Fundada em 1962, a Eletrobras carregou por muito tempo o peso de ser uma das propulsoras da economia brasileira. Chegou a construir cidades inteiras para acompanhar seu portfólio de usinas hidrelétricas, uma distorção típica das estatais. Mas desde sua privatização, finalizada em 2022, a empresa está deixando o peso do Estado para trás e colocando foco nos ativos, de fato, de maior rentabilidade.

Com a venda da usina termelétrica Santa Cruz, concluída no último dia 10, para o grupo J&F, a Eletrobras pode dizer agora que é uma companhia 100% de energia de fontes renováveis, avançando em seu compromisso de zerar as emissões de gases causadores do efeito estufa em 2030. Ao todo, a empresa amealhou R$ 3,6 bilhões com o desinvestimento de 13 usinas termelétricas – há ainda a possibilidade de receber até R$ 1,2 bilhão condicionados a metas estabelecidas no contrato.

Fora isso, o mercado viu com bons olhos a saída da Eletronuclear, um ativo compartilhado com o Estado, que demanda bilhões em aportes e tem retorno ainda incerto. O negócio de R$ 535 milhões foi anunciado na última quarta-feira, dia 15, pela Âmbar Energia, da J&F, que assumirá garantias e obrigações deixadas pela Eletrobras, incluindo debêntures avaliadas em R$ 2,4 bilhões.

A nova Eletrobras que começa a ganhar forma será fomentadora de novas fontes de energia. Além de avançar nos leilões de transmissão – algo que já tem sido feito –, a ideia da empresa é ampliar sua capacidade de geração a partir das hidrelétricas já existentes, participar dos leilões de baterias e desenvolver sua presença com complexos eólicos e solares. Projetos ligados a data centers e hidrogênio verde também estão no radar.

O primeiro passo da empresa, segundo apurou o InvestNews, será usar os recursos levantados com as vendas recentes para ser mais ativa em leilões de transmissão de energia. Recentemente, a Eletrobras anunciou um investimento de R$ 6,7 bilhões em expansão de linhas de transmissão até 2027, com a construção de 19 novas linhas e sete subestações, localizadas principalmente no Nordeste e em Minas Gerais.

A Eletrobras também vislumbra ser ativa em leilões para ampliação da capacidade de hidrelétricas. Hoje, a companhia tem uma geração em hidro avaliada em aproximadamente 44 gigawatts (GW). A capacidade de expansão desses ativos seria, por sua vez, de cerca de 6 GW, segundo fontes com conhecimento da operação.

No cronograma de projetos, está prevista a implementação de usinas hidrelétricas reversíveis, que funcionam como baterias gigantes, usando a energia excedente para bombear água para um reservatório superior, e depois liberando-a para gerar eletricidade em momentos de alta demanda. Elas são vistas como essenciais para dar estabilidade à rede elétrica e evitar o curtailment (o corte forçado em momento de excesso de geração de energia em relação à demanda de consumo). Essa é uma aposta de médio a longo prazo.

Mas a grande guinada em relação à velha Eletrobras será o investimento mais assertivo em fontes solares e eólicas. A companhia inaugurou, em julho deste ano, o Parque Eólico Coxilha Negra, em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. A unidade demandou um aporte de R$ 2,4 bilhões e tem capacidade para gerar 302,4 megawatts (MW), o que atenderia a cerca de 1,5 milhão de pessoas. Outra atuação incipiente – mas promissora na avaliação da companhia –, é a chamada energia solar flutuante, que utiliza placas instaladas em reservatórios hidrelétricos, idealmente próximas ao centro de carga. A empresa avalia internamente que a geração eólica e solar fazem parte de uma realidade “sem volta”.

Em seu projeto de ampliação da atuação, a Eletrobras concluiu, em abril, a compra de 51% da telecom Eletronet. A ideia, com a nova frente, é integrar sua infraestrutura de energia com a de fibra óptica da Eletronet, buscando sinergias comerciais para oferecer novos serviços, como data centers e inteligência artificial. A Eletronet possui mais de 17 mil km de rede de fibra óptica integrada às linhas de transmissão de energia da Eletrobras.

