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Negócios

Como a Petrobras tem pressionado o Mubadala para ter refinaria de Mataripe de volta

Após meses de embate, fundo aceitou negociar a devolução do ativo; conversas estão caminhando desde o fim de 2023

[Matéria atualizada em 27 de maio, às 15h15, com a posição da Petrobras]

Muito antes de o Cade voltar atrás em sua decisão e dar o aval para que a Petrobras não venda as cinco refinarias de petróleo que ainda estão sob seu controle, a empresa e o governo já vinham pressionando o Mubadala para que o fundo devolvesse a refinaria de Mataripe, na Bahia, a primeira a ser privatizada.

O InvestNews apurou que as pressões passam pela venda de petróleo mais caro e também com composição química inadequada, situações que afetam o resultado do negócio.

Mataripe é a segunda maior refinaria do país, concentra 14% da capacidade de refino brasileira e é a maior pagadora de impostos da Bahia – o estado é comandado pelo PT há mais de 20 anos. Foi comprada em 2021 por US$ 1,65 bilhão pela Acelen, empresa criada pela gestora Mubadala Capital, braço que administra os investimentos feitos no Brasil pelo Mubadala Investment Company, o fundo soberano dos Emirados Árabes.

Acostumado a obter bons resultados em operações de compra e reestruturação de empresas em situação financeira frágil, o Mubadala encontrou uma situação complexa no caso de Mataripe. Mesmo privatizada, a refinaria ainda tem uma espécie de dependência da Petrobras, por conta do fornecimento de óleo cru e do fato de a estatal dominar 80% da capacidade de refino brasileira, determinando os preços do mercado.

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Segundo fontes, a Acelen passou a sofrer pressão por parte da estatal desde a mudança de governo, que tem uma visão estatizante e, portanto, contrária à venda das refinarias. Após meses nesse embate, Mubadala aceitou negociar a devolução do ativo e as conversas estão caminhando desde o fim do ano passado. É uma questão de preço.

Procurada, a Acelen informou que não se manifesta sobre temas que estão no âmbito de seus investidores e acionistas. O Mubadala Capital diz que tem uma negociação iniciada em dezembro e que o processo é público. A Petrobras afirmou que não é a única fornecedora de óleo cru no Brasil, que a produção dos seus concorrentes supera a capacidade de processamento dos refinadores independentes e que a Acelen tem escolhido comprar seu petróleo “por considerar a Petrobras como sua melhor alternativa técnica e econômica”. A estatal disse ainda que não distingue seus usuários finais quanto à qualidade do óleo vendido.

Petróleo mais caro

No ano passado, o CEO da Acelen, Luiz Mendonça, deu entrevistas dizendo que a Petrobras estava cobrando um preço mais caro de Mataripe pelo óleo cru do que das demais refinarias. As entrevistas, apurou o InvestNews, irritaram a estatal.

Ao mesmo tempo, a Petrobras passou a vender gasolina e diesel no mercado interno com desconto em relação aos preços internacionais. Essa combinação de fatores pressiona os chamados “crack spreads” — diferença entre o valor que a Acelen paga pelo óleo cru e o preço que consegue repassar aos consumidores —, com impacto sobre as contas da empresa.

Além disso, fontes próximas à Acelen afirmam que a Petrobras, por diversas vezes, forneceu o óleo cru com composição química inadequada para a refinaria. Nessa indústria, há diferentes tipos de petróleo. E as refinarias instaladas no país têm capacidades de processamento específicas para cada um deles.

A Petrobras sabe melhor do que ninguém qual o melhor tipo de petróleo para cada uma dessas refinarias. Ainda assim, por diversas vezes forneceu para a Acelen o óleo menos eficiente para a sua estrutura, ou ainda o de menor qualidade.

A Acelen chegou a importar uma carga de 2 milhões de barris de petróleo da África, como uma espécie de demonstração de força. Mas a importação regular não é sustentável. Publicamente, Luiz Mendonça fez diversas críticas à estratégia da Petrobras exportar o óleo a preços menores do que os oferecidos à empresa.

Na visão do mercado, Mataripe tornou-se um mau negócio para o Mubalada porque o modelo usado pelo fundo para avaliar a refinaria no momento da compra tinha premissas que se mostraram diferentes da realidade – econômicas e políticas. “Faltou entender como as coisas acontecem no setor”, afirma um experiente consultor do setor, sob condição de anonimato.

Mas há outros complicadores: as negociações envolvem também o projeto de uma biorrefinaria que a Acelen quer levantar, praticamente integrada às instalações de Mataripe. A Petrobras já demonstrou interesse no ativo, que vai demandar investimentos bilionários – o Mubadala fala em US$ 13,5 bilhões para erguer cinco plantas –, mas ainda não se sabe como se dará o bem bolado entre as partes.

A situação da Acelen faz eco com a da Repsol. Em 2010, a empresa espanhola vendeu de volta para a Petrobras sua fatia de 30% na Refap, uma refinaria do Rio Grande do Sul. Os outros 70% estavam com a estatal. A companhia europeia estava tendo prejuízo com a política de controle de preços da Petrobras e a situação ainda é lembrada entre profissionais do mercado como exemplo do por que players privados não devem estar sujeitos à estatal.

O caso de Mataripe, no entanto, mostra que investidores não estão a salvo nem quando se tornam 100% donos dos ativos

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A expectativa é que as conversas avancem com mais celeridade nas próximas semanas. Magda Chambriard assumiu nesta sexta-feira (24) a presidência da Petrobras, sucedendo um Jean Paul Prates que desagradou governistas por supostamente não ter avançado o suficiente nas pautas de interesse do governo – Mataripe entre elas.

The old is back

A decisão do Cade do início da semana, que voltou atrás e deu aval à suspensão do processo de venda das refinarias controladas pela Petrobras, é o golpe de misericórdia na política de desinvestimentos da companhia iniciada em 2016, quando Temer era o presidente da República e escolheu Pedro Parente para chefiar a estatal.

Na esteira da Lava Jato, houve quem apostasse que dali surgiria uma Petro mais enxuta e eficiente, disposta a atender aos interesses dos acionistas minoritários e aberta à concorrência privada nas diferentes cadeias da indústria do petróleo e gás.

Seria a oportunidade de reverter uma postura monopolista que remonta aos primórdios da companhia – afinal, ela veio ao mundo pelas mãos de Getúlio Vargas, em 1953, impulsionada pela campanha nacionalista “o petróleo é nosso”. A empresa nasceu já detendo o monopólio da exploração de todas as etapas da indústria petrolífera, com exceção da distribuição de combustíveis.

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Só que a visão do PT sobre a Petrobras está muito mais para Getúlio Vargas do que para Pedro Parente, de forma que até o petista Jean Paul Prates acabou com a pecha de moderado demais – pelo menos do ponto de vista dos governistas que têm pressa para ver os investimentos da estatal refletidos nos índices de aprovação do governo.

Apontado como um dos algozes de Prates, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse ao O Globo que espera de Magda Chambriard “coragem para fazer acontecer” e alinhamento ao acionista controlador – o governo. Perguntado se esse era um conselho seu à nova presidente da estatal, Silveira disse: “Não, até porque ela lê jornal”.

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