Na primeira vez que fez a divulgação anual de resultados da Vale na posição de CEO, Gustavo Pimenta traçou um cenário de relativo otimismo: a demanda por minério de ferro do mundo deve continuar forte, a melhora da eficiência está reduzindo os custos de produção da companhia e, assim, os planos traçados devem ser executados com um volume de investimentos mais baixo.
Uma combinação de fatores que ajuda a explicar a reação positiva das ações da companhia a um balanço que mostrou o menor lucro anual desde 2019, de R$ 31,6 bilhões.
Mas não foram só as questões financeiras e operacionais que despertaram o interesse de analistas durante a conferência realizada nesta quinta-feira (20), na sede da Vale, no Rio. A retomada das relações com o governo, que vinham bastante estremecidas até o ano passado, também esteve na pauta.
O tema também interessa ao investidor porque a execução e o financiamento de projetos de uma empresa produtora de commodity vai sempre contar com o apoio do poder público, afinal estamos falando de uma empresa que emprega cerca de 200 mil pessoas. E basta lembrar que, para viabilizar o Programa Novo Carajás anunciado na semana passada, a Vale precisará de novas licenças ambientais.
Foi justamente no evento de anúncio da retomada dos investimentos em Carajás, na semana passada, que veio a demonstração pública do novo status de relacionamento da Vale com o governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de dizer que “o clima desagradável” foi superado. E que, agora com Pimenta no comando da companhia, não haveria mais ruídos.
Pimenta, CEO da Vale desde outubro do ano passado, fez sua parte para distencionar a relação com o chefe do executivo. Além de se mostrar aberto ao diálogo, trouxe para sua diretoria de Relações Institucionais (área que tem interface direta com o poder público) o jornalista Kennedy Alencar, de longa relação com o presidente da República.
O que essas declarações de Lula demonstram é que, em seus cinco meses de gestão, Pimenta tem conseguido executar bem uma de suas principais missões à frente da mineradora: atuar como articulador político e restabelecer as relações com o governo, bastante abaladas desde a tragédia de Brumadinho, em 2019. E que, na visão de analistas e executivos próximos à companhia, não foi bem executada pelo antecessor de Pimenta, Eduardo Bartolomeo.
“Toda empresa, ainda mais as maiores e com impacto relevante na economia, têm por dever de oficio, se relacionar bem com o poder público. Quem não faz isso é mau gestor”, define um executivo próximo à Vale, que prefere não ser identificado.
A expectativa do mercado é que Gustavo Pimenta consiga ter a desenvoltura que Roger Agnelli teve durante seus 10 anos no comando da Vale, entre 2001 e 2011, passando por três presidentes diferentes (inclusive Lula). A habilidade do executivo abriu caminhou para o forte crescimento da companhia, que se tornou naquele período a segunda maior mineradora do mundo.
Pimenta foi o nome vencedor num processo ruidoso de substituição de Bartolomeo. E foi uma espécie de azarão: o nome do engenheiro mineiro, de 47 anos, não aparecia nas listas de candidatos potenciais muitas vezes divulgadas pela imprensa ao longo de quase um ano em que a disputa pelo comando da mineradora, uma das maiores empresas do país, aconteceu.
Lula tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega, por meio dos votos da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, dona de 8,7% do capital da mineradora.
E não foi só ele: a Cosan, de Rubens Ometto, que detinha cerca de 4% da companhia, brigou pela indicação de seu homem de confiança, Luis Henrique Guimarães. Sem sucesso e com a empresa muito alavancada, Ometto desistiu da aposta na Vale: vendeu as ações em janeiro e levantou cerca de R$ 9 bilhões. Um alívio para o caixa da Cosan. E de certa forma para a Vale, que agora parece ter um conselho de administração mais “alinhado”, nas palavras de um executivo próximo à companhia.
Na conferência de resultados, Pimenta ouviu questionamentos de analistas e jornalistas sobre o efeito dessa nova fase de relacionamento com o governo. Ele disse que o setor de mineração “naturalmente tem alto grau de interface com o estado”, ou seja, com reguladores, ministérios, estados da União, municípios. “Não existe transição energética sem mineração”, disse.
É sob esse argumento que Pimenta e sua equipe negociam, por exemplo, as licenças ambientais de que precisam para seguir com alguns de seus projetos. No caso de Carajás, o plano é investir R$ 70 bilhões até 2030 para expandir a mineração de ferro e cobre.
O desafio externo
Mas o grande e perene desafio da Vale ainda é, sem dúvida, a evolução do preço do minério de ferro. A queda do preço da commodity, de cerca de 11%, pesou sobre o resultado da companhia no ano passado – no quarto trimestre, a empresa teve prejuízo de R$ R$ 4,68 bilhões. Assim, analistas entendem que a evolução do cenário internacional, muito incerto por causa da desaceleração da economia chinesa e da guerra comercial deflagrada pelo governo Donald Trump, é um risco para a Vale.
Pimenta concorda que essa é uma fonte de incerteza. Mas ele diz que há razões para acreditar que a demanda por aço – e, portanto, por minério de ferro – vai continuar aquecida e favorável à companhia. Primeiro, porque ele diz que a indústria manufatureira e de infraestrutura na China pode compensar o enfraquecimento do setor imobiliário do país. Mas também porque, se a economia chinesa fraquejar, o governo tem condição de oferecer estímulos.
Mas existe outro ponto: outros mercados, como a Índia e países do Sudeste asiático, estão crescendo e podem equilibrar a demanda global pela commodity.
A imposição de tarifas pelos Estados Unidos é algo a ser monitorado, afirma Pimenta, porque pode contribuir para desacelerar a economia globalmente, é verdade. Mas é muito cedo para prever um efeito dessa ordem. “A demanda por aço e mineração tem correlação com crescimento econômico e as tarifas podem afetar esse quadro, mas não estamos nesse momento”, diz.
O fato é que a Vale não exporta minério de ferro para os Estados Unidos, apenas níquel – 90% da necessidade americana pelo mineral é suprida pela Vale. Mas, como não há um substituto imediato – os Estados Unidos não produzem níquel -, é improvável que a commodity seja taxada, diz Pimenta.
Outro anúncio que a companhia fez foi a redução do investimento em sua capacidade produtiva, o chamado capex. O número caiu de US$ 6,5 bilhões para US$ 5,9 bilhões. Mas, na prática, o que vai acontecer é que a companhia vai executar os mesmos projetos, gastando menos: é a tal melhora de eficiência que agradou os investidores.