Eike Batista tem um ano e meio para fazer dar certo sua nova empreitada: uma variedade de cana com potencial para revolucionar o já bilionário setor sucroenergético do Brasil. Mas há problemas: além do tempo exíguo, o grande desafio do empresário é vencer a resistência a um projeto que já ficou pelo caminho duas vezes – em uma delas, falindo seus idealizadores – e é visto com descrença no agronegócio brasileiro.
Eike acompanha de perto a “supercana” já há alguns anos, mas foi em fevereiro de 2024 que o empresário assumiu a missão de encontrar investidores para o projeto em até 24 meses. Se cumprir a meta, o ex-bilionário vai ficar com a maior parte da futura empresa de biotecnologia dedicada à produção da planta. É a aposta dele para retomar o protagonismo que um dia ocupou no setor energético brasileiro.
Desde que virou garoto-propaganda da supercana, Eike abriu espaço na agenda para entrevistas – como esta, ao InvestNews – e palestras. Neste mês, apresentou a empresários reunidos no Rio de Janeiro sua “revolução para a transição energética global através de um disruptivo unicórnio de biotech”, rebatizando a planta como “cana celulose”, para enfatizar mais um possível uso.
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A supercana de Eike é mais fibrosa e mais grossa do que as variantes que hoje dominam as plantações no Brasil. A ideia é cultivar uma espécie que produz até sete vezes mais bagaço. Faz sentido. Há tempos bagaço deixou de ser “resto”.
A parte que sobra da cana após a moagem é uma fonte importante de biomassa, que move termelétricas. 6,1% da eletricidade brasileira já vem do bagaço – as usinas de cana-de-açúcar usam a energia para seu consumo próprio e revendem um enorme excedente para o sistema elétrico. Especialistas estimam que, em média, 5% da receita das usinas tem como fonte a venda de energia de biomassa.
Também é possível converter o insumo em pelotas de carvão vegetal – úteis para os fornos de siderúrgicas. Por essas, a variedade também é chamada de “cana energia”. O bagaço também serve de matéria prima para a fabricação de papel – daí a alcunha “cana celulose”. E pode substituir plásticos.
E tudo isso tudo depois de extrair da supercana o principal: a sacarose que vai virar açúcar e etanol. Impossível perder dinheiro, certo?
Não é bem assim.
Para quem é da área, a supercana nunca se provou vantajosa e ainda carece de estudos que atestem sua viabilidade econômica. “Cana é para gerar açúcar e etanol. Para os outros usos, sempre tem uma planta melhor do que ela”, resumiu ao InvestNews um pesquisador com conhecimento no assunto, que preferiu não ser identificado.
O InvestNews conversou com engenheiros agrônomos, pesquisadores e ex-funcionários de empresas cujo trabalho é a base do projeto que Eike Batista vem promovendo em entrevistas e palestras Brasil afora.
O empresário se negou a falar com a reportagem e enviou uma nota já depois da matéria ter sido publicada. No texto, Eike argumenta que “não é correto confundir eventual falha numa linha inicial de pesquisa que ocorreu há uma década com o resultado final da pesquisa”.
“Elon Musk explodiu três foguetes antes de lançar o quarto e se tornar uma potência global nas inovações tecnológicas”, comparou.
A nota do empresário pode ser lida na íntegra ao final desta matéria.
A grande aposta
Além de Eike Batista, outros dois homens confiam seus destinos à supercana e veem nela uma chance de recuperar seus patrimônios. O administrador Luis Carlos Rubio e o engenheiro agrônomo Sizuo Matsuoka perderam tudo quando a empresa que criaram para desenvolver a nova cana foi à falência. A Vignis fechou as portas em 2018, depois de perder clientes como a gigante sucroenergética Raízen.
Do espólio da Vignis, restam hoje 25% da variedade de amostras de supercana que foi desenvolvida pela empresa – o chamado germoplasma. Na prática, é esta a oportunidade que Eike oferece aos investidores: colocar dinheiro num patrimônio genético que hoje é só uma parte do que foi produzido pela Vignis até a sua falência.
“São materiais que já podem ser comercializados, plantados e desenvolvidos na empresa que os adotar”, diz Sizuo Matsuoka, agrônomo de 79 anos cujo nome aparece nos slides apresentados por Eike à imprensa e a empresários. “Se o Eike conseguir viabilizar o projeto, começa uma nova empresa que vai absorver todo esse trabalho nosso”. Essa nova empresa poderia, por exemplo, desenvolver uma variedade específica para um tipo de solo e cobrar royalties das usinas que quiserem plantá-la.
“Vamos ficar com uma fraçãozinha minúscula dessa empresa”, diz Sizuo, sem revelar exatamente quanto da nova companhia ficaria com ele e com o sócio Luis Carlos Rubio.
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Rubio e Matsuoka se conhecem desde 2002, quando os destinos do administrador e do agrônomo se cruzaram na Votorantim Novos Negócios (VNN), braço de investimentos do grupo percentence à família Ermírio de Moraes. Rubio trabalhava na VNN, que apostou nos estudos de melhoramento genético de cana-de-açúcar conduzidos por Matsuoka, àquela altura já um pesquisador experiente e professor na UFSCar.
Do investimento da VNN surgiu a CanaVialis, vendida à Monsanto em 2008 – e depois fechada pela própria Monsanto, em 2015. A multinacional queria plantas melhoradas geneticamente para produzir mais açúcar e etanol, em vez de mais bagaço, e não deu continuidade às pesquisas da cana energia. Meses após a CanaVialis ser vendida à Monsanto, Rubio e Matsuoka deixaram a companhia. Em 2011, criaram a Vignis.
