Na refinaria de Mataripe, a segunda maior do país, a sombra da Petrobras ainda persiste: a estatal é a principal fornecedora de petróleo, maior concorrente no mercado de combustíveis e potencial compradora do ativo, privatizado há quase quatro anos. A relação complexa ajuda a explicar por que a Acelen, que assumiu a refinaria no fim de 2021 por US$ 1,65 bilhão, importa 40% do petróleo que processa, mesmo atuando no oitavo principal produtor do óleo no mundo.
“É triste dizer isso, mas a segunda maior refinaria do Brasil tem que importar petróleo, porque o petróleo brasileiro vendido para nós não é tão competitivo assim”, afirma Luiz de Mendonça, CEO da Acelen, empresa controlada pelo Mubadala, em entrevista ao InvestNews. Para contornar os custos mais altos com o petróleo nacional, a empresa passou a importar principalmente da África.
A questão está no centro de uma disputa que se arrasta desde 2022 no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A Acelen alega que a Petrobras vende petróleo a preços menos atrativos para ela, favorecendo as refinarias da própria estatal. Por sua vez, a Petrobras diz que não discrimina clientes e que existem outros fornecedores no mercado além dela. Após idas e vindas, o Cade iniciou há um ano uma investigação mais aprofundada sobre o tema, que ainda está longe de um desfecho.
O embate ocorre ao mesmo tempo em que a Acelen tenta mostrar que os R$ 2 bilhões investidos desde a privatização em 2021 transformaram Mataripe, que completa 75 anos em setembro, na “refinaria mais competitiva do Brasil”.
Mendonça se apega à eficiência: redução de 26% no consumo de água, queda de 11% no consumo energético e 83 recordes de produção batidos. A capacidade de processamento cresceu 4%, atingindo 302 mil barris por dia. É uma empresa que registrou R$ 43,8 bilhões de receita líquida em 2023, segundo seu balanço mais recente.
Também diversificou seu portfólio, lançando seis novos produtos, incluindo diesel marítimo e uma nova especificação de gasolina para exportação, produtos que entregam maior valor agregado – e margem. “Nosso portfólio atual é substancialmente diferente do que era em 2021. Se eu tivesse ainda aquele portfólio, eu não estaria mais vivo”, afirma o CEO da Acelen.
Agora, o objetivo é ampliar em até 10% a capacidade de produção de óleo diesel, atualmente em 32,1 mil barris diários. Em outra frente, está investindo R$ 400 milhões em um parque solar para atender a planta e ampliar a oferta de energia limpa para a operação.
Medonça, executivo que fez carreira na Braskem e na Odebrecht Agroindustrial (hoje Atvos), toca o projeto da Acelen desde março de 2021, dois meses antes do leilão de privatização de Mataripe, quando a planta ainda se chamava Refinaria Landulpho Alves (RLAM).
Localizada no município de São Francisco do Conde (BA), a refinaria de Mataripe responde por 14% da capacidade de refino do Brasil e é crucial para o abastecimento do Nordeste. Mas sua relevância estratégica também atrai pressões. Sindicatos e associações do setor petrolífero defendem a reestatização do ativo, argumentando que os preços dos combustíveis na Bahia são mais altos que em outros Estados.
A Acelen contesta. “O mercado de petróleo é o mais conectado globalmente que existe. Não entendo o que querem dizer com ‘abrasileiramento’ de preços”, afirma Mendonça, fazendo referência à atual política de preços de combustíveis da Petrobras. “Se isso durar muito tempo, você pode ter consequências no abastecimento, no investimento e no retorno.”
A Acelen é controlada pela Mubadala Capital, gestora com sede em Nova York e que tem como dono o fundo soberano dos Emirados Árabes de mesmo nome. No ano passado, as conversas entre Mubadala e Petrobras chegaram a esquentar para a recompra da refinaria de Mataripe pela estatal. No entanto, diferenças sobre o atual valor da refinaria, considerando tanto os US$ 1,65 bilhões pagos quanto os R$ 2 bilhões investidos desde a privatização, esfriaram as negociações.
Independentemente de Mataripe estar ou não à venda, Mendonça diz que seu foco continua o mesmo. “O nosso trabalho – e é o que eu passo para nossas equipes – é entregar produtividade, competitividade e crescer. Qualquer decisão cabe ao nosso controlador.”
A aposta verde
Enquanto lida com as pressões no negócio tradicional, a Acelen avança com sua entrada no mercado de combustíveis sustentáveis. A empresa anunciou em 2023 o plano de investir US$ 3 bilhões numa biorrefinaria anexa a Mataripe, focada na produção de combustível sustentável de aviação (SAF) e diesel verde.
O diferencial do projeto está na matéria-prima: a macaúba, uma palmeira nativa que pode produzir até dez vezes mais óleo que a soja, a um custo 70% menor. A empresa está investindo US$ 2 bilhões só no desenvolvimento agrícola da planta, incluindo um centro de tecnologia em Montes Claros (MG) em parceria com a Embrapa.
O projeto da biorrefinaria, que começará a ser construído ainda neste ano, foi estruturado em uma empresa separada, a Acelen Renováveis. A unidade terá capacidade para produzir 20 mil barris diários de combustível verde, com foco em exportação para mercados que já regulamentaram o SAF, como Estados Unidos e União Europeia.
A estratégia com renováveis permanecerá independente mesmo se a refinaria tradicional voltar ao controle da Petrobras. “A biorrefinaria é outro CNPJ, outra empresa, o que facilita inclusive a entrada de investidores”.
Curiosamente, especula-se que a Petrobras poderia ser uma das sócias minoritárias nesse projeto. “Temos uma fila de interessados, mas ainda estamos fechando o modelo financeiro antes de discutirmos o equity”, acrescenta o CEO.
As primeiras extrações do óleo de macaúba começaram recentemente, e a expectativa é começar a produzir os primeiros barris de combustível verde em meados de 2027, inicialmente usando também outros óleos vegetais enquanto a produção própria de macaúba não atinge escala comercial.