A ideia de tributar dividendos voltou à mesa. Paulo Guedes tinha defendido, sem sucesso, em 2021; agora, Haddad e equipe veem nela um possível sopro de ar fresco para as esganadas contas públicas – ou seja, a tributação de proventos mostra-se uma das poucas bandeiras capazes de perpassar o espectro ideológico de uma ponta a outra.
Faz sentido que seja assim. Praticamente só paraísos fiscais não cobram impostos sobre dividendos. Países com estofo sempre taxam essa fonte de renda. Dos 47 que são ou membros da OCDE ou nações candidatas a entrar nesse clube (caso do Brasil), só três países não cobram: Estônia, Letônia e o impávido colosso aqui.
As taxas variam brutalmente: 5% na Grécia, 7% na Argentina, 8% na Romênia, 12,5% em Burkina Faso, 20% na China, 39% no Reino Unido, 42% na Dinamarca… Mas o fato é que todo mundo cobra.
Por que não aqui, então? Quem resiste à ideia cita um fato: a carga tributária sobre o lucro das empresas, na pessoa jurídica, é extremamente alta no Brasil.
E é mesmo.
Somando os dois impostos que as empresas daqui pagam em cima do lucro, o IRPJ e a CSLL, temos uma tarifa de 34%. Entre os membros da OCDE, só a Colômbia cobra mais do que isso (35%). E a média entre os membros da Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento é de apenas 23,6%.
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Num cenário assim, taxar dividendos soa como uma bitributação abusiva. Mas esse roteiro tem um plot twist. “Quando você compara a tributação do lucro somando o que se paga como pessoa jurídica e como pessoa física, o Brasil tem uma das menores cargas na comparação com os países da OCDE”, diz o economista Sérgio Gobetti, pesquisador do Ipea e ex-secretário de Política Fiscal do Ministério da Fazenda no governo de Dilma Rousseff.
De fato. Na Irlanda, famosa pela legislação amigável à livre iniciativa, os impostos sobre o lucro, na PJ, são de parcos 12,5%. Mas a tributação sobre os dividendos, na física, chega a 51%.
Funciona assim: para um lucro de €100 milhões no país da cerveja Guiness, sobram €87,5 milhões depois dos impostos na jurídica. Aplique 51% sobre esse tanto, e vai restar €42,9 milhões. Tributação total: 57,1% – contra os 34% daqui.
Fato é que a média dos 38 membros da OCDE por esse critério sobe para 42%. Veja aqui onde o Brasil se encontra na comparação com eles:
Nesta outra visualização, confira melhor os países que mais cobram na PJ e os que mais tributam na PF:
Importante ressaltar: o resto do mundo costuma taxar mais o acionista do que a empresa em grande parte porque isso serve como estímulo para o reinvestimento dos lucros na própria companhia. A tendência aí é que a companhia cresça mais, gerando mais empregos e mais PIB, e sem ter de pagar tanto imposto por isso.
No Brasil, o estímulo vai na direção oposta. A empresa é penalizada por lucrar, dada a taxa escorchante. E o acionista acaba recompensado por tirar dinheiro de uma atividade produtiva e colocar no próprio bolso, já que não paga impostos sobre dividendos.
A diferença entre dividendos e JCP
O assunto aqui são os dividendos das empresas de capital aberto. Aqueles que você eventualmente recebe quando compra ações delas na bolsa. Não entram aqui, então, as vantagens tributárias das pequenas e médias empresas. Nem a isenção de impostos sobre os ganhos que os sócios dessas PMEs colocam no campo “lucros e dividendos recebidos” lá na declaração do IR. Esse é o tema de outra reportagem do InvestNews – que você pode acessar aqui.
Também tem a questão dos juros sobre capital próprio (JCP). É um tipo de provento que só existe no Brasil. A tributação, nesse caso, é inversa. A empresa não precisa contabilizar como lucro o que distribui na forma de JCP. Fica como se fosse uma despesa. Então ela acaba pagando menos IRPJ e CSSL. Em compensação, os acionistas arcam com um imposto de 15%, que fica retido na fonte.
No fim das contas, essa ferramenta troca um imposto de 34% na PJ por um de 15% na PF. Vale a pena para a empresa – se os acionistas toparem pagar o pato.
