“A Avenida Paulista parece Nova York. Apesar de totalmente cheia – de turistas de emprego e de movimento –, ela já teve sua morte decretada muitas vezes”, definiu Raul Juste Lores, jornalista especializado em urbanismo, em um vídeo de seu canal, o São Paulo nas Alturas

Talvez essa seja a completa tradução da avenida mais simbólica da maior cidade do país. Pouco tempo atrás, em 2023, a taxa de vacância dos prédios corporativos estava em 18%, contra apenas 6% da Faria Lima, que nas últimas décadas tirou da Paulista o título de centro financeiro da cidade. 

De lá para cá, a desocupação de escritórios na avenida caiu bem, para 7,8%. Uma parte tem a ver com a volta para o trabalho presencial. Na Faria Lima, a vacância desabou mais ainda, para apenas 2%. Mas o movimento também tem a ver com a volta de empresas para a Paulista – caso da Petrobras e da Bradesco Seguros, que mudaram-se para lá em 2025. 

É um fluxo que faz sentido. A Paulista é mais bem servida de transporte público e restaurantes do que suas concorrentes – Faria Lima, Juscelino Kubitschek, Berrini. Mas não são só os escritórios que têm bombeado sangue novo ali. A revitalização ficou ainda mais evidente por conta de uma série de inaugurações nos últimos meses.

Uma parte considerável do varejo fez da Paulista sua grande vitrine neste ano: a Dexco abriu uma loja conceito: um showroom de 4 mil metros quadrados que expõe os produtos de suas marcas (Deca, Duratex, Hydra, Portinari) como objetos numa galeria de arte.   

Depois chegaram lojas populares, como a Torra e a Lojas Mel, e, em dezembro, vieram a Galeria Magalu e a Livraria da Vila

Completando o cenário, o Museu de Arte de São Paulo, o Masp, inaugurou um novo edifício anexo, na primeira metade do ano. E em janeiro de 2026, no Conjunto Nacional, chega um novo local de eventos e shows: o Jardim Nacional. 

Anunciada ainda em 2024, a loja no Conjunto Nacional, onde antes funcionava a Livraria Cultura, é a primeira aposta do Magalu na versão física do ecossistema que construiu nos últimos anos. Além do portfólio da marca principal, o endereço abriga Estante Virtual, Época Cosméticos, Netshoes e KaBuM, reunidas em uma estrutura de 4 mil metros quadrados.

No meio desse retorno ao “ao vivo” da avenida, o Magazine Luiza colocou em prática um desejo antigo de sua principal executiva. “Eu queria uma loja na Paulista, porque ela representa tudo o que os brasileiros são: mistura, diversidade”, disse Luiza Trajano, da família controladora e presidente do conselho do grupo, na inauguração do novo espaço no Conjunto Nacional, como quem descreve um plano que levou anos para sair do papel.

A Galeria Magalu foi desenhada para ser, ao mesmo tempo, loja e vitrine. A companhia criou um espaço dedicado à exposição e ativação de marcas parceiras — uma estratégia que o CEO, Frederico Trajano, descreve como um “parque de diversões das marcas”. Na inauguração, em 8 de dezembro — data em que a Avenida Paulista completou 134 anos — a área era ocupada pela coleção de Natal da Disney.

O projeto preservou elementos simbólicos do antigo endereço, como o icônico dragão da Livraria Cultura. Na entrada pela Alameda Santos, passou a exibir peças da Pinacoteca de São Paulo — instituição da qual Fred Trajano é conselheiro.

Galeria Magalu: Loja conceito do Magazine Luiza reúne as cinco marcas do grupo e fica onde antes funcionava a Livraria Cultura

A expectativa do Magalu é que dentro de um ano a Galeria registre um volume de vendas equivalente ao de 10 lojas tradicionais da rede, por conta do 1,5 milhão de pessoas que passam por dia na avenida. “Diziam que a loja física estava morta. Mas as pessoas querem se encontrar e, aí, a loja só muda de papel e passa a operar integrada ao online”, diz a presidente do conselho do Magalu.

A Paulista também foi o endereço escolhido pelos chineses da Huawei para sua volta ao mercado de celulares no Brasil. A companhia veio trazendo os aparelhos mais caros já vendidos no país, com valores entre R$ 20 mil e R$ 33 mil, e inaugurou uma pop-up store em agosto, logo na entrada do Shopping Cidade Jardim, bem visível da calçada da Paulista.

