Em 22 de outubro, menos de um mês antes de o Master ser liquidado pelo Banco Central, o Dia fechou um acordo com o Letsbank para reaver os R$ 163,3 milhões investidos, prevendo o pagamento de R$ 20 milhões à vista, além de R$ 50 milhões a serem pagos ao longo de 2026, em dez parcelas mensais de R$ 5 milhões a partir de fevereiro, corrigidas por 109% do CDI. Para quitar o restante, o Letsbank cedeu um precatório com valor de face de R$ 116 milhões.
Com a liquidação extrajudicial do Master, decretada em 18 de novembro, o pagamento destas parcelas agora é incerto. O acordo passa agora pelo crivo do liquidante nomeado pelo BC. A tendência é que nenhuma dívida seja quitada até a liquidação dos ativos do banco. À administradora judicial, a diretoria do Dia disse “aguardar o relatório do liquidante nomeado pelo Banco Central com a relação dos credores e devedores da instituição, para eventuais providências”.
Procurado pelo InvestNews, o Dia afirma que está cumprindo “100% das obrigações previstas no processo de Recuperação Judicial, não alterando a condução das operações, o abastecimento das lojas ou qualquer relação com parceiros, fornecedores e clientes”.
De acordo com o relatório mais recente da administração judicial do grupo, a diretoria do Dia registrou em seu balanço uma receita financeira de R$ 23,3 milhões considerando o resgate da aplicação (R$ 163,3 milhões), frente ao valor recebido (R$ 20 milhões), o valor a receber (R$ 50 milhões) e o valor de face dos precatórios cedidos (R$ 116,6 milhões).
Precatório
Os R$ 93,3 milhões restantes foram quitados por meio da cessão de um precatório federal com valor de face de R$ 116 milhões. Embora o número seja elevado no papel, esse tipo de ativo não representa caixa disponível e tampouco tem liquidez capaz de reforçar rapidamente o capital de giro do Dia.
Precatórios, que são dívidas judiciais reconhecidas pelo poder público, não são títulos de pagamento imediato: dependem de fila orçamentária, decisões judiciais e disponibilidade fiscal da União. Não há qualquer previsão de recebimento.
Caso o Dia precise converter esse papel em dinheiro no curto prazo, terá de recorrer ao mercado secundário, onde precatórios costumam ser negociados com deságios entre 30% e 60% do valor de face.
A administradora judicial alerta que o título deve passar por teste de recuperabilidade (“impairment”), já que o valor real recuperável “pode ser significativamente inferior” ao registrado no acordo.
Não há clareza total sobre o precatório cedido, porque parte do acordo de confissão de dívida firmada entre o Letsbank e o Dia foi entregue à Justiça sob sigilo. O Dia alega que informações bancárias são protegidas por sigilo bancário.
“Ainda que não haja nenhuma cláusula de confidencialidade na confissão de dívida levada aos autos pelas recuperandas, o documento foi juntado sob sigilo, que por ora está mantido, inviabilizando assim a divulgação da nossa análise acerca de informações relevantes que constam do acordo”, escreveu a administradora judicial, a Expertise Mais.
Queima de caixa continua
Segundo o relatório do administrador judicial, a liquidez do Dia já vinha se deteriorando antes mesmo do problema provocado pela liquidação do Banco Master. De acordo com o relatório, o Dia agora opera sob “risco relevante”.
A adminsitradora judicial também mostra que o desempenho operacional do Dia segue frágil, adicionando pressão ao caixa.
Em outubro, a companhia consumiu R$ 42 milhões, sendo boa parte disso para o pagamento de credores e investimentos na empresa. Hoje, a rede opera com 240 lojas, menos da metade das cerca de 500 unidades que mantinha antes da RJ, e receita mensal chegou a R$ 159,3 milhões em outubro.
A liquidez apertada do Dia ocorre pouco mais de um ano e meio após o início da recuperação judicial, decretada em março de 2024, quando a rede acumulava mais de R$ 1 bilhão em dívidas e vinha perdendo competitividade após sucessivas mudanças de gestão.
Dois meses depois, a controladora espanhola – pressionada por um plano global de enxugamento – decidiu vender a operação brasileira por 100 euros a um fundo gerido pela Trustee e investido pelo empresário Nelson Tanure, em uma operação classificada no mercado como “venda com valor negativo”. Para viabilizar a transação, a antiga dona aportou 40 milhões de euros no caixa do Dia antes de vendê-lo.
Como mostrou recentemente o InvestNews, a expectativa é que a injeção de caixa ajudasse a companhia a ter liquidez para recompor estoques e ter fôlego para renegociar dívidas, mas a queima de caixa segue sendo um ponto de atenção, com a companhia mais dependente da conversão de créditos tributários para manter sua estrutura de capital.
Outras empresas
A situação do Dia espelha o que ocorreu com outras empresas que tinham aplicações no Master. A Oncoclínicas, por exemplo, também possuía CDBs do conglomerado e chegou a renegociar o recebimento dos valores. Com a liquidação do banco, porém, a companhia executou garantias e assumiu as ações que Daniel Vorcaro – controlador do Master – detinha na operadora de saúde.
Já a Emae, vendida recentemente para a Sabesp após o grupo formado por Tanure e o controlador da Ambipar, Tércio Borlenghi Júnior, enfrentarem dificuldades para honrar a aquisição da companhia, mantinha cerca de R$ 140 milhões aplicados em títulos do Letsbank – igualmente sem previsão de recuperação após a liquidação.
Nos três casos, vale lembrar, a proteção do Fundo Garantidor de Créditos é limitada: o FGC cobre até R$ 250 mil por CNPJ, independentemente do tamanho do prejuízo ou do valor total aplicado. Para empresas com posições multimilionárias, esse mecanismo é praticamente irrelevante para recompor o caixa.