Jimmy Carter viveu uma vida longa e plena, do vilarejo de Plains, na Geórgia, à Casa Branca. Foi oficial da Marinha, senador e governador da Geórgia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2002 por negociar um tratado de paz entre Israel e Egito e por seu trabalho no Centro Presidencial Carter, combatendo doenças na África, monitorando eleições e mediando conflitos internacionais da Bósnia ao Haiti. Realizou tudo ao lado de sua amada esposa Rosalynn, com quem se casou em 1946 e que faleceu aos 96 anos em novembro de 2023.
Após mais de quatro décadas, é hora de a história reavaliar a presidência Carter (1977-1981). Seu governo enfrentou filas nos postos de gasolina, alta inflação, a crise dos reféns no Irã e um discurso erroneamente rotulado de “malaise” (NOTA: em tradução livre significa “mal-estar”; trata-se do pronunciamento “Crisis of Confidence Speech” – Discurso da Crise de Confiança –, de julho de 1979 em que a imprensa americana apelidou o discurso de “malaise speech”, sugerindo que ele estava diagnosticando um mal-estar nacional).
Terminou com uma derrota esmagadora na reeleição para Ronald Reagan e índices de aprovação inferiores a qualquer presidente do pós-guerra, exceto Richard Nixon e Harry S. Truman, equiparando-se aos de George W. Bush e Donald Trump. No entanto, deve ser lembrado como um presidente significativo, cujo mandato único deixou realizações duradouras.
Seu índice de aprovação de projetos importantes figurou entre os mais altos dos presidentes modernos, próximo ao de Lyndon B. Johnson. Em quatro anos, criou mais de 10 milhões de empregos, o dobro do primeiro mandato de Ronald Reagan e cinco vezes mais que George H.W. Bush. Manteve um crescimento médio do PIB real de 3,4%, superado apenas por John F. Kennedy, LBJ e Bill Clinton. Preparou as bases para o fortalecimento militar de Reagan enquanto negociava um tratado de desarmamento nuclear com a União Soviética. Respeitou as instituições governamentais e a imprensa livre, mesmo sob críticas severas.
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Na primeira campanha à Presidência, mostrou-se incansável. Passou mais de 100 dias em Iowa participando de reuniões políticas locais, muitas vezes dormindo na casa de apoiadores. Em novembro de 1976, construiu uma coalizão diversa de brancos do Sul, afro-americanos, sindicatos e liberais tradicionais para derrotar o presidente Gerald Ford. Apresentou-se como reformista, pequeno empresário e cristão devoto, prometendo: “Nunca mentirei para vocês.”
Como único democrata na Presidência durante duas décadas conservadoras, compreendeu o sentimento público melhor que os liberais de seu partido. Enfrentou pressões constantes por mais gastos sociais e um programa de saúde estatal, defendido pelo senador Edward Kennedy, que depois dividiu o Partido Democrata ao contestar sua candidatura em 1980. Anos depois, Kennedy admitiu ter errado ao não apoiar o projeto mais econômico de Carter, baseado no setor privado, que serviu de base para o Obamacare. Carter era fiscalmente conservador, progressista em direitos civis e sociais, defensor do livre comércio e de uma política externa que valorizava alianças.
Carter enfrentou uma situação desafiadora. O consenso político pós-guerra se desfazia com a Guerra do Vietnã e a “estagflação”, que combinava alta inflação e baixo crescimento, afetando também Nixon e Ford. A União Soviética atingia seu auge militar, e a revolução islâmica no Irã, derrubando um aliado histórico, gerou a crise dos reféns na embaixada dos Estados Unidos em Teerã (iniciada em 1979 e que durou 444 dias). Como centrista, enfrentou democratas que almejavam uma nova Grande Sociedade e republicanos fortalecidos por Reagan, cuja habilidade política subestimamos.
Seus erros também pesaram. Não trouxe profissionais experientes de Washington para compensar sua inexperiência e a de sua “equipe da Geórgia”. Orgulhava-se de ignorar consequências políticas em nome de princípios. Isso, porém, permitiu que enfrentasse questões impopulares como o Tratado do Canal do Panamá, a paz no Oriente Médio e a dependência do petróleo importado.
Várias conquistas permanecem subestimadas. A atual segurança energética americana se baseia em três leis fundamentais: o fim do controle de preços do gás natural e petróleo, o incentivo à conservação de energia e o início da era da energia limpa, simbolizada pelo painel solar que instalou na Casa Branca.
Sua política de desregulamentação modernizou setores cruciais. Liberou o transporte rodoviário, ferroviário e aéreo, permitindo o surgimento de empresas como Southwest e JetBlue. Revolucionou as telecomunicações, possibilitando a TV a cabo, e reformou o setor bancário. Até mesmo liberou a produção de cervejas artesanais. Pioneiro, instituiu análises de custo-benefício para novas regulamentações federais.
Duplicou as áreas de parques nacionais e aprovou a Lei de Ética no Governo de 1978. Como presidente sulista, nomeou mais minorias e mulheres para cargos federais que todos seus antecessores juntos, incluindo Ruth Bader Ginsburg. Ampliou significativamente o financiamento da educação e evitou a falência da Chrysler e de Nova York.
A inflação foi seu maior desafio interno. Alta desde o início, disparou com a segunda crise do petróleo, resistindo a medidas como intervenção no câmbio, controle de preços e austeridade fiscal. Em 1979, tomou sua decisão mais corajosa: nomeou Paul Volcker para o Federal Reserve (Fed), sabendo que ele elevaria juros e desemprego às vésperas da eleição. Volcker só aceitou mediante garantia de autonomia, ao que Carter respondeu: “Cuide da economia, eu cuido da política.”
Os resultados dessa estabilização vieram tarde demais para sua reeleição. Ironicamente, seus sucessores, exceto Clinton, optaram por déficits maiores, confiando que o Fed controlaria a inflação.
Na política externa, seu legado é ainda mais significativo. Os Acordos de Camp David e o Tratado Egito-Israel de 1979 seguem cruciais para Israel e os EUA. Pioneiro em priorizar direitos humanos, fortaleceu democracias latino-americanas e enfraqueceu o império soviético. Reverteu o declínio militar pós-Vietnã, aumentando gastos em 3% ao ano. Aprovou todos os sistemas bélicos posteriormente usados por Reagan contra os soviéticos. Até conservadores elogiaram sua firmeza após a invasão do Afeganistão. Também aproximou-se da China como contrapeso soviético.
Após perder para Reagan, transformou seu período como “pato manco” na transição mais produtiva da história. Aprovou leis ambientais importantes, libertou os reféns de Teerã e, a pedido de Kennedy, nomeou Stephen Breyer, futuro membro da Suprema Corte.
Em seus 44 anos após a presidência, Jimmy Carter manteve-se incansável em sua missão de melhorar os Estados Unidos e o mundo.
Stuart E. Eizenstat foi assistente-chefe de Jimmy Carter para assuntos domésticos na Casa Branca e é autor de “President Carter: The White House Years”.
Traduzido do inglês por InvestNews
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