O negócio, anunciado em maio de 2024 e concluído no fim de outubro, mais que dobrou a capacidade instalada da Auren – de 3,6 GW para 8,8 GW. Para efeito de comparação, isso equivale a mais da metade da potência de Itaipu. O portfólio diversificado combina hidrelétrica (54% do total), eólica (36%) e solar (10%).
No próximo mês, a Auren concluirá a reestruturação das dívidas herdadas da AES Brasil. O processo envolveu a captação de R$ 14 bilhões em novos financiamentos com melhores condições, substituindo empréstimos mais caros. A operação gerou uma economia líquida superior a R$ 300 milhões para a companhia.
A partir de setembro, a empresa fará todas as integrações dos sistemas, com acompanhamento contínuo até dezembro. “As partes críticas da integração se encerram agora em setembro. Não há mais grandes projetos pendentes a partir de então”, explica o CEO Fábio Zanfelice, em conversa com o InvestNews.
Com a integração praticamente finalizada, o foco agora se volta para a desalavancagem: a companhia encerrou o segundo trimestre com dívida líquida de 4,8 vezes o Ebitda e pretende reduzir esse patamar para entre 3 e 3,5 vezes até o fim de 2028, considerado “ideal” pela gestão.
O movimento acontece num ambiente desafiador para a geração renovável, pressionado pelo avanço do curtailment — quando usinas (neste caso, solar e eólica), precisam reduzir produção por restrições de transmissão ou baixa demanda — e pela compressão de margens no mercado livre.
Sinergias avançam
A Auren superou suas próprias projeções na captura de sinergias com a AES Brasil. Entre o fechamento da operação em outubro e o fim do primeiro semestre de 2025, a companhia já capturou R$ 154 milhões, superando a meta anual inicial. Agora, a gestão projeta entregar R$ 250 milhões anuais em sinergias. No mercado, a estimativa é que ao todo, será possível capturar até R$ 1,2 bilhão.
Uma parte significativa dos ganhos vem da melhoria da eficiência operacional. Os ativos eólicos da AES Brasil operavam com disponibilidade média de 86,3%, bem abaixo dos 97% registrados nos parques da Auren. Hoje, as plantas adquiridas já operam com 92% de disponibilidade, com meta de atingir 95% até o final deste ano.
O CEO da Auren explica que os ganhos vieram rapidamente com foco maior em manutenções preventivas, em ter estoque de peças para uma reposição mais rápida e no monitoramento online dessas operações, o que não ocorria anteriormente.
O impacto financeiro é direto. “Cada ponto percentual de ativo disponível, você vai gerar mais receita. Obviamente, tem impacto importante”, lembra Zanfelice.
Do lado financeiro, a aquisição elevou temporariamente a alavancagem de 1,8x para 5,7x o Ebitda, mas o indicador já caiu para 4,8 vezes no segundo trimestre através de captações com melhores condições.
O desafio do curtailment
A conclusão da integração acontece em um momento desafiador para a geração eólica e solar. O curtailment (redução forçada da geração por limitações de escoamento ou sobreoferta) tornou-se recorrente, comprimindo as margens das geradoras no mercado livre.
No segundo trimestre, segundo dados do Operador Nacional do Sistema (ONS), os cortes na média nacional atingiram 10,4% da geração eólica e 20,8% da solar. Para a Auren, no entanto, o impacto tem sido menor que a média do setor, de acordo com o CEO.
“A gente na média está sendo afetado menos do que a média do mercado, pela dispersão geográfica e qualidade dos ativos”, afirma Zanfelice. “E o terceiro ponto que nos ajuda é a diversificação, 54% da nossa capacidade é hidrelétrica, que não passa por isso.”
Comercialização em alta
O aumento de ativos de geração veio em boa hora para a Auren. A publicação da Medida Provisória 1300 criou uma correria de grandes consumidores atrás de contratos de autoprodução – modalidade em que empresas investem em usinas para gerar sua própria energia –, criando uma janela vantajosa para a comercialização.
“Isso gerou uma demanda adicional – muitos clientes que estavam estudando autoprodução aceleraram as negociações. Conseguimos vender praticamente toda a nossa capacidade remanescente em contratos de 15 anos”, afirma.
O resultado foi expressivo: a Auren ampliou em 53,9% a receita líquida de comercialização no segundo trimestre comparado ao mesmo período do ano anterior, chegando a R$ 1,9 bilhão, com Ebitda de R$ 128,2 milhões.
A urgência dos clientes tinha motivo. A MP 1300, publicada em 21 de maio, estabeleceu que após 60 dias de sua publicação, o modelo de autoprodução só poderia ser feito com ativos novos, não mais com usinas existentes. A medida provisória tem prazo de 60 dias para ser aprovada pelo Congresso — prorrogáveis por mais 60 dias até agosto — e se não for convertida em lei, perde eficácia.
Novos projetos
Caso a MP seja mantida, haverá uma complexidade adicional para as empresas do setor: assumir novos projetos em uma fase de custo de capital mais alto com preços de energia mais baixos.
“O que vai direcionar o preço da energia a longo prazo é o custo marginal de expansão – aquele preço necessário para construir novos projetos”, lembra Zanfelice. “Sempre teve gente no mercado achando que os preços serão baixos eternamente. Agora, já existe o entendimento que ele não será baixo eternamente.”
Para o executivo, a lógica é simples: sem novos investimentos em geração, a demanda crescente vai diminuindo a margem do sistema até que os preços de curto prazo subam o suficiente para tornar os contratos de longo prazo mais atraentes novamente.
Diante desse cenário de transformação, Zanfelice enxerga oportunidades em tecnologias que podem transformar o setor. A tecnologia de baterias pode ser especialmente valiosa para uma empresa com forte presença em fontes intermitentes como eólica e solar.
Quando essas fontes geram energia em excesso — justamente quando ocorre o curtailment — as baterias poderiam armazenar a produção para disponibilizar nos momentos de maior demanda e melhores preços.
“A gente está estudando capacidade, flexibilidade, que é a palavra-chave do sistema. Bateria é uma das tecnologias que vão agregar flexibilidade ao sistema”, acrescenta. “Nosso time está estudando a possibilidade de entrar no negócio de baterias. É uma oportunidade importante para a gente.”
Do zero aos 8 GW
A Auren como conhecemos hoje começou há dez anos, em 2015, quando Zanfelice assumiu a Votorantim Energia com um portfólio concentrado em autoprodução e nenhuma operação relevante no mercado. “Quando cheguei, o mandato era transformar a empresa numa empresa de energia voltada para o mercado”, relembra o executivo.
Ao longo da década, o grupo liderou uma série de movimentos estratégicos que aconteceram sempre em momentos peculiares da economia brasileira, como a crise de 2015. A aquisição da Cesp, em particular, foi um teste de fogo para a capacidade de integração da equipe.
“A Cesp valia R$ 4,5 bilhões e tinha entre R$ 12 e 13 bilhões de contingências. Tinha mais passivos do que valia a companhia”, relembra o CEO. A experiência de reestruturar uma empresa em situação tão complexa se tornou importante para a integração da AES Brasil.
A trajetória incluiu também a parceria com o fundo canadense CPP Investments para construir uma plataforma de geração renovável, que resultou na transformação da Votorantim Energia em Auren, em 2022. “Temos acionistas que suportaram nosso crescimento em momentos estratégicos”, reforça Zanfelice.
“Saímos de zero para 8,8 gigawatts em praticamente oito anos”, resume o CEO da Auren.