Para as empresas ocidentais na China, uma nova realidade se impôs: o dinheiro fácil acabou e a competição nunca foi tão acirrada.

Com o crescimento econômico chinês desacelerando nos últimos anos, os consumidores passaram a ser mais seletivos nos gastos. Ao mesmo tempo, o avanço de rivais locais poderosos lotou o mercado e intensificou uma guerra brutal de preços, pressionando as margens.

As marcas internacionais estão ficando mais realistas. Suas estratégias variam conforme a empresa e o setor, mas incluem adaptar produtos ao gosto chinês, desenvolver novidades em ritmo acelerado, mudar a abordagem de marketing e reduzir preços.

Muitas companhias não podem se dar ao luxo de ignorar um país de 1,4 bilhão de habitantes, o segundo maior mercado consumidor do mundo. E mesmo que as vendas na China sigam fracas, algumas começam a enxergar o país como um laboratório essencial de inovação.

Olivia Plotnick, fundadora da agência de marketing Wai Social, em Xangai, disse que costumava receber muitas consultas de empresas americanas interessadas em entrar na China. Desde a pandemia, estima que esse volume tenha caído cerca de 75%. Hoje, seus clientes são principalmente marcas estrangeiras que já estão no país, mas perceberam que precisam reformular suas estratégias.

“Está ficando muito mais complicado para as marcas estrangeiras”, afirmou.

Negócio arriscado

Durante anos, com a economia chinesa crescendo rapidamente e milhões de pessoas subindo para as classes média e alta, o país foi uma mina de ouro para empresas como LVMH, Starbucks, Nike, Apple e Tesla — que enfrentavam pouca concorrência local.

Agora, porém, rivais chineses ultrapassaram marcas ocidentais em muitos setores. A Starbucks anunciou recentemente a venda da maior parte de sua operação chinesa para a gestora local Boyu Capital. A companhia americana perdeu terreno para rivais mais baratos, como a Luckin Coffee, que em 2023 superou a Starbucks como a maior rede de café do país em vendas e número de lojas.

Em pesquisa recente da Câmara Americana de Comércio em Xangai, 63% dos entrevistados citaram a concorrência local como principal desafio. Rivais domésticos são mais rápidos para lançar produtos, apontaram as empresas.

Ganhar dinheiro na China ficou mais difícil à medida que o impulso econômico enfraqueceu. Depois do colapso do mercado imobiliário, iniciado por volta de 2020, a confiança do consumidor caiu: as famílias guardam mais dinheiro e gastam menos. Isso levou muitas empresas a apostar em cortes de preços para atrair compradores.

Outro obstáculo: tensões crescentes entre EUA e China fizeram sedes corporativas adotarem maior cautela em decisões relacionadas ao país, o que desacelera operações.

“Na China, o sucesso depende da velocidade com que você vira o volante. Mas, para muitas multinacionais, o volante está nos EUA, onde o instinto é pisar no freio, não no acelerador”, disse Han Lin, diretor da consultoria Asia Group na China.

Academia de ginástica

A competição mais feroz talvez esteja no setor automotivo, onde guerras de preço varreram o mercado e marcas chinesas ganharam participação de estrangeiras.

A Volkswagen já foi a montadora número 1 na China, mas a chinesa BYD tomou a liderança em 2023. As entregas da Volkswagen no país caíram 7% no último trimestre, em mais um resultado fraco.

A Volkswagen comparou a China a uma “academia de ginástica” para o grupo. A empresa está dobrando sua estratégia “na China, para a China”, desenvolvendo e fabricando mais produtos localmente. Na feira de importação de Xangai, a companhia anunciou que desenvolve seu próprio chip para recursos avançados de assistência ao motorista e direção autônoma, em parceria com uma empresa chinesa.

A montadora também exibiu novos modelos mais baratos, desenvolvidos cerca de 30% mais rápido do que anteriormente, em uma tentativa de recuperar mercado. Um deles é o totalmente elétrico Audi E5 Sportback, com recursos avançados de assistência, desenvolvido em dois anos e com preço inicial de cerca de US$ 33 mil — mais barato que o Audi A5L a gasolina, que começa em US$ 36 mil.

“Estamos investindo fortemente em capacidade de engenharia, especialmente aqui na China, porque o país é o centro mais inovador da indústria automotiva”, disse Oliver Blume, CEO da Volkswagen.

Para muitas estrangeiras, operar na China é estar perto da ação — e das cadeias de suprimentos.

“Há uma urgência entre as montadoras estrangeiras para descobrir como competir com as chinesas globalmente”, afirmou Guo Shan, sócia da consultoria Hutong Research. “E a resposta, por enquanto, é que elas precisam estar na China para ficar perto da inovação.”

“Se você não competir com elas na China, vai ter de competir fora dela, inevitavelmente”, disse.

Ajustando o manual

Gabrielle Saint-Genis, CEO da Guerlain, marca francesa do grupo LVMH, afirmou que, depois de décadas de “hipercrescimento” no país, a empresa agora enfrenta concorrência forte de rivais locais.

“Os tempos mudaram”, disse ela sobre o mercado chinês. “O consumidor está mais exigente… A qualidade precisa justificar o preço.”

A Guerlain lançará no próximo ano um batom de cerca de US$ 56 — um item de luxo mais acessível para atrair consumidores jovens. Hoje, a marca vende batons por até US$ 94 na plataforma Tmall. A empresa também trabalha com artistas chineses e plataformas locais de redes sociais para promover produtos de maneira mais adaptada ao público.

A sueca IKEA prometeu reduzir preços de mais de 150 produtos mais vendidos e investir mais de US$ 22 milhões no mercado chinês. Também planeja lançar mais de 1.600 novos produtos voltados ao consumidor local.

“Hoje, estamos olhando para o mercado chinês principalmente como um campo de testes de inovação”, disse Ivy Zhang, representante da IKEA China.

A Procter & Gamble relatou “progresso muito forte” no país após ajustar a estratégia para focar em produtos inovadores destinados ao consumidor chinês. Na feira de importação, exibiu um novo creme dental clareador desenvolvido no centro de pesquisa da marca Crest em Pequim.

Amy Alt, presidente de oral care da P&G China, disse que a empresa aposta em embalagens atraentes, marketing chamativo nas redes sociais chinesas e produtos com boa relação custo-benefício para se destacar.

“É um mercado competitivo”, afirmou Alt. “Mas a competição torna todo mundo melhor.”

Pontos fora da curva

Algumas empresas estão conseguindo se sair bem. A varejista americana Ralph Lauren teve crescimento superior a 30% nas vendas na China no último trimestre. A Estée Lauder registrou alta de cerca de 9% na receita na China continental nos três meses até setembro. E a Domino’s Pizza, segundo o CEO Russell Weiner, está “indo muito bem” no país.

A China é o segmento geográfico que mais cresce para o conglomerado americano 3M. O CEO Bill Brown afirmou, em teleconferência de resultados, que a empresa lançou recentemente um novo produto no país em apenas 10 meses — um ritmo mais alinhado ao dos fabricantes chineses que compram seus produtos.

“Estamos vendo muito mais agilidade, muito mais velocidade”, disse Brown.

Escreva para Hannah Miao em hannah.miao@wsj.com

Traduzido do inglês por InvestNews