Levantar a tampa de uma colmeia da Beewise parece mais com abrir o capô de um carro do que visitar milhares de polinizadores. A unidade — chamada de BeeHome — é uma evolução industrial da tradicional colmeia de madeira: toda revestida de metal branco e equipada com painéis solares.
Por dentro, há um scanner de alta tecnologia e um braço robótico movido por inteligência artificial. Cerca de 300 mil dessas unidades estão em operação nos EUA, espalhadas por plantações de amêndoas, canola, pistache e outras culturas que precisam de polinização para crescer.
Não é exatamente a imagem romântica de uma colmeia ou de um apicultor tradicional, mas isso pouco importa: o que importa é manter as abelhas vivas. E as unidades da Beewise fazem isso muito melhor do que as colmeias convencionais, oferecendo monitoramento constante da saúde das colônias e capacidade de tratamento imediato caso algo comece a dar errado.
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Desde meados dos anos 2000, os EUA têm registrado um aumento preocupante nas mortes de colônias. Apicultores enfrentam dificuldades para lidar com ácaros transmissores de doenças, extremos climáticos e outros fatores que podem dizimar colônias inteiras. Isso ameaça bilhões de dólares em safras que dependem das abelhas, de amêndoas a abacates. O último ano registrou as maiores perdas de colônias da história.
A Beewise já levantou quase US$ 170 milhões em investimentos, incluindo uma rodada Série D de US$ 50 milhões no início deste mês, e tem um plano para transformar o setor.
Segundo Saar Safra, CEO e cofundador da Beewise, a IA e a robótica conseguem substituir “90% do trabalho que um apicultor faria no campo”. A questão é se os apicultores vão abrir mão de equipamentos consagrados há quase dois séculos.
A importância das abelhas
No fim das contas, o destino dos humanos está ligado ao das abelhas. Cerca de 75% das safras agrícolas dependem de polinizadores, especialmente frutas e nozes. Embora outras espécies de insetos também ajudem, nenhuma consegue substituir as abelhas.
“Basicamente, não haveria safra sem as abelhas”, disse Zac Ellis, diretor sênior de agronomia da OFI, empresa global de alimentos e ingredientes.
A colmeia tradicional — o modelo Langstroth, criado em 1852 por um reverendo americano — é uma caixa de madeira com quadros móveis que abrigam a rainha, as operárias, as larvas e o mel.
“São colmeias fáceis de manejar, desmontar, montar, manipular quadros, fazer divisões” e transportar, disse Priya Chakrabarti Basu, pesquisadora de abelhas da Universidade Estadual de Washington.
Essas caixas são a base da agricultura americana e das safras de alto valor que dependem das 2,5 milhões de colmeias comerciais que cruzam o país em carretas. Apicultores com milhares de colmeias viajam até da Flórida para prestar serviços de polinização na safra de amêndoas de US$ 3,9 bilhões da Califórnia antes de seguir para outras regiões e culturas.
“As amêndoas são um dos maiores eventos de polinização do mundo”, disse Ellis, que usa colmeias da Beewise em 30% de suas áreas. Normalmente, são necessárias duas colmeias por acre (cerca de 40.000 m²), cada uma com até 40 mil abelhas.
Para polinizar as 10 mil acres de amêndoas, nozes e pistaches que Ellis gerencia, são necessárias milhões de abelhas.
Mas o volume de colmeias e a demanda geram um problema: os apicultores só conseguem verificar a saúde das colônias a cada uma ou duas semanas. Diante das novas ameaças às abelhas, colônias inteiras podem ser dizimadas ou enfraquecidas além do ponto de recuperação em poucos dias.
Pesticidas tóxicos, mudanças climáticas e o aumento do ácaro varroa desde os anos 1980 agravaram o chamado distúrbio do colapso das colônias (colony collapse disorder). Não se sabe exatamente o peso de cada fator, mas provavelmente há uma interação entre eles.
“Raramente você vai encontrar uma abelha estressada apenas por um ácaro, ou apenas por uma doença, ou só por má nutrição”, disse Chakrabarti Basu. “É sempre uma combinação.”
