Quando o conselho promoveu o veterano Laurent Freixe a CEO no ano passado, Bulcke o descreveu como a “pessoa perfeita” para conduzir a fabricante das cápsulas KitKats e Nespresso em mercados turbulentos e reativar o crescimento.
Agora que Freixe se foi após supostamente esconder um relacionamento amoroso com uma subordinada, as ações da Nestlé estão perto da mínima em oito anos e Bulcke enfrenta uma turbulência na gestão do grupo conhecido por sua estabilidade.
“O escândalo levanta questões de responsabilidade e julgamento para o presidente e o conselho da Nestlé”, disse Christopher Rossbach, diretor de investimentos da J. Stern & Co. Sua empresa buscará esclarecimentos de Bulcke e de seu sucessor designado — o ex-CEO da Inditex, Pablo Isla — sobre “como essa situação aconteceu e quais medidas eles tomarão para garantir que isso não aconteça novamente”, disse Rossbach.
A saída abrupta de Freixe prolonga um período de turbulência na cúpula da Nestlé, iniciado há um ano com a surpreendente saída de Mark Schneider, que foi afastado após quase oito anos como CEO. Na época, Freixe era visto como mãos seguras que restaurariam os pontos fortes da Nestlé, depois que Schneider — um raro outsider no cargo — levou a empresa a novos rumos.
Em vez disso, resultou talvez na mais importante disputa no conselho de administração na Suíça desde que o então presidente do Credit Suisse, Urs Rohner, demitiu o CEO Tidjane Thiam há cinco anos em meio a um escândalo de espionagem.
As preocupações com Freixe surgiram pela primeira vez em maio, por meio do sistema interno de denúncias da Nestlé e de uma carta encaminhada a Bulcke.
“As alegações sugeriam que o CEO mantinha um relacionamento amoroso com uma subordinada direta e demonstrava favoritismo indevido“, disse Anna Manz, diretora financeira da Nestlé, em discurso na Conferência Global de Produtos de Consumo Básicos do Barclays, em Boston, na quarta-feira (4).
Uma investigação interna supervisionada pelo conselho durou até o início do verão, mas não conseguiu comprovar as alegações. Freixe também fez uma declaração pessoal na ocasião, negando as alegações, disse Manz.
À medida que novas preocupações surgiram através do canal de denúncias e as dúvidas persistiam, o conselho iniciou uma segunda investigação por volta do início de agosto, supervisionada por Bulcke e Isla — atualmente diretor independente líder — juntamente com advogados externos do escritório de advocacia Bär & Karrer.
Essa segunda investigação confirmou as alegações, que Freixe, de 63 anos, continuou a negar até o fim, segundo a Nestlé. Ele foi demitido sem um pacote de saída.
Ações da Nestlé
As ações da Nestlé caíram até 3,6% no dia seguinte à saída do CEO, mas desde então recuperaram essas perdas. Elas caíram 14% nos últimos 12 meses e atingiram o menor nível desde dezembro de 2016.
Freixe confirmou à Bloomberg que seu telefone foi apreendido na segunda-feira, sem aviso prévio ou oportunidade de proteger suas ferramentas de comunicação. Ele não fez mais comentários.
Na quarta-feira, ele enviou uma publicação no LinkedIn para seu sucessor, Philipp Navratil, e para os 270.000 funcionários da Nestlé, desejando-lhes sorte. Stephanie Hart, diretora de operações da Nestlé, respondeu na plataforma, agradecendo Freixe e dizendo que foi um prazer trabalhar com ele ao longo dos anos.
Bulcke, de 70 anos, descreveu a demissão de Freixe como “uma decisão necessária”, em linha com os valores e a governança da Nestlé. O presidente não estava disponível para entrevista.
A especulação da mídia de que Bulcke tentou proteger Freixe durante a investigação inicial era falsa, disse um porta-voz da Nestlé.
“O presidente do conselho estaria em uma situação difícil, mas, de uma perspectiva externa, parece que a questão foi tratada em tempo hábil”, disse Ketan Patel, gestor de fundos da family office Whitefriars. “Independentemente disso, o presidente do conselho terá sua posição sob pressão.”
Bulcke supervisionou a seleção de Schneider e Freixe — uma responsabilidade fundamental como presidente do conselho — e agora está trabalhando com seu terceiro CEO.
Investidores tensos
Navratil, de 49 anos comandava a unidade Nespresso. Para uma empresa que teve apenas três CEOs entre 1981 e 2016, a recente mudança de liderança deixou os investidores preocupados.
Bulcke é uma figura constante na Nestlé desde 1979, tendo ocupado diversos cargos de gestão e sido CEO por quase nove anos antes de se tornar presidente do conselho em 2017.
As ações da Nestlé subiram cerca de 44% durante a gestão de Bulcke como CEO, mas caíram cerca de 1% desde que ele assumiu o cargo. Algumas das dificuldades recentes da Nestlé remontam às suas decisões estratégicas.
Como CEO, Bulcke foi fundamental na expansão da Nestlé para novas áreas, como a saúde da pele, seguida de perto pela iniciativa de Schneider de fortalecer a unidade de ciências da saúde com aquisições.
Essas aquisições acabaram se revelando distrações indesejadas, já que o principal negócio de alimentos da Nestlé perdeu participação de mercado durante a pandemia de Covid e o aumento histórico da inflação que se seguiu.
A maior empresa de alimentos do mundo foi multada pelo tratamento de suas águas minerais após reconhecer, no ano passado, o uso de carvão ativado e filtragem UV — ilegal na França para águas minerais supostamente naturais. Freixe havia separado a unidade de águas e afirmou estar buscando um parceiro externo para o negócio.
No entanto, é a saída de Freixe, sob suspeita, apenas um ano após assumir o cargo de CEO, que ameaça manchar a gestão de Bulcke.
“A perda de dois CEOs e um presidente do conselho em um ano é de proporções históricas para a Nestlé”, disse Ingo Speich, chefe de sustentabilidade e governança corporativa da Deka Investment. “A Nestlé precisa se concentrar na reestruturação urgentemente necessária. A pressão sobre o conselho para reverter a situação é alta.”