O outro lado

Embora a agenda de desinvestimentos da empresa tenha sido bem recebida pelo mercado, analistas veem alguns riscos na estratégia de priorizar os aportes em energias renováveis em detrimento de energias firmes – aquelas que não estão sujeitas a oscilações, como é o caso das termelétricas. Um deles, na visão de uma fonte próxima à companhia, seria comprometer sua geração de caixa recorrente com a venda das termelétricas.

Isso, justamente num momento em que a companhia está prestes a perder os repasses da chamada RBSE, sigla para Rede Básica do Sistema Elétrico, indenização financeira paga a transmissoras de energia elétrica por investimentos não depreciados em concessões antigas renovadas em 2013, algo que se esgotará em 2028. Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reduziu em R$ 5,6 bilhões o montante a ser pago em indenizações a transmissoras por meio de uma nova metodologia. O cálculo alterou os repasses para os próximos três anos, prejudicando sobretudo a Eletrobras, com perdas acima de R$ 4 bilhões.

A empresa, que registrou um Ebitda de R$ 26,2 bilhões em 2024, admite, nos bastidores, que haverá alguma perda futura com os desinvestimentos e, sobretudo, em relação ao fim da RBSE. Mas crê que o dano ao caixa da companhia será mitigado conforme os novos projetos entrarem em vigor.

O fim da aposta em nuclear

O InvestNews apurou que representantes do alto escalão da companhia fizeram rodadas em países como China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Canadá e na Europa em busca de possíveis compradoras para a sua fatia na Eletronuclear. No fim, o ativo ficou com a J&F, de Joesley Batista. A venda foi bem recebida pelos investidores porque encerra um capítulo de incerteza que pesava sobre a companhia e faz com que o valuation – a avaliação de preços da ação, no jargão do mercado – melhore, com espaço para mais valorização do papel.

Na avaliação de David Zylbersztajn, professor do Instituto de Energia da PUC Rio e ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a empresa “se liberou de um projeto historicamente confuso, carregado de problemas e incertezas”. Ele também entende que a conclusão de Angra 3 dificilmente ficará dentro dos valores orçados – estima-se que a Eletrobras teria que aportar mais de R$ 20 bilhões para finalizar a obra –, além de poder ter entraves por órgãos ambientais. “Se você pegar a história do setor elétrico, principalmente onde uma estatal está envolvida, nunca um projeto terminou em valores próximos do que foi orçado.”

A venda é um dos mais relevantes passos da reestruturação da elétrica após a privatização porque mantém a empresa mais focada em geração e comercialização de energia em um ambiente de preços mais altos nos próximos anos. De olho nisso, o Bank of America (BofA) recomenda a compra dos papéis e vê um potencial de alta de 31% em relação aos preços na bolsa de valores – e a empresa é o nome favorito no setor de energia na América Latina.

Apesar dos riscos envolvendo o fim dos repasses da RBSE, analistas e gestores acreditam que a empresa tem conseguido dar maior previsibilidade de caixa a partir de novas receitas que entram no lugar. É que a Eletrobras vem investindo em transmissão para modernizar e ampliar sua rede já existente, um caminho mais barato e com menos risco.

A taxa interna de retorno, um dos pontos mais observados no setor de energia, também joga a favor da Eletrobras. Essa taxa é, em linhas gerais, uma medida de rentabilidade média anual de um investimento e mostra se a empresa está “criando valor” para o acionista. Em outras palavras: a taxa mede qual o retorno a companhia entrega acima do capital investido – quanto maior, melhor, portanto. No caso da elétrica, cálculos do Itaú BBA apontam para uma taxa interna de retorno de 13,2%, entre os maiores do setor de energia; a Engie, por exemplo, tem uma TIR de 8%.

A empresa também oferece, segundo profissionais de mercado, um bom momento para quem quer ganhar com dividendos, agora que a empresa tem a chance de anunciar até mesmo pagamentos extraordinários. O investidor pode chegar a ter um rendimento com dividendos (dividend yield) de 6,9% ao ano nos próximos cinco anos. E, se a energia ficar mais cara do que o previsto, o retorno total pode chegar a 15,8%.

(Colaborou: Juliana Machado)