Além de ser um grande exemplo de empreendedorismo, a cantora e empresária Anitta possui uma carreira exponencial de sucesso, empresas de sucesso, e uma conta bancária invejável, fruto de um patrimônio que ela mesma construiu. Ciente de tudo isso, o banco digital Nubank anunciou Anitta como nova membro do Conselho de Administração.
Do lado da artista, ela contou em suas redes sociais o quanto se sentiu insegura em aceitar o desafio, por acreditar não ser capaz. Mais do que isso, o que me chamou a atenção foi o fato dela dizer que nunca gostou de números e economia.
Aqui, paro para trazer algumas reflexões que essa notícia despertou em mim. Através da Fin4she tenho a possibilidade de ouvir muitas mulheres, além de participar de alguns grupos e fóruns de discussões. Em primeiro lugar, gostaria de ressaltar a verdade com que Anitta se posiciona, não tendo medo de dizer o que sabe e o que não sabe.
Em um mundo com tanta competição, metas, egos e remuneração variável, eu admiro quem consegue mostrar sua vulnerabilidade sem perder a sua força.
Em segundo lugar, fiquei pensando em algo que falamos muito por aqui: por que as mulheres não se conectam com números, economia e investimentos? Porque fomos colocadas em um mindset, ou talvez uma herança do passado, que esse não é o nosso lugar.
Toda vez que tenho oportunidade de conversar com empresas que têm o desejo de atrair mais mulheres investidoras, eu questiono: precisamos nos comunicar de maneira diferente com as mulheres quando o assunto for finanças. Como vamos criar esse lugar de pertencimento para elas? Se elas não sentirem que pertencem a esse mundo, não vamos avançar. Não basta chegarmos com as mesmas siglas, nomes e forma de se comunicar.
Assim, se o Nubank teve a intenção de se aproximar e comunicar com o publico feminino, criar uma sensação de pertencimento – ou seja, se a Anitta está lá, eu também posso estar – achei genial. Conexão e pertencimento.
Porém, confesso que fiquei um pouco incomodada com o posicionamento de muitas mulheres. Principalmente sobre a capacidade intelectual da cantora e empresária. “Ela não sabe ler um balanço, não tem formação técnica para isso”, entre outros.
Estamos em 2021, mais de um ano em pandemia, onde nós mulheres fomos as mais afetadas. Onde nós mulheres retrocedemos anos e anos do ponto de vista de remuneração, e mesmo assim nós mulheres continuamos a julgar duramente outras mulheres.
Seria aquele famoso “olhar o copo meio cheio ou meio vazio”. Não estou aqui para julgar a capacidade técnica da Anitta, ou saber se ela está apta para o cargo. Muito menos se o Nubank tomou a melhor decisão, ou se simplesmente foi uma jogada de marketing. Afinal, Warren Buffet é um grande investidor atual no Nubank, e certamente aprovou essa contratação, certo?
Por que não podemos ver todos os pontos positivos e mensagem disruptiva que essa ação traz? Diversidade significa pensamentos diferentes, histórias de vida distintas, formações variadas. Além, claro, de raça, gênero, orientação sexual. Por que o diferente ainda nos incomoda tanto, mesmo que de forma velada?
Anitta participará das reuniões trimestrais com os outros seis conselheiros e a diretoria do Nubank. As outras mulheres do Conselho são Anita Sands – professora da universidade americana de Princeton e ex-diretora de operações do banco suíço UBS, e Jacqueline Reses – ex-presidente da fintech Square e atual presidente do Conselho Consultivo Econômico do FED, o banco central norte-americano.
Foi-se o tempo em que os boards eram formados apenas por homens heterossexuais, brancos, engravatados e mais velhos. Precisamos sair do discurso dos benefícios da diversidade e inclusão para a prática. Será que a partir de agora vamos abrir um novo caminho para os conselhos das empresas? Uma nova fase em que também se permite diversidade de habilidades, que podem ir além do mundo corporativo?
Repito: eu não quero julgar sobre o que é certo ou não. Eu quero ver o copo meio cheio, ver a Anitta se conectar com pessoas diferentes, criar um senso de pertencimento à diferentes públicos e fazer com que muitas mulheres acreditem que podem ser e chegar aonde quiserem.
É inegável o tamanho da responsabilidade de ser parte de um conselho. Cada vez mais exige preparo e estudo. Eu mesma estou fazendo um curso de preparação de conselho, com uma carga horária de estudos intensa que tem me desafiado muito. E, também, questiono: como tornar esses conselhos mais eficientes e capazes de agregar mais para as empresas como um todo e para seus acionistas? Precisamos de mais pessoas preparadas exercendo a sua verdade e essência e não tentando se adaptar para se inserir em um contexto padrão.
Quantas vezes nós mulheres deixamos de ser promovidas, desistimos de nossas carreiras, não pedimos aumento ou não nos aplicamos para uma vaga por medo de tentar?
Se as contribuições dela serão relevantes para futuro do banco, pouco importa. Mesmo porque, na minha opinião, sua maior contribuição já foi feita. Que a coragem da Anitta possa nos inspirar. Eu acredito fortemente que sem coragem, não há protagonismo.
*Co-fundadora do Fin4she, atualmente é responsável por liderar e implementar os projetos para promover o protagonismo das mulheres no mercado e a independência financeira feminina. É a idealizadora do Women in Finance Summit Brazil, com mais de 800 mulheres do mercado inscritas. Foi executiva da Franklin Templeton por 10 anos e trabalha no mercado financeiro desde 2006. É mãe do Tom e do Martin e através do Fin4she tem a missão de promover uma transformação na carreira e vida das mulheres, para que iniciativas como essa não precisem existir mais no futuro. |