Michael Rihani já tinha montado sua primeira startup nos Estados Unidos quando Satoshi Nakamoto lançou o bitcoin, em 2008. Depois, acompanhou a transformação do mercado de criptomoedas a partir de gigantes de tecnologia como Apple, Tesla e Coinbase.
“Quando vejo a evolução do mercado, às vezes tenho que me beliscar”, diz Rihani, que chegou ao Nubank em setembro para dirigir a área de cripto. “Saímos de fóruns de internet e de ataques hackers para um universo que movimenta trilhões de dólares, com empresas listadas na bolsa, países usando bitcoin em suas reservas e ETFs [fundos de índices] que atraem bilhões”.
Segundo ele, essa é uma mudança estrutural no mundo – que no Brasil, em particular, é consolidada por avanços regulatórios que aprofundam a confiança no setor. Por isso, o preço do dia, sozinho, não é mais suficiente para avaliar o mercado.
“Quando você junta adoção em massa com regras claras, o resultado é mais confiança e um mercado muito mais maduro”, avalia o executivo. “Não dá para negar que Wall Street está comprando cripto todo santo dia. As instituições se perguntam se bitcoin não é só ouro digital, se é também infraestrutura financeira. Estamos mudando do foco no preço para o foco da permanência”.
Segundo Rihani, “é difícil ignorar o ativo de melhor desempenho da última década, esse mercado está aqui para ficar”.
Adoção em massa de cripto é caminho sem volta
Rihani destaca que a criptoeconomia deixou de ser um nicho. Hoje, grandes companhias de tecnologia e pagamentos usam cripto em seus produtos, governos adotam reservas em bitcoin e investidores institucionais movimentam volumes que, pouco tempo atrás, pareciam impossíveis. Para o executivo, a indústria cresceu mais rápido do que o imaginado.
“Quando trabalhava no Apple Pay, eu comemorava quando um prefeito de uma cidade pequena falava sobre bitcoin no Twitter. Agora temos o presidente dos EUA implementando uma reserva estratégica em bitcoin”, brinca.
Em março de 2025, Donald Trump assinou uma ordem executiva que estabeleceu a Reserva Estratégica de Bitcoin e o Estoque de Ativos Digitais dos EUA, que serão compostos por criptoativos apreendidos por autoridades em ações criminais.
Ele também cita avanços técnicos que tornaram o uso cotidiano mais viável. É o caso da Lightning Network (uma segunda camada sobre a blockchain do bitcoin), que permite transações mais rápidas e baratas com a criptomoeda, e novas soluções que simplificam o uso de carteiras digitais. O resultado é um mercado mais intuitivo para as pessoas em geral.
Ainda assim, falta conhecimento. “A maioria das pessoas já ouviu falar de bitcoin, mas poucas entendem por que ele é importante ou como funciona a segurança. Parte disso vem do fato de que dinheiro é um tema estressante para quase todo mundo”, diz.
Brasil tem terreno fértil para criptoeconomia
Nos mercados emergentes, diz o executivo, a tecnologia das criptomoedas se torna mais relevante por conta das moedas em desvalorização, da inflação e do acesso limitado a serviços financeiros. O Brasil, no entanto, tem um caso especial, avalia.
Rihani acredita que a força do Brasil em pagamentos digitais, impulsionada pelo Pix, torna o país um dos mais preparados para a próxima fase da criptoeconomia. “As pessoas estão acostumadas a enviar dinheiro na hora, com QR codes e transferências instantâneas. Cripto é um passo natural nesse caminho”, explica.
Regulação do Brasil tem regras claras e unificadas
No Brasil, em novembro, o Banco Central aprovou as normas que definem como as empresas de cripto devem operar a partir de 2026.
A regulação envolve autorização prévia, separação obrigatória entre os ativos dos clientes e os da empresa, auditorias recorrentes, regras claras de governança, controles de risco e mais transparência sobre reservas e liquidez. Na prática, isso reduz riscos que marcaram o passado do setor.
Para Rihani, o Brasil criou um padrão difícil de encontrar lá fora. “Agora, temos um único conjunto de regras e um único órgão supervisor. É o oposto do que acontece nos Estados Unidos, onde há sobreposição de autoridades e regras diferentes para situações parecidas”.
O executivo destaca três pontos:
1. Segregação de ativos
O dinheiro do cliente fica legalmente separado do dinheiro da exchange – ou corretora de criptoativos. Se a companhia tiver problemas, os recursos não podem ser usados para pagar dívidas.
“Isso evita cenários como o da FTX, um símbolo global do que não podia acontecer”, diz Rihani. A FTX usou recursos dos clientes para cobrir perdas próprias e gerou um rombo bilionário em 2022. O caso levou à prisão seu fundador, Sam Bankman-Fried, condenado por fraude.
2. Auditorias e provas de reserva
Sob a nova regulação, as empresas de serviços de cripto deverão prestar contas ao Banco Central, por meio de auditorias periódicas que demonstrem segregação de ativos e comprovem que mantêm reservas suficientes para cobrir todos os recursos de seus clientes. “É bom para a transparência e para garantir liquidez”, diz Rihani.
3. Supervisão contínua
Com o Banco Central como único no comando, há fiscalização parecida com a aplicada a instituições financeiras tradicionais.
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Nos EUA, a supervisão é fragmentada entre três órgãos: a SEC, com valores mobiliários; a CFTC, focada em commodities e derivativos; e o FinCEN, vinculado ao Tesouro, que fiscaliza o cumprimento de regras de combate à lavagem de dinheiro.
“Um único conjunto de regras, supervisão ativa e padrões de nível bancário mudam tudo. É assim que um setor ganha credibilidade de verdade”, explica Rihani, em elogio ao modelo brasileiro.