Tinha virado sinônimo de “rentismo”. Entre julho de 2015 e outubro de 2016 o país viveu sob uma Selic de 14,25% – algo que não se via desde a década anterior. Agora, se a bola já cantada pelo Banco Central desde dezembro se confirmar, os juros básicos da economia voltam para os 14,25%. De novo, quase 10 anos depois. 

Da última vez, eram os estertores do governo Dilma, quando imaginava-se que a inflação poderia sair completamente do controle – o IPCA chegaria a 10,71% em janeiro de 2016. Mas o pior não aconteceu. O dragão acabou domado pela Selic fora da curva.

Só que a de agora não é só fora da curva. É praticamente na caixa de brita. Porque os 14,25% de hoje, caso o BC confirme o patamar ao fim da reunião do Copom desta quarta (19), significam bem mais que os 14,25% de 2015/2016. 

Sim. Porque lá atrás, no auge daquela onda inflacionária, isso significava um juro real, acima da inflação, na casa dos 3%. Sob os 14,25% de outrora, chegaria no máximo a 6%, a depender do IPCA vigente. Hoje, uma Selic em 14,25% representa um juro real nas cercanias dos 9% – o maior do mundo.

E fica a pergunta:

Até onde vai a Selic, afinal? 

Pela edição mais recente do Boletim Focus, a pesquisa semanal que o BC faz com 170 instituições financeiras e afins, ela vai até 15% – no fim deste ano. E só aí volta a baixar, fechando 2026 em ainda pesados 12,25%. 

É um baita deterioração de expectativa. Há um ano, o Focus antevia 9% para os finalmentes de 2025 e 8,50% para os de 2026. Juro real? Na casa dos 5%. Praticamente metade do de agora. 

Por que essa diferença toda? Porque os juros do Banco Central existem para combater a inflação. Eles são basicamente o preço que os bancos comuns pagam pelo dinheiro que vão emprestar na praça. Quanto mais caro o dinheiro estiver, menos os bancos pegam. A circulação de dinheiro diminui. Com uma quantidade menor de moeda girando, os preços caem.

Ok. Mas o BC não é o único agente que controla o volume de moeda em circulação. Os gastos públicos também influenciam. Quanto mais dinheiro o governo joga na economia (via investimentos, programas assistenciais etc.), mais difícil fica para o Banco Central domar a inflação. Eventualmente, pode ficar impossível – cenário que os economistas chamam de “dominância fiscal”, quando altas na Selic deixam de surtir efeito.  

Bom, medem-se os gastos públicos pelo aumento da dívida pública – já que o governo precisa de dinheiro emprestado para gastar. E a dívida aumentou brutalmente durante o governo Lula. Subiu de 71,7% do PIB, no final de 2022, para 76,1% em dezembro do ano passado.

O ideal para países em desenvolvimento, que não emitem moeda forte, é abaixo de 60% – nível em que o Brasil estava até 2014. Agora, o próprio Tesouro Nacional prevê que 2025 feche em 79,7% do PIB. E que no ano que vem ultrapassará a barreira dos 80%.  

Em termos puramente financeiros talvez fique mais claro o salto. A dívida bruta do governo federal fechou 2022 em R$ 5,9 trilhões; 2024, em R$ 7,3 tri. Uma alta de 24%. Para 2025, o Tesouro prevê R$ 8,5 tri – um salto nominal (que não leva em conta a inflação) de 44% em três anos.

E isso causa outro problema. O “mercado”, ou seja, o conjunto de agentes que financia o governo, passa a duvidar do poder de solvência do Estado. E fica meno propenso a comprar títulos públicos brasileiros, o instrumento que o governo usa para se financiar.

Quando isso acontece, o que os agentes/investidores fazem? Boa parte deles vai procurar outras praias para aportar seu dinheiro. Geralmente, títulos públicos dos EUA.

Para comprar títulos dos EUA, você precisa de dólares. A demanda pelas notas verdes sobe, e a moeda americana fica mais cara. Neste momento, mesmo após as quedas recentes, ela está 13% mais valiosa do que há 12 meses. 

Dólar alto bomba a inflação. Principalmente dos alimentos, já que a produção agropecuária é cotada na moeda americana. E se vem pressão no IPCA, liga-se a sirene no BC, e a autarquia sobe a Selic. 

O fato é que o BC estava certo quando voltou a subir os juros a pauladas de 1% a cada reunião do Copom. Juros demoraram meses para fazer efeito sobre o IPCA. E viu-se que a Selic do passado não bastou que a inflação voltasse a convergir para a meta, de 3% – chegamos a fevereiro de 2025 em 5,06%, o maior IPCA em 12 meses desde setembro de 2023.

O grande problema: até março, abril, do ano passado havia alguma esperança de que o governo desse uma freada nos gastos públicos. Mas ela foi minguando ao longo do tempo. E de forma mais aguda nos últimos meses do ano passado, quando em vez de anunciar cortes de gastos, o Ministério da Fazenda anunciou corte de receita – a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil (medida moralmente justificável, mas temerária em termos econômicos num momento em que já começavam a surgir temores de dominância fiscal).     

Com esse clima, o dólar disparou, e o BC basicamente deixou avisado no final do ano passado que a Selic voltaria aos 14,25% até março. O mercado, via Focus, passou a prever um pico de 15%, com inflação a 6% – ou seja, a manutenção do juro real real de hoje, ali pelos 9%. 

Caso a Selic vá mesmo a 15%, teremos mais um salto temporal. Não se vê um juro básico desses desde os idos de 2006; uma outra era geológica em termos macroeconômicos, quando o Brasil tinha de operar juros reais de dois dígitos para manter a força do real.  

Infelizmente, bastará a falta de notícias positivas sobre a dívida pública para que esse tempo quase esquecido volte. E, por enquanto, nada indica um caminho diferente.