Nas mãos da Reag, a GetNinjas encolheu a uma fração do que foi. O capital social da plataforma — o valor que representa o tamanho econômico de uma empresa perante seus sócios — despencou de R$ 395 milhões, no auge do IPO em 2021, para apenas R$ 6,6 milhões, segundo documentos societários obtidos pelo InvestNews.
Houve cortes de pessoal e promessas de uma GetNinjas que iria “pensar fora da caixa”, fazer aquisições para expandir o portfólio B2B e lançar um produto de cashback — planos que nunca saíram do papel.
“Parece óbvio, mas eles [fundadores] não fizeram nada disso”, disse Mansur, em setembro de 2023, quando se tornou o maior acionista da companhia. Dois anos depois, nem a nova gestão o fez – confirmando as críticas de ex-sócios de que o único interesse da Reag no negócio era fazer o IPO reverso, e não de investir no negócio.
A plataforma — que conecta milhares de clientes a pintores, eletricistas, diaristas e outros trabalhadores autônomos — segue no ar, mas com operação bem mais enxuta. Além da redução do capital social a uma fração do valor original, a empresa enfrenta fuga de talentos e esvaziamento interno, segundo uma pessoa próxima à companhia.

Relatos recentes no Glassdoor, site de avaliações de funcionários, apontam mudança drástica na cultura organizacional: antigos valores foram abandonados, profissionais seniores deixaram a empresa e o ambiente é descrito por ex-colaboradores como “sem direção”.
A perda de mão de obra qualificada — desenvolvedores, engenheiros e data scientists — é especialmente crítica em um negócio de tecnologia. Sem essa base técnica, a capacidade de evolução da plataforma se reduz, e o risco é que o site continue apenas “funcionando” — mas sem inovação, avalia uma pessoa que conhece o dia a dia da empresa.
À venda?
Pessoas próximas ao negócio acreditam que a GetNinjas pode entrar em breve na lista de ativos à venda da Reag, em meio à reorganização societária e ao desmonte que a gestora vem promovendo após a Operação Carbono Oculto — investigação da Polícia Federal sobre um esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio do mercado financeiro e de gestoras de recursos. A Reag nega participação em qualquer irregularidade.
Deflagrada em agosto, a operação atingiu em cheio a gestora e provocou uma corrida contra o tempo dentro da casa. Pressionado pelo avanço das investigações e pela fuga de investidores, João Carlos Mansur vendeu às pressas sua participação e deixou o comando da companhia.
Em questão de dias, ele e os principais sócios negociaram 87% da Reag Investimentos com a Arandu — grupo formado por executivos internos, entre eles Dario Tanure, Felipe Oppenheimer e Rubens Zogbi Filho — por cerca de R$ 100 milhões.
Desde então, o grupo tenta se desfazer de ativos e reconstruir a reputação. A Reag também anunciou a venda da Ciabrasf (para a Planner/B100) e da Empírica Holding, adquirida há apenas um ano (para a Smart Hub Participações), num movimento de enxugar operações, levantar recursos e estancar uma potencial sangria.
Procurada pelo InvestNews, a Reag se limitou a dizer que “a operação GetNinjas segue normalmente e que a Reag Investimentos, atual Arandu, é que detém o ativo GetNinjas”.
Ascensão
A disputa pelo controle da GetNinjas deu projeção a João Carlos Mansur, até então um nome pouco conhecido entre seus pares na Faria Lima. Em pouco mais de uma década, ele construiu a maior gestora independente do país — ou seja, sem vínculo com bancos ou grandes instituições financeiras —, com quase R$ 300 bilhões sob gestão.
Fundada como Real Estate Administração e Gestão, a Reag cresceu por meio da compra de concorrentes e expandiu sua atuação para gestão de fortunas e private equity. Com uma expansão tão robusta, o passo seguinte para Mansur era natural: levar a gestora à Bolsa de Valores.

