor enche os olhos, mas, além da questão financeira, a possibilidade de participar de um conselho atrai executivos pelo desafio, marca no currículo e, em alguns casos, por permitir o uso da experiência acumulada ao longo de anos de carreira com uma jornada mais flexível.
Grande desafio, mas também grande responsabilidade. A Lei das Sociedades Anônimas prevê que administradores de empresas, entre eles os conselheiros de administração, podem ser processados por eventuais prejuízos na companhia, respondendo com o próprio patrimônio.
No ano passado, por exemplo, a pedido de um dos credores da Americanas (o Bradesco), a Justiça de São Paulo bloqueou o patrimônio de seis ex-conselheiros da empresa. Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a bloquear os bens dos conselheiros da Petrobras que aprovaram a compra da refinaria de Pasadena (EUA) em 2006.
Grandes empresas costumam contratar seguros conhecidos como D&O (Directors and Officers) para conselheiros de administração para evitar que eles respondam com bens pessoais em questões judiciais.
Não basta só fazer curso de formação
Há hoje alguns cursos de formação para profissionais interessados em integrar um conselho. Mas a verdade é que, dada a complexidade de um conselho, isso não basta. É preciso experiência em gestão e governança prévia para que o executivo esteja apto a fazer parte desse comitê. Isso faz da posição de conselho uma espécie de “pós-profissão” para ex-CEOs e CFOs.
Guilherme Affonso Ferreira, que abre esta reportagem e também é fundador da Teorema Capital, já passou por mais de 30 conselhos de administração em sua carreira. Sua primeira experiência foi ainda nos anos 1980 na fabricantes de fertilizantes Manah – o cenário atual é bem diferente do visto há 40 anos.
“A dinâmica mudou muito do meu início para agora. Antigamente, existia essa visão de ser um ‘clube do cafezinho’ em que o conselho ficava em discussões mais triviais. Hoje em dia não é assim”, diz Ferreira, que passou ainda pelo board do Unibanco na época da fusão com o Itaú, Arezzo e que hoje faz parte dos conselhos da B3, M.Dias Branco e Mitre.
Novos tempos
Elismar Alvares, professora e criadora do curso do Programa de Desenvolvimento de Conselheiros (PDC) da Fundação Dom Cabral, lembra que a legislação jogou mais responsabilidades sobre os conselheiros de administração a partir da crise de 2008. “O conselho precisou se tornar mais profissional ao longo do tempo e passou a ter um papel mais ativo na governança das empresas. Hoje não é uma função decorativa.”
Além de ser obrigatório em empresas de capital aberto, a profissionalização do conselho é uma demanda crescente de investidores, inclusive estrangeiros.
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A Trígono Capital, casa com R$ 2,6 bilhões sob gestão e especializada em small caps, por exemplo, faz valer seu direito de representação em 26 cadeiras entre conselhos de administração e fiscal de empresas como Kepler Weber, Banco da Amazônia, Tupy e Ferbasa, segundo o gestor Werner Roger. Todos os conselheiros indicados pela casa são profissionais e há uma exigência para que eles façam algum curso de formação na área, como o PDC da Fundação Dom Cabral, onde também se formou.
Roger orgulha-se de ter construído uma espécie de banco de talentos, composto por executivos, advogados e outros profissionais capacitados para exercer a função de conselheiros. No começo, conta, o gestor “garimpava” nomes, tentando inclusive evitar de cair na tentação de escolher sempre os mesmos para a função e também é contra gestores participarem de conselhos.
Quem são, de onde vêm, como votam
Atualmente, há pouco mais de mil conselheiros nas empresas listadas em Bolsa no país, segundo levantamento do escritório Moreira, Menezes, Martins Advogados, que considerou a composição dos colegiados de companhias listadas na B3 até maio de 2024.
Dos 1.002 conselheiros eleitos, a pesquisa processou informações de 861 deles: o grupo é predominantemente masculino de pele branca e tem pouca renovação – 88,7% deles foram reeleitos. Um sinal de que a diversidade ainda é um desafio para esse nicho.
Os conselhos de administração das companhias costumam se reunir mensalmente. Antes de cada reunião, recebem a pauta e material com informações completas dos assuntos tratados.
Além dos encontros mensais, a participação do conselheiro no dia a dia varia de empresa para empresa – a maioria possui comitês internos para avaliar mais de perto o desempenho dos times de RH e financeiro, por exemplo. Em alguns casos, é recomendável que o conselheiro visite a companhia e converse com diretores para entender os desafios de curto prazo.
João Nogueira Batista, executivo experiente e que atualmente é conselheiro da Braskem, reforça que seu papel é o de ser um guia estratégico e não um administrador da companhia. “A experiência executiva é, sem dúvida, importante”, diz Batista, que até março ocupava o cargo de CEO da Marisa. “Mas nós temos que ter uma visão mais de longo prazo, não focar tanto nos resultados imediatos”, acrescentando que são necessárias sinergia e colaboração entre conselheiros e diretoria. Batista fez o curso de especialização do IBGC.
Especialização
Embora não exista uma “faculdade” para conselheiros, há cursos para aperfeiçoamento e criação de networking entre quem deseja seguir a carreira. Um dos mais famosos é o do IBGC, que há mais de 15 anos oferece cursos de capacitação. Adriane de Almeida, diretora de ensino e inovação do IBGC, diz que o público é majoritariamente composto por pessoas com mais de 50 anos.
O IBGC abre uma turma por mês para 40 pessoas. O curso, que dura três meses (72 horas) e custa R$ 11,8 mil, tem aulas sobre governança corporativa, legislação e casos práticos. Após o curso, o aluno pode fazer parte de um banco de currículos.
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É importante destacar que, para fazer o curso, o profissional passa por uma análise de currículo. Pessoas com experiência executiva e sucessores de empresas familiares acabam sendo os perfis mais aprovados pelo IBGC. “A certificação é a ‘cerejinha’ do bolo. Não será ela que fará do profissional um conselheiro, mas fará dessa pessoa um conselheiro melhor”, explica Adriane.
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