O bilionário espanhol Amancio Ortega, fundador da Zara e maior acionista do grupo Inditex — um dos mais importantes conglomerados de moda do mundo —, chamou a atenção nos últimos dias pela capacidade de preservar sua grande fortuna pagando o mínimo possível de impostos mesmo na Espanha, um país com tributação sobre o patrimônio dos mais ricos.

Em vez de recorrer a paraísos fiscais ou manobras ilegais, Ortega se vale de uma estratégia totalmente dentro das quatro linhas da lei. Mas e se Ortega estivesse no Brasil? A gente te explica mais adiante!

Na Espanha, há um tributo anual que incide sobre o valor total do patrimônio líquido das pessoas físicas mais ricas — não apenas sobre sua renda, mas também sobre ações, imóveis, aplicações financeiras e recursos em caixa. Para alguém com a fortuna de Ortega, estimada em US$ 103,7 bilhões, a cobrança pode representar perdas bilionárias ano após ano, caso não seja feita uma gestão ativa e eficiente dos bens.

Como funciona?

A espinha dorsal da estratégia do bilionário consiste em transformar dinheiro líquido — altamente tributável — em ativos produtivos, que possuem isenções ou tributação reduzida, desde que usados com finalidade econômica definida.

Para isso, Ortega reinveste com agilidade quase todo o valor dos dividendos que recebe da Inditex. Somente em 2024, foram mais de 3,1 bilhões de euros (cerca de US$ 3,6 bilhões) em lucros distribuídos ao bilionário e seus familiares.

Se esse dinheiro ficasse parado, parte significativa estaria sujeita à tributação patrimonial. Mas, ao reinvesti-lo rapidamente — dentro de um período de até 12 meses — em imóveis de alto padrão, ações estratégicas ou empresas de infraestrutura e energia, Ortega consegue legalmente evitar o pagamento desse imposto.

Por que funciona?

A blindagem fiscal funciona porque o sistema espanhol oferece benefícios tributários para quem aplica sua riqueza em atividades econômicas consideradas estratégicas para o desenvolvimento do país. Imóveis comerciais que geram renda, investimentos produtivos em setores cruciais e participações societárias expressivas são tratados de forma mais favorável do ponto de vista fiscal do que aplicações financeiras ou patrimônio estático.

E Ortega entendeu isso. Seu império imobiliário é hoje avaliado em bilhões de euros, com edifícios alugados para multinacionais, hotéis de altíssimo padrão e centros comerciais localizados nas principais capitais do mundo. São ativos que, além de gerarem receita contínua, o ajudam a evitar os efeitos da tributação sobre grandes fortunas, somando crescimento patrimonial com proteção fiscal.

Em períodos próximos ao recebimento dos lucros da empresa de moda, Ortega sempre anuncia a compra de prédios e empreendimentos mundo afora, como edifícios corporativos em Miami, Londres, Toronto e Paris — alguns avaliados em centenas de milhões de dólares. Esses investimentos reinserem rapidamente o capital no circuito produtivo, consolidando a possibilidade de isenção fiscal.

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E se fosse no Brasil?

No Brasil, a adoção de uma estratégia semelhante à de Amancio Ortega não tem fundamento por uma razão simples: o país ainda não conta, de fato, com um imposto sobre grandes fortunas em vigência. Embora essa tributação esteja prevista na Constituição desde 1988, ela jamais foi regulamentada pelo Congresso Nacional, o que impede sua cobrança efetiva.

O sistema tributário brasileiro concentra sua carga principalmente sobre o consumo e a renda, dedicando pouca atenção à taxação sobre patrimônio acumulado. Tributos como o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) incidem de forma pontual ou restrita, sem criar um ambiente comparável ao imposto patrimonial existente na Espanha.

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Existe, atualmente, uma forte pressão política e social para a implementação da taxação de grandes fortunas no Brasil. Esse debate tem sido impulsionado por questões relacionadas à desigualdade social e pelo interesse do governo em ampliar sua arrecadação. Diversas propostas tramitam no Congresso com o objetivo de regulamentar esse tipo de tributo, mas ainda não houve consenso sobre o formato ideal, alíquotas e mecanismos de fiscalização.

Caso o Brasil venha a instituir um imposto sobre grandes fortunas, práticas de blindagem e reinvestimento em ativos produtivos — semelhantes às empregadas por Ortega — poderiam, em tese, ser replicadas por aqui.

No entanto, isso dependeria da estrutura do novo tributo e de possíveis brechas legais que viessem a ser estabelecidas, especialmente no tocante a incentivos fiscais destinados a investimentos considerados estratégicos para a economia nacional, a exemplo do que ocorre na legislação espanhola.