Mas o cenário jogava contra. Desde 2021, o mercado de IPOs estava travado, e novas ofertas enfrentavam exigências de governança e custos de estruturação elevados. Foi aí que a GetNinjas apareceu como o atalho perfeito.
A plataforma de serviços, listada no Novo Mercado desde 2021 numa janela favorável para as empresas de tecnologia, em um IPO que arrecadou R$ 482 milhões, estava valendo na Bolsa menos do que o dinheiro que tinha em caixa — quase R$ 300 milhões na época.
Sem dívidas, com base acionária pulverizada e prejuízo fiscal acumulado (um bônus contábil para quem assumisse o controle), era a casca ideal para um “IPO reverso”: um processo em que uma empresa já listada absorve os ativos de outra, permitindo o acesso ao mercado sem o rito tradicional de uma oferta pública.
O estopim para o avanço da Reag veio em setembro de 2023, quando o fundador da GetNinjas, Eduardo L’Hotellier, propôs devolver R$ 223 milhões aos acionistas — quase todo o caixa acumulado desde o IPO.
A medida tinha o objetivo de adequar o capital da GetNinjas a um ritmo de crescimento mais lento, mas foi interpretada pela Reag como uma oportunidade rara. A gestora, que vinha montando posição silenciosamente, aproveitou o momento para aumentar sua fatia e contestar a proposta. Questionada pela companhia, a Reag informou inicialmente que suas aquisições de ações não tinham como objetivo influenciar a administração nem assumir o controle.
Pouco mais de uma semana depois, porém, a GetNinjas recebeu uma nova correspondência: a Reag informava que sua participação havia subido para 24,38% e que passava a buscar influência direta sobre a gestão. Na carta, a gestora dizia querer apresentar ao conselho e aos demais acionistas sua visão sobre os negócios e propor eventuais oportunidades de aquisição.
O embate foi imediato. Enquanto o fundador defendia a devolução do caixa aos acionistas, a Reag argumentava que “descapitalizar a empresa seria destruir valor”. Na assembleia realizada em outubro de 2023, a proposta de L’Hotellier foi rejeitada por maioria simples — uma vitória pública da Reag e de aliados como a gestora Arc Capital, gestora de Sergio Machado.
Nas semanas seguintes, a gestora elevou sua participação para 25,004%, cruzando o limite da poison pill previsto no estatuto e obrigando-se a lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) para os outros acionistas. A operação foi realizada com sucesso pouco tempo depois. A Reag assumiu o comando da companhia e substituiu o fundador no conselho. Para o seu lugar nomeou o executivo Leonardo Meneses, ex-Alvarez & Marsal, como novo CEO.
L’Hotellier resistiu alguns meses, mas acabou aderindo à OPA em janeiro de 2024, vendendo sua fatia de 24,5% a R$ 5,00 por ação. Com isso, encerrou um ciclo de mais de uma década à frente da empresa. A Reag gastou cerca de R$ 85 milhões na operações e foi a primeira OPA da história da B3 acionada automaticamente pelo mecanismo de poison pill — um caso que ganhou atenção no mercado.

Com a conclusão da oferta, a Reag passou a deter 66% da GetNinjas, consolidando o controle e abrindo caminho para o que viria a seguir: o IPO reverso, formalizado em janeiro de 2025, que transformou a GetNinjas na Reag Investimentos S.A. — a casca que levou o império de João Carlos Mansur à Bolsa e abriu espaço para a cisão de novos negócios listados, como a Ciabrasf e a Revee.
Dificuldades
Antes do estopim da crise, problemas da gestão da GetNInjas pela Reag já vinham surgindo. A empresa não publica suas demonstrações financeiras desde o terceiro trimestre de 2024 — ainda antes do IPO reverso que transformou a GetNinjas em Reag Investimentos S.A., formalizado em janeiro de 2025 —, tanto da antiga operação quanto da nova estrutura listada.
O apagão de informações levou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abrir um novo processo sancionador contra a gestora no mês passado. A executiva Fabiana Franco, então diretora financeira, foi citada por não elaborar as demonstrações anuais de 2024 nem os formulários trimestrais do primeiro e segundo trimestres de 2025.
Ela renunciou ao cargo em 7 de setembro, no mesmo dia em que João Carlos Mansur deixou o conselho de administração, encerrando formalmente sua ligação com a companhia. Fabiana segue como diretora financeira da atual GetNinjas.
No último balanço divulgado, a GetNinjas registrou receita líquida de R$ 14 milhões no terceiro trimestre de 2024, queda de 11% em relação a igual período de 2023. O lucro líquido foi de R$ 3,8 milhões, recuo de 10% no mesmo comparativo.
Paralelamente, prossegue outro processo administrativo na CVM, aberto para apurar supostas irregularidades na aquisição de participação relevante na GetNinjas em 2023.
Segundo parecer técnico do regulador, a Reag aumentou sua fatia de 5,07% para 24,38% em apenas 11 dias, mas só admitiu a intenção de influenciar a administração na terceira comunicação oficial, descumprindo as regras de transparência previstas pela autarquia.
A diretoria executiva da GetNinjas também passou por mudanças recentes. Em julho, Bernardo de Barros Franco, contratado para atuar como co-CEO da companhia, renunciou ao cargo, devolvendo o comando integralmente ao executivo Leonardo Meneses.
*Reportagem atualizada às 10h25 para correção de informação sobre a saída de Bernardo de Barros Franco do comando da GetNinjas. Franco saiu da companhia em julho, antes da operação Carbono Oculto, e não em setembro, conforme informado anteriormente