Daren Acemoglu, o vencedor do Nobel de Economia deste ano (junto de Simon Johnson e James A. Robinson) tem refletido bastante sobre o impacto da inteligência artificial na economia nos seus últimos trabalhos. Em um importante working paper publicado em maio, Acemoglu fez as contas e estimou em modestos 0,53% os ganhos de produtividade gerais da economia ao final de dez anos, advindos da aplicação da inteligência artificial em diversos setores.
Isso é bastante diferente, por exemplo, da estimativa do banco Goldman & Sachs, que vê um crescimento de produtividade anual de 1,5% nas economias desenvolvidas e de 0,7% a 1,3% em emergentes com a adoção da IA.
Mesmo 1,5% parece baixo para nós que estamos imersos neste mundo, mantendo múltiplas janelas do ChatGPT, Perplexity e NotebookLM abertas. Isso deve ser viés meu, segundo Acemoglu.
O economista do MIT considera que números “inflados” de Goldman e McKinsey convencem porque superestimamos a prevalência das profissões relacionadas à produção e gestão de informação — de programadores a jornalistas, passando por analistas do mercado financeiro.
Quem passa o dia na frente do computador produzindo relatórios ou código pode ver ganhos de 20%, 30%, ele admitiu em uma recente entrevista ao Financial Times. Mas esse boost na produtividade é exceção, não regra na economia. E pode ser ilusório.
Para chegar ao seu número modesto ele fez a seguinte conta: o impacto da IA na produtividade total é calculado multiplicando a parcela do PIB referente a tarefas que podem ser automatizadas com IA pela economia de custos gerada por essa automação.
Ele usou uma estimativa de que 20% das tarefas estão “expostas” à automação e que 23% delas gerariam lucro se automatizadas. O que dá 4,6% do PIB exposto à automação lucrativa. Ele pega esse valor, já uma pequena fração da economia, e multiplica pela economia real gerada por IA (medida em papers como esse) — algo como 15%.
A fração da fração da fração faz Acemoglu chegar a essa taxa baixinha de 0,064% de crescimento anual.
Essa conta parte de vários pressupostos. O primeiro é que os experimentos iniciais que reportam ganhos de produtividade (alguns utilizando modelos pré-GPT-4) são representativos do que veremos nos próximos anos.
Parece razoável supor que não. O próprio Acemoglu diz que o ChatGPT o impressionou em novembro de 2022, mas não mudou de forma expressiva as suas estimativas conservadoras do impacto da IA, vistos por exemplo em “Artificial Intelligence, Automation and Work” (2018) e “The Wrong Kind of AI? Artificial Intelligence and the Future of Labor Demand” (2019). Ou seja: para ele, IA generativa e IA “clássica” (preditiva) não são muito diferentes, e o ChatGPT é um “pônei de poucos truques”.
A outra questão é que ele não conta o potencial da IA em campos científicos que gerariam ganhos enormes na economia. Se modelos de IA forem capazes de “descobrir” novos materiais ou novas drogas e eles forem incrivelmente bem sucedidos — pense em um novo Ozempic –, quem recebe os créditos?
Demis Hassabis e John M. Jumper, vencedores do Nobel de Química este ano, fizeram o campo de pesquisa em proteínas avançar muitas décadas nos últimos anos, graças à IA. Calcular o impacto desses avanços na produtividade da economia como um todo, em setores difusos, não é trivial.
E um terceiro fator difícil de medir é que muitos dos ganhos de produtividade estão acontecendo mais no nível pessoal do que no das companhias, o que afeta todo tipo de cálculo.
Pensemos em um cenário realístico. Digamos que uma analista de dados júnior. receba a tarefa de completar uma análise detalhada das vendas no último trimestre e produzir gráficos que expliquem para a diretoria, além de modelos estimando o impacto de mudanças no preço dos insumos nos próximos meses. O chefe espera que ela complete o trabalho em três dias, que é o que ele costuma gastar.
Mas usando o modo de análise de dados ChatGPT que – importante – o chefe não conhece muito bem, ela completa tudo em uma hora. O que ela faz com o tempo que economizou? Se ela imediatamente pedir novas tarefas, e continuar completando essas atividades em tempo recorde, a produtividade da empresa aumenta. Mas se ela embolsar o tempo e gastar o que economizou lendo notícias ou dando um tapa no currículo para tentar um cargo em outra empresa, o ganho de produtividade mensurável é zero.
E é provável que versões dessa história estejam acontecendo por todos os lados. Ethan Mollick, professor de Wharton e um dos maiores especialistas em inteligência artificial, diz que um dos fatores centrais que limitam o impacto da IA na produtividade organizacional tem a ver com o desalinhamento de incentivos.
A adoção de IA às vezes acontece segundo ele “nas sombras”, com colaboradores experimentando soluções por conta própria, escondendo seus avanços. Como no caso da analista de dados, isso acontece porque a experimentação direta é “barata e vantajosa para quem está motivado a facilitar sua própria rotina, mas a comunicação desses resultados para a organização nem sempre é recompensada”. Muitos colaboradores têm medo de punição, não querem perder o status de “heróis” ou temem que os ganhos de produtividade sejam utilizados apenas como justificativa para cortes de custo — e, consequentemente, demissões. Se não deles, dos colegas.
Para Mollick é essencial alinhar os sistemas de recompensa, oferecendo benefícios concretos para quem compartilha suas práticas de IA, como prêmios financeiros ou promoções. A liderança deve dar o exemplo, usando IA abertamente e incentivando suas equipes a fazer o mesmo, mostrando que o uso da tecnologia é valorizado e faz parte da estratégia da empresa.
Talvez, assim, às claras, os benefícios da IA não apenas sobre a produtividade mas a vida humana no geral, sejam melhor percebidos. Pelo Nobel de economia, os acionistas e a chefia.
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