Essa estatística é o que explica a filosofia por trás do decreto assinado nesta segunda por Lula – o que autoriza a ANP a limitar a reinjeção de gás natural nos poços de petróleo.
O gás natural é um by product da produção de óleo cru. Os dois sobem juntos das profundezas. Só que transportar petróleo de uma base marítima até o continente é bem mais simples do que fazer o mesmo com gás natural. Não há gasodutos o suficiente.
As petroleiras, então, usam o gás para ajudar na produção de petróleo mesmo. Reinjetam de volta para o poço. Isso aumenta a pressão lá embaixo, o que ajuda na extração.
Melhor do que queimar o gás, que é o que faziam antes. Mas não se trata, de fato, do uso mais útil. Num mundo perfeito, ao menos uma parte razoável desse gás viria para o continente abastecer o mercado. Isso reduziria drasticamente o preço do gás natural – hoje por volta de US$ 14 o milhão de BTUs; nos EUA, são US$ 2,5.
E, claro, acabaria com a necessidade de importações. Em 2023, o país importou 17,7 milhões de metros cúbicos por dia (MM m3/dia) – 83% da Bolívia, e o resto na forma de gás natural liquefeito (GNL), que chega em navios; a maior parte, dos Estados Unidos.
A produção de gás natural do Brasil é estupidamente maior do que essa: 150 MM m3/dia (número de junho, o mais recente da ANP) – a maior parte no pré-sal. Disso, 78,6 MM m3/dia são reinjetados. Dá 52%.
O gráfico abaixo, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) com dados de 2010 a 2023, descreve o crescimento da reinjeção melhor do que mil palavras:
A curva azul aqui em cima acompanha o cresciemento da exploração do pré-sal. Fato é que todas as petroleiras do planeta que operam em águas ultra-profundas reinjetam gás natural – pois precisam de muita pressão.
Mas a média de reinjeção no mundo é menor: de 20% a 35%. Em tese, então, daria para o Brasil colocar bons milhões de metros cúbicos diários no mercado sem atrapalhar a extração de petróleo.
“Em tese” porque, para trazer mais gás natural, é preciso criar mais infraestrutura. Existem apenas dois gasodutos, da Petrobras, que ligam o pré-sal ao continente – o Rota 1 e o Rota 2. Graças a eles, foi possível aproveitar uma parte do gás. Um terceiro está em construção.
Mas, no que depender das exigências da ANP, as produtoras de petróleo terão de construir mais gasodutos – principalmente a Petrobras, por conta da operação no pré-sal. Ou seja: a estatal pode ser obrigada a fazer investimentos que não estavam em seus planos.
O afago do Morgan à Petrobras
O decreto, por outro lado, sequer cutucou as ações da Petro no pregão de hoje. Após um afago do Morgan Stanley. Os analistas do banco promoveram os papéis de “neutro” para o equivalente a “compra”, com direito a um pré-sal de elogios.
“Acreditamos firmemente que a Petrobras tem os melhores ativos de petróleo offshore do setor, com produtividade de poço incomparável e baixos custos de investimento e produção”.
Resultado: alta de 7,26% para PETR4 e de 8,96% para PETR3, elevando o valor de mercado da estatal em R$ 41 bilhões. Um belo gás.
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