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ESG na Prática

O papel das estatais e os conflitos de interesses com seus acionistas

No caso da Petrobras, interferência governamental na política de preços dos combustíveis prejudica a saúde financeira da empresa, reduz a perspectiva de dividendos futuros e, por consequência, provoca a desvalorização das ações.

Sede da Petrobras no Rio de Janeiro 16/10/2019 REUTERS/Sergio Moraes

Na noite do dia 23 de maio o Ministério das Minas e Energia anunciou a substituição do então presidente da Petrobras (PETR3, PETR4) José Mauro Ferreira Coelho por Caio Mário Paes de Andrade. Coelho mal teve tempo para trabalhar, pois ficou no cargo apenas 40 dias. Com essa nova troca, Andrade passa a ser o quarto a ocupar a cadeira na petrolífera durante a gestão do atual governo.

Há um consenso no mundo corporativo que tantas substituições não fazem bem para a saúde de nenhuma organização. Pior, é uma situação que bagunça todo o esforço de implantação de uma boa política de governança e inviabiliza qualquer tentativa de inserir na companhia os conceitos ESG.

Tantas mudanças têm sido justificadas pela necessidade de combater a inflação. Por uma série de fatores, nacionais, internacionais e da própria política de preços da estatal, o valor dos combustíveis disparou. E como mais da metade dos produtos brasileiros são transportados por caminhões, a elevação do diesel tem impactado fortemente no aumento de preços.

Daí o governo querer colocar alguém alinhado com o seu propósito de conter artificialmente os valores definidos pela Petrobras. Mas existem dois problemas nessa iniciativa. O primeiro é de cunho estritamente técnico. Se os custos sobem, se a cotação do barril do petróleo dá um salto, os produtos resultantes do refino têm de ser reajustados para não haver prejuízo. Isso é regra básica em qualquer empresa.

O segundo problema é o conflito de interesses. A Petrobras, na realidade, é uma empresa criada pelo Estado, mas que teve parte do seu capital aberto a investidores. Ou seja, é uma companhia de capital misto, sendo o governo seu maior acionista. Ao aplicar em uma empresa, o investidor espera que ela gere valor no longo prazo e que seu negócio seja sustentável. Uma interferência governamental na política de preços dos combustíveis esbarra nesta visão, prejudica a saúde financeira da empresa, reduz a perspectiva de dividendos futuros e, por consequência, provoca a desvalorização das ações.

Assim, de um lado temos o governo para quem a Petrobras funciona como ferramenta de política econômica para segurar preços e de outro os investidores que compraram ações interessados em obter o máximo possível de rentabilidade. Os interesses são claramente divergentes.

Não se trata aqui de crítica ao governo. Estatais sempre foram usadas politicamente. Inclusive, a própria Petrobras foi criada para garantir o monopólio do setor petrolífero por parte do Estado. Quem viveu nos anos 1970 e 1980 deve se lembrar que além de combustíveis, o governo interferia nos preços das tarifas telefônicas e da energia elétrica, entre outros, como instrumento de combate à inflação. Mas a hiperinflação que vivemos naqueles tempos mostrou que essa ferramenta é inútil para segurar preços e danosa às companhias que, descapitalizadas, acabaram sendo, em parte, privatizadas.

Mais recentemente, em 2008, quando estourou a crise estadunidense do subprime, afetando a economia mundial, o governo da época impôs ao Banco do Brasil reduzir suas taxas de juros com a finalidade de facilitar o acesso a recursos pelos tomadores de empréstimos. Outro exemplo de ação que feriu os interesses dos acionistas.

A questão não é dizer que um lado está certo e outro está errado. Quem pode criticar um governo, independentemente de sua ideologia, de tentar combater a alta dos preços? Da mesma forma, quem pode criticar o investidor de querer lucrar, sendo que este é o objetivo dele? Tudo gira em torno de regras de mercado que precisam ser atualizadas.

O ideal é que empresas estatais não tivessem capital aberto. Ora, para serem de capital aberto, empresas privadas precisam seguir todo um protocolo definido por órgãos reguladores. Delas são exigidas transparência, ética, gestão eficiente em seus processos administrativos, produtivos e financeiros, cumprimento das leis, entre outros. Tudo fiscalizado pelas autoridades e pelos próprios acionistas.

Claro que as exigências são as mesmas para as estatais. Mas as empresas públicas não são criadas e geridas com a finalidade da eficiência e do lucro, regra de ouro do mercado. Elas são administradas de forma diferente. Funcionam como parte do governo que, sempre que necessário, faz uso político delas, seja por uma causa justa ou não.

Neste contexto, o investidor se sente traído, pois uma boa possibilidade de retorno é inviabilizada por conta de interesses da administração pública. Em qualquer época e governo, tais interferências nunca tiveram como foco dividendos, valorização da companhia, compliance, ou qualquer coisa benéfica para a corporação e para o investidor.

O conflito de interesses entre investidores e governo é claro. E só leva a uma conclusão: empresas públicas não podem ser de capital aberto. Para colocar ações no mercado tais companhias precisariam ser privatizadas. Somente após a garantia de que o interesse dos investidores fosse priorizado, o capital seria aberto. E sem nenhum conflito de interesses.

*Marcos Rodrigues é sócio da BR Rating e da MRD Consulting. C-Level e membro de Conselhos nas áreas de tecnologia, serviços, indústria, saúde, varejo, educação e transporte no Brasil e exterior.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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