Os impactos são claros: entre abril do ano passado e março deste ano, mais de 56% das colônias comerciais foram perdidas, segundo a Apiary Inspectors of America. Os prejuízos econômicos foram grandes: cerca de US$ 600 milhões só nos últimos nove meses, segundo a Honey Bee Health Coalition.
Embora um novo tipo de colmeia, por si só, não resolva o problema, as colmeias robóticas da Beewise ajudam a reduzir as perdas ao fornecer monitoramento quase contínuo da saúde das colônias, em tempo real — permitindo aos apicultores reagir rapidamente.
Equipadas com câmera e braço robótico, as BeeHomes fazem imagens frequentes dos quadros internos, que Safra comparou a uma ressonância magnética. A quantidade de dados gerada é enorme.
Cada quadro contém até 6 mil células onde as abelhas podem, por exemplo, criar larvas ou armazenar mel e pólen. Uma colmeia pode ter até 15 quadros, e um BeeHome comporta até 10 colmeias — gerando milhares de pontos de dados para a IA analisar.
Um apicultor experiente pode olhar um quadro e avaliar rapidamente sua saúde, mas a IA faz isso ainda mais rápido — e com capacidade de identificar sinais de alerta como a ausência de larvas novas ou a presença de ácaros. Caso haja problema, o apicultor recebe um alerta via aplicativo. A tecnologia rendeu à empresa o prêmio BloombergNEF Pioneers neste ano.
“Já testamos outras tecnologias que nos dão algumas métricas, mas sempre com visão retroativa”, disse Ellis. “O que nos atraiu na Beewise foi a capacidade de entender o que está acontecendo na colmeia e de agir com base nessas métricas.”
Isso inclui administrar medicamentos e alimentos e abrir ou fechar aberturas de ventilação para controlar a temperatura ou proteger contra pulverizações de pesticidas. Safra destacou que, após dois furacões atingirem a Flórida no ano passado, as BeeHomes permaneceram operacionais, enquanto muitas colmeias de madeira foram destruídas.
Essa durabilidade e capacidade de resposta convenceram Ellis a ampliar o uso. Hoje, as BeeHomes estão em 30% das áreas dele, mas a meta é alcançar 100% em três anos. Resta saber se outros produtores e apicultores também vão adotar, considerando quase dois séculos de fidelidade ao modelo Langstroth.
A startup planeja mais que triplicar o número de BeeHomes em operação, alcançando 1 milhão de unidades em três anos.
“Estamos numa corrida contra o tempo”, disse Safra. “Podemos ter o melhor produto do mundo daqui a 15 anos, mas isso não adianta se não houver mais abelhas.”
Hospedagem 5 estrelas
Ellis comparou as colmeias a um Ritz-Carlton para polinizadores. A hospedagem cinco estrelas parece agradar: segundo a Beewise, suas unidades — que são alugadas para serviços de polinização por preços que a empresa diz serem compatíveis com o mercado — têm tido perdas de colônias de apenas 8%. Isso representa uma queda expressiva em relação à taxa média anual de mais de 40%, segundo a Apiary Inspectors of America.
“O ativo são as abelhas. É esse o ativo que gera receita”, disse Safra, observando que perder mais de 40% dessas abelhas torna difícil cobrir os custos fixos, como mão de obra e transporte.
A Beewise espera faturar US$ 100 milhões este ano e prevê alcançar a lucratividade em 12 meses. A empresa não revelou a avaliação de mercado após a Série D.
Há concorrência na área de tecnologias para salvar abelhas. Empresas como a Dalan Animal Health estão desenvolvendo vacinas para protegê-las de doenças. BeeHero e Beeflow (notou o padrão nos nomes?) oferecem sensores para monitoramento de saúde nas colmeias e nos campos. Ambas melhoram os resultados nas colmeias Langstroth, mas ainda exigem manutenção regular dos apicultores.
Chakrabarti Basu e seus colegas também trabalham em formas de usar IA para detectar a entrada de abelhas nas colmeias. “Quanto mais conjuntos de dados conseguirmos fornecer, melhor será o treinamento”, disse ela. “Reconhecimento de padrões — seja para monitorar um quadro de cria, seja para avaliar qualquer aspecto da saúde da colônia — a IA provavelmente vai ficar cada vez melhor nisso.”
Por Brian Kahn