Enquanto a União Europeia luta para concluir um acordo comercial com o Mercosul, concorrentes de olho no mercado consumidor da América do Sul e em seus vastos recursos minerais começam a se mexer.

Impulsionadas pelas tarifas de Donald Trump, as conversas entre o bloco sul-americano e parceiros como Emirados Árabes Unidos, Canadá e Índia ganham nova importância, enquanto uma UE dividida vacila após mais de um quarto de século de negociações. A perspectiva de rivais garantirem acesso preferencial aos mercados do Mercosul — inclusive a minerais críticos — está chamando a atenção de capitais de Londres a Tóquio.

“Estamos determinados a aprofundar nossos laços comerciais”, disse Yasushi Noguchi, embaixador do Japão no Brasil, em entrevista nesta semana. O Japão está “muito interessado em como isso vai se desenrolar” no acordo UE-Mercosul, já que empresas japonesas muitas vezes competem diretamente com as europeias, afirmou.

A impaciência com a UE veio à tona em uma reunião de líderes do Mercosul no sábado, depois que a resistência de agricultores europeus — especialmente na França e na Itália — voltou a provocar um adiamento.

“Sem vontade política e coragem de seus líderes, não será possível concluir uma negociação que já se arrasta há 26 anos”, disse o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na cúpula que sediou no sábado. “Enquanto isso, o Mercosul continuará trabalhando com outros parceiros.”

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, era esperada no encontro para assinar o acordo UE-Mercosul. Ela cancelou a viagem de última hora depois que a UE não conseguiu reunir os votos necessários para aprová-lo.

Autoridades europeias agora miram uma ratificação em meados de janeiro. A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, que detém o voto decisivo, disse a Lula nesta semana que está confiante de que poderá apoiar o acordo se tiver mais tempo para angariar apoio interno.

O Mercosul, que reúne Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, já havia aceitado uma exigência de última hora da UE para incluir salvaguardas destinadas a proteger os agricultores europeus.

Países da UE como França e Polônia há muito se opõem ao acordo, argumentando que dar acesso à gigantesca indústria agrícola da América do Sul prejudicaria os produtores europeus.

A Bloomberg Economics estima que o acordo poderia gerar um impulso econômico de até 0,7% para os países do Mercosul até 2040, e de 0,1% para a Europa.

Ainda assim, a UE teria o maior ganho geopolítico ao ampliar sua presença em uma parte do mundo onde a China vem ganhando cada vez mais espaço, segundo a análise.

Fazendeiros protestam em Bruxelas, na Bélgica, contra o acordo entre União Europeia e Mercosul.

Foto: Bloomberg

O acordo UE-Mercosul continua sendo o “Santo Graal” para a América do Sul. Ele criaria um mercado integrado de cerca de 780 milhões de consumidores e provavelmente impulsionaria setores como o agronegócio, ao mesmo tempo em que aumentaria os investimentos europeus na região.

Com as tarifas de Trump redesenhando o comércio global, a UE corre contra o tempo para buscar novas parcerias e expandir as antigas, numa tentativa de diversificar suas trocas comerciais.

Neste ano, o Mercosul assinou um acordo de livre-comércio com o bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, conhecido como EFTA. O grupo espera concluir negociações com os Emirados Árabes Unidos e com o Canadá em 2026.

O bloco também quer iniciar em breve negociações com o Reino Unido, já abriu conversas com Vietnã e El Salvador e trabalha no desenvolvimento de um marco comercial com o Japão.

“Estamos dispostos a avançar, entendendo que a Europa tem seus próprios prazos para lidar com suas questões institucionais internas”, disse o chanceler paraguaio Rubén Ramírez a jornalistas na sexta-feira. “Mas, ao mesmo tempo, esses prazos não são infinitos.”