De acordo com, Diego Marcel, gerente de relações públicas do negócio de consumo da Huawei no Brasil, a escolha do endereço passou justamente pela importância da “construção de marca”.

No caso das populares Torra e Lojas Mel, a lógica é similar e trata-se de arma poderosa num endereço bem mais disputado: o varejo online. “Essa integração de canais [com abertura de lojas físicas] fortalece a marca. Mesmo que o varejista tenha um perfil de venda melhor no online, é mais relevante do que comprar mídia”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores.

No caso da Torra, a loja nascida no Brás, também se adaptou ao novo CEP. A loja da Paulista, sua 91ª unidade, é uma loja-conceito, com visual mais sofisticado que as de endereços de comércio popular. Antes da loja, o grupo já tinha instalado seu escritório administrativo por lá.

Renascimento

Nos últimos anos, a vocação para varejo e serviços também ganhou outra camada com a Paulista aberta aos pedestres aos domingos, política oficializada pela prefeitura em 2016: a avenida passou a funcionar como um parque urbano, com artistas de rua, intervenções culturais e comércio pulsando no “ao vivo”. Foi essa dinâmica — de vitrine, encontro e fluxo — que ajudou a sustentar a percepção de que a Paulista vai além do CEP: é uma espécie de palco.

Livraria da Vila: Na esquina com a Alameda Campinas, a nova loja tem 800 m² e um acervo com mais de 100 mil itens, entre livros e produtos de papelaria; conta com o Le Jazz Café

Mas o esvaziamento dos escritórios (com a vacância chegando àqueles 18% há dois anos) trouxe junto uma piora na segurança — em 2023, a Paulista chegou a registrar algo como dez roubos de celulares por dia. Em 2024, esse indicador melhorou: o número de roubos de aparelhos caiu 32%

A segurança pública era mesmo “o grande nó” da perda de valor da Paulista recentemente, conta Livio Giosa, presidente da Associação Paulista Viva. De acordo com Giosa, nos últimos dois anos o cenário tem mudado em iniciativas em conjunto com o poder público, como a operação delegada e o programa “Avenida Paulista mais segura” com a guarda municipal. “Hoje, temos 180 policiais permanentes, 47 viaturas, 15 motos, 20 bikes, 10 drones e 88 câmeras de monitoramento de segurança dedicadas à avenida”, diz Giosa.

A melhor percepção de segurança veio acompanhada da retomada imobiliária. Com boa infraestrutura de transporte (além de dezenas de linhas de ônibus municipais, a avenida tem três estações de metrô) e muitos serviços, como hospitais, restaurantes e shoppings centers, a Paulista é vista como “endereço desejo” para muitas locações corporativas.

A vacância atual, de 7,8% no terceiro trimestre de 2025, ainda é bem maior que a de 2% da Faria Lima ou a de 4% da Juscelino, mas fica bem abaixo da média dos prédios corporativos da cidade (15,2%, na mesma leitura).  

Para Paulo Izuka, gerente de inteligência de mercado da Binswanger, esse “respiro” da Paulista tem a ver com uma combinação difícil de replicar em outros pedaços do centro expandido: boa infraestrutura, pouco estoque disponível — com baixa perspectiva de novas entregas, já que faltam terrenos – e, ainda assim, preços competitivos. 

Até o fim do terceiro trimestre, o preço médio pedido na Paulista estava em R$ 137,58/m². Já os endereços “topo de pirâmide” do mercado corporativo em SP vinham bem acima: Itaim/Juscelino Kubitschek, com R$ 262,11/m², e Faria Lima, com R$ 255,44/m². 

Sem estoques e com novos inquilinos, a avenida tem visto muitos de seus prédios comerciais passarem por procedimentos estéticos, o retrofit. Foi o que fez a CBRE no edifício Paulista 2028, por exemplo, ou a Brookfield Properties ainda em 2020 no antigo prédio do Banco Real, hoje ocupado por empresas da família Menin, como CNN e Inter. 

“Retrofit é uma opção que depende do custo. Muitos prédios da Paulista são antigos, o que dificulta um retrofit completo”, pondera Paulo Izuka. “Mas muitas vezes um retrofit só na fachada ou recepção já fecha a conta para o proprietário.”