Mas a quantia que as companhias podem distribuir a título de JCP é restrita a uma porcentagem do patrimônio líquido – aquilo que a empresa possui menos as dívidas. Só quem tem um enorme patrimônio líquido consegue pagar o grosso de seus proventos na forma de JCP. É o caso dos bancos. O BB, por exemplo, pagou dividendos de R$ 0,53 por ação em 2024. Em JCP, bem mais: R$ 2,62. 80% do total.
Mas no geral o volume na forma de JCP é mirrado. Representa cerca de 10% do bolo que as empresas de capital aberto distribuem.
De volta, agora, ao mundo dos dividendos comuns, os isentões.
A ideia do governo não é tributar todo mundo que receba esse tipo de provento – ao menos pelo que foi divulgado até agora. É criar um “imposto para milionários”. Mais especificamente, para quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano.
Só esses pagariam alguma coisa sobre o que recebem a título de dividendos – seja de suas próprias empresas, seja via ações de companhias de capital aberto das quais detêm ações.
Não é diferente do que acontece em vários países da OCDE – várias das tarifas ali na tabela são o teto, aplicável apenas ao topo da pirâmide. Vale examinar o caso mais relevante, o dos Estados Unidos.
Nos EUA, menos de 1% paga o imposto cheio
A taxa que o governo federal cobra sobre dividendos por lá é de 20%. Na prática, dá mais do que isso, já que os Estados também cobram seus próprios IRs. Para não entrar num labirinto tributário, vamos focar só no IR federal deles – que responde pelo grosso do tributo, de qualquer forma.
Só que menos de 1% da população da população americana paga a “tarifa cheia”, de 20%.
Pela lei, essa taxação só vale para quem tira a partir de US$ 492.300 por ano. Em reais, dá R$ 2,8 milhões – ou R$ 234 mil por mês. E quem ganha tudo isso? Só um punhado de cidadãos americanos.
Ganhos a partir de US$ 430 mil por ano já colocam uma pessoa no clube do 1% mais rico de lá. E a tributação máxima começa ao norte desse marco.
Quem tira entre US$ 44.625 e US$ 492.299 paga uma tarifa intermediária de imposto federal sobre dividendos: 15%. Pouco mais da metade (56%) da população americana está nessa faixa.
Abaixo dos US$ 44.625 anuais, você não paga nada. Ou seja: 44% da população americana está isenta de imposto sobre o ganho com dividendos.
A renda média nos EUA é de US$ 42.220 anuais. Em dinheiro brasileiro por mês, dá R$ 20 mil – no nosso país são só R$ 1,8 mil; é a diferença entre um país rico e um país pobre. Mas esse é outro assunto. O que importa aqui é: quem tira a razoável renda média dos EUA já está dentro da faixa de isenção. Faz diferença num país onde 65% da classe média tem ações – no andar de cima, são 87%; no de baixo, 25%.
Por aqui, a fórmula que o governo tem em mente é mais intrincada que a dos EUA.
Ficaria estipulado um “imposto mínimo” para quem ganha de R$ 1 milhão pra cima. Vamos dizer que esse mínimo seja de 15% (ainda não estipularam). Se você tirou R$ 1 milhão em salário CLT, já pagou 27% em cima disso. Então tudo certo. Não vai ter de pagar mais nada.
Mas… Quem tirou R$ 1 milhão de salário mais R$ 1 milhão em dividendos terá pago “só” R$ 270 mil (aqueles 27% CLT). R$ 270 mil, na comparação com o montante total de R$ 2 milhões, corresponde a 13,5%.
Pronto. Caso o imposto mínimo passe pelo Congresso e a alíquota seja mesmo de 15%, vão faltar 2,5% de R$ 2 milhões. E o leão gentilmente te exigirá R$ 50 mil extras.
Mais um exemplo: se a fonte do outro milhão foram cotas de fundos imobiliários, que são isentas, paga-se os R$ 50 mil extras do mesmo jeito. Mas se ele veio dos rendimentos de uma herança de R$ 10 milhões aplicada num fundo comum, fica por isso mesmo – num caso assim, você já vai ter desembolsado um IR de pelo menos 15%, na fonte.
Vale lembrar que, no Brasil, só 307 mil pessoas tiram mais do que R$ 1 milhão por ano (R$ 83 mil mensais). Dá 0,22% da população adulta.
É isso. No link aqui embaixo, entenda melhor o impacto que a taxação de dividendos para esse grupo teria no país:
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