A calmaria, no entanto, durou pouco.
A recente derrota eleitoral do presidente Javier Milei, que ameaça desestabilizar sua agenda liberal, provocou uma fuga em massa de capitais e uma disparada tão forte no câmbio que o governo dos Estados Unidos prometeu uma linha de apoio de US$ 20 bilhões para tentar estabilizar os mercados argentinos. Com juros em alta e o crédito secando, o Banco Nación cancelou a viagem a Nova York, segundo uma fonte próxima ao assunto. Outros bancos elevaram quase três vezes as taxas de hipoteca, para 15% acima da inflação, colocando em xeque um mercado que apenas começava a renascer.
“Essas taxas são um golpe mortal para o crédito imobiliário”, avaliou Juan Manuel Truffa, economista da consultoria Outlier, antes do anúncio da ajuda americana.
A turbulência mostrou como a recuperação argentina segue frágil. Em menos de dois anos no poder, Milei conseguiu derrubar a inflação de três dígitos para cerca de 34% ao cortar gastos, demitir funcionários públicos e desregulamentar setores da economia. Mas sua popularidade vem caindo, desgastada por cortes em saúde e educação e por um escândalo de corrupção que atinge seu círculo próximo.
A derrota de seu partido nas eleições locais da província de Buenos Aires no início do mês intensificou a desconfiança. Investidores globais começaram a retirar recursos prevendo novos reveses nas legislativas nacionais de outubro. O movimento derrubou ações, títulos e o peso até que o Tesouro dos EUA interveio para evitar uma crise em um aliado ideológico em plena campanha eleitoral.
Mesmo após a trégua nos mercados, os custos de crédito dispararam. A taxa de empréstimos overnight entre bancos saltou para 80%, enquanto os juros de linhas corporativas de curto prazo ultrapassaram 100%. No setor imobiliário, o Banco Ciudad já havia suspendido novas concessões, e outras instituições apertaram critérios e elevaram fortemente as taxas.
O impacto chega às famílias. Florencia, psicóloga escolar de 33 anos, e o marido haviam conseguido aprovação em agosto para um financiamento de US$ 85 mil, a ser pago em 30 anos, pela compra de um pequeno apartamento ao sul de Buenos Aires. Dias antes do resultado eleitoral, no entanto, o banco cancelou a operação, alegando que a nota de crédito do casal não era mais suficiente. “Foi devastador. Era um projeto de vida, depois de tantas tentativas frustradas”, disse Florencia, que pediu anonimato por receio de prejudicar futuras negociações.
O Banco Nación, responsável por metade das hipotecas do país, ainda não alterou formalmente suas taxas, mas quase dobrou a exigência de pontuação de crédito, segundo fontes. Além disso, engavetou a emissão de bônus que sustentaria sua expansão no setor. O presidente da instituição, Daniel Tillard, nega o endurecimento e minimiza o impacto: “Acreditamos que as fricções são resultado do período eleitoral. Deve se normalizar.”
O recuo no crédito mina um dos primeiros avanços conquistados pelo governo Milei. Quando ele tomou posse, o financiamento imobiliário praticamente não existia no país: a instabilidade política e a inflação crônica tornavam inviáveis contratos de longo prazo, e compradores evitavam os empréstimos porque as parcelas são atreladas à inflação. A maioria das transações era feita em dólares em espécie, tradicional porto seguro da poupança dos argentinos.
Com a queda da inflação, o mercado começou a se recompor. Em 2023, os bancos concederam apenas US$ 40 milhões em hipotecas. No ano seguinte, o volume saltou para US$ 1,3 bilhão. Até agosto de 2025, já somava US$ 2,5 bilhões.
Mas os obstáculos voltaram a se impor. As medidas de Milei para enxugar a oferta de pesos, fortalecendo a moeda, apertaram o crédito. E a contínua desvalorização do peso encareceu imóveis cotados em dólares. “Era inevitável”, disse Federico Gonzalez Rouco, economista da Empiria. “No melhor cenário, esse choque dura alguns meses.”
Alguns conseguiram escapar. Juan Pablo Rotger, 29 anos, comprou no fim do ano passado, junto com a esposa, um apartamento de US$ 200 mil em Buenos Aires graças a um financiamento do Santander com juros de 5,5% mais correção pela inflação. “Entramos na hora certa”, contou. “É uma pena que tenha durado tão pouco.”