Desde 2015, quando a Justiça ordenou o bloqueio dos seus bens, Eike Batista fala sobre a cana energia. Depois de visitar os experimentos da Vignis, o empresário começou a bancar o desenvolvimento da cana em áreas próximas ao Porto do Açu, em São João da Barra (RJ). A ideia era aproveitar a infraestrutura do porto – que já tinha saído das mãos de Eike – para eventualmente exportar a biomassa gerada pela supercana.
Com a prisão de Eike na Operação Lava Jato, em 2017, o projeto parou. No ano seguinte, já sem clientes, a Vignis entrou em recuperação judicial e foi à falência, comprometendo o patrimônio de seus fundadores. Até imóveis de Matsuoka e Rubio precisaram ir à leilão.
Já em 2024, segundo o agrônomo, ele e Rubio foram novamente procurados por Eike, o que resultou no acordo entre os três com o objetivo de ressuscitar a cana energia.
“Eu estou torcendo muito, é uma chance de virar a mesa”, diz Matsuoka, que tenta manter-se otimista, embora reconheça que possíveis investidores têm tratado com desconfiança tanto o projeto quanto seu garoto-propaganda. “Estou sempre em dúvida, mas falo com o Rubio e ele diz que temos de ter esperança.”
O agrônomo diz que confia na capacidade de Eike vender a supercana a algum investidor, mas mantém suas reservas quanto ao empresário. A grandiloquência de Eike incomoda Matsuoka. Por outro lado, entusiasma seu sócio. “O Rubio também sempre teve essas ideias gigantescas. Tudo grande, grande, grande…”
O InvestNews não conseguiu falar com Luis Carlos Rubio.
Os problemas da supercana
As ideias por trás da cana energia não são novas. Desde a década de 1970, são conhecidas as pesquisas feitas pelo botânico americano Alex Getchell Alexander sobre espécies de cana que geram mais biomassa e que, por isso, poderiam ser mais úteis para a produção de energia.
Tampouco é recente a produção de celulose ou carvão vegetal a partir do bagaço da cana-de-açúcar. A questão é que produzir esses insumos a partir de eucalipto, como sempre foi feito, continua a ser mais lucrativo.
Segundo Sizuo Matsuoka, os clientes da Vignis descontinuaram os investimentos porque perceberam que não haveria retorno no curto prazo. A Raízen chegou a reativar uma usina no interior de São Paulo exclusivamente para plantar a supercana, diz o pesquisador, mas o projeto acabou fechando. A Raízen não quis comentar.
A supercana também foi estudada e desenvolvida por outros pesquisadores brasileiros. O InvestNews identificou projetos – todos descontinuados – também no Instituto Agronômico (IAC) em Ribeirão Preto (SP) e no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) em Piracicaba (SP).
Marcos Landell, diretor do IAC, explicou que projetos ligados à cana energia foram desenvolvidos com apoio do governo de São Paulo por meio do Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia, lançado em 2008. O pesquisador pontuou que a indústria canavieira não conseguiu processar adequadamente as espécies mais fibrosas de cana, e que a extração completa da sacarose ficou comprometida por conta da grossura da planta.
Procurado, o CTC não quis dar explicações sobre seus projetos envolvendo a cana energia.
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Para José Bressiani, ex-gerente de melhoramento genético na CanaVialis e atualmente diretor de pesquisa e desenvolvimento na Nuseed, o projeto da cana energia “deu errado lá atrás porque a demanda não existia e quiseram acelerar o uso para além do que a genética podia entregar”.
Traduzindo: mesmo com todo o melhoramento genético, os produtores tinham que escolher entre a cana-de-açúcar tradicional, mais fina e eficiente para a extração da sacarose, e a cana-energia, mais fibrosa e feita sob medida para a produção de biomassa. Como açúcar e álcool dão mais dinheiro do que energia, deu a lógica econômica. E esse é o cenário deste então.
O pesquisador acredita que todos produtos e usos da bagaço da cana poderão se viabilizar no futuro e que esta cultura vai desempenhar um papel importante na substituição de produtos de origem fóssil, caso do plástico e do carvão mineral. Mas a produção em massa ainda “é questão de tempo e de investimento”. “As rotas tecnológicas para chegar lá já existem, mas os usos, aplicações e produtos ainda precisam ser desenvolvidos. Se vai demorar cinco, dez ou 20 anos para acontecer, aí eu não sei.”
Posicionamento de Eike Batista
“Depois de quase duas décadas de pesquisas com avanços e recuos, como é natural em qualquer estudo científico relevante, a super cana é um grande sucesso.
A nova espécie vem sendo plantada há quatro anos em 200 hectares de uma usina de referência com recorde de produtividade. São mais de 180 toneladas por hectares, uma marca sem igual no mercado mundial.
Não é correto confundir eventual falha numa linha inicial de pesquisa que ocorreu há uma década com o resultado final da pesquisa, que se mostra bem-sucedida.
Elon Musk explodiu três foguetes antes de lançar o quarto e se tornar uma potência global nas inovações tecnológicas.
O uso do bagaço da cana para a produção de plásticos, embalagens e tecidos, entre outros, foi uma descoberta nossa e será uma “revolução” no mercado.
No mais, desconhecemos o uso do bagaço em siderúrgicas.
Eike Batista“
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