Era um escritório acanhado no
Centro, pertinho da Bolsa – clara reminiscência dos tempos em que fazia todo
sentido do mundo a corretora ser o mais próximo possível do pregão. As paredes
eram de lambris, coisa que só havia visto antes no consultório do dentista de
confiança dos meus pais – que, de tão old
school, mais parecia uma oficina mecânica.
(E aqui eu percebo que, quem
também for das antigas, vai sacar
facilmente onde era o tal escritório por conta do detalhe dos lambris…)
Era um sujeito velho e gordo, com
a camisa entreaberta revelando uma grossa corrente no pescoço. Fumava um
cigarro atrás do outro – o que explicava a voz rouca e o pigarro constante. Era
claramente um veterano, ao lado do qual meu Mestre Miyagi já havia enfrentado
poucas e boas nos tempos em que o mercado era terra sem lei (a propósito… já
deixou de ser?).
Eu, jovem e presunçoso. Minha
cabeça estava cheia de teoria de finanças, disciplinadamente absorvida de
livros e mais livros – são sujeitos como eu que garantem que o negócio de papel
e celulose seguirá muito bem pelas próximas décadas. Estava ávido para, ali,
absorver conhecimento de financistas de primeira linha.
Então começaram: “o que você
acha de Merposa?” ; “Ah, eu acho que tá barato.”; “Hum…
eu também, mas eu gosto mais de Merlasa. E aquela outra do fulano?”;
“Ah, aquela tem aquele coreano enchendo o saco; não dá pra entrar que é
trolha na certa”.
Ninguém falou em ROE. Ninguém falou em EBITDA. Ninguém falou em melhora do valuation por conta da redução do custo de capital, fruto da desalavancagem financeira (hein?). Para mim, aquilo tudo era uma tremenda conversa de bêbado.
Não demorou para que surgisse uma
oportunidade de mostrar o que sabia: veio à baila uma tese que eu havia
estudado, então comecei a discorrer meu financês. Eles me olharam mais ou menos
como um par de babuínos contempla um acelerador de partículas e, em seguida,
voltaram ao que interessava: “e a Tubarão, hein?”.
Recolhi-me. A mim parecia,
naquele momento, que nada havia a aprender ali: eram dinossauros que haviam,
por pura sorte, sobrevivido à meteórica nova geração que invadia os bancos e
corretoras, com visões mais sofisticadas do funcionamento do jogo – in Damoradan we trust.
Lembro-me bem de, na saída
daquele sítio arqueológico, ainda ter trocado meia dúzia de palavras com um
terceiro sujeito que falava superficialmente sobre uma empresa da qual eles
haviam adquirido participação. Mas eu estava convencido de que eles
simplesmente não sabiam o que estavam fazendo. Não dei bola; pelo contrário:
fiz pouco caso a ponto de, pelo menos em minha memória, ter soado extremamente
pedante.
(Não me lembro do nome nem do semblante desse cara: se você é da velha guarda e essa cena lhe soa familiar, aproveito a oportunidade para pedir minhas mais sinceras desculpas por ter me comportado como um fedelho insolente).
Resumo da ópera: a tal empresa,
não muito tempo depois, disparou. Nunca mais voltou ao patamar de preço no qual
eles haviam entrado.
E os achismos deles com relação a Merposa, Merlasa e todas as demais?
Estavam certos.
Todos eles.
Não necessariamente aquilo que
faz sentido na sua cabeça é o que funciona no mundo real.
Hoje, quando me deparo com novos
entrantes no mercado – sejam eles analistas em começo de carreira, sejam eles
investidores iniciantes -, vejo sempre a mesma coisa: níveis diabéticos de
confiança naquilo que acreditam saber.
Entre os analistas
recém-chegados, predominam as ideias de que tudo está nos livros, nos balanços,
e que tudo cabe no modelo. Não é assim: o que está nos livros é teoria – que
nem sempre é chancelada por essa coisa chata e inconveniente chamada realidade.
Balanço é extremamente importante
e eu adoro notas explicativas, mas é pueril achar que tudo o que importa está
ali: aquilo é uma imagem – não raro distorcida – de algo que encontra correspondente
no mundo real.
Modelo é ferramenta, não
materialização da verdade: em primeiro lugar, o seu modelo está errado – e
sempre estará. Em segundo, existe uma jamanta de coisas que não cabem ali.
Análise é um processo heurístico. Se você se limita a fazer conta em cima de
número de balanço, tenho más notícias…
Entre os investidores
recém-chegados, há sempre a percepção de que se é mais inteligente e arrojado
do que realmente é. Vai por mim: quem se diz “arrojado” nunca levou uma trolha
de verdade. Pelo contrário: via de regra, é o cara que fica nervosinho se perde
30 por cento em uma aposta. Se você tem vontade de colocar 20 por cento do seu
patrimônio em algo, talvez seja boa ideia colocar 10. Se sua propensão é
colocar 10, talvez seja bom colocar 5.
Acrescento: por alguma razão que
foge a meu entendimento, pequenos investidores tendem a esquecer do trabalho
que tiveram para juntar o dinheiro que investem. O cara come o pão que o diabo
amassou; engole famílias inteiras de batráquios de todos os tamanhos; aguenta
chefe mala e junta uma graninha suada… e, na hora de investir, trata como se
tivesse encontrado na rua. Trate seu dinheiro com a responsabilidade que ele
merece, pelo amor de Deus.
Faço questão de deixar claro: eu
já fui um desses – tanto como profissional, quanto como investidor. E, do alto
da minha arrogância juvenil, também achei que era eu quem estava certo; que não
havia ali nada a ser aprendido.
Errado. Errado. Errado. Só
aprendi apanhando – e muito.
(E, cá entre nós, volta e meia me
vejo apanhando até hoje…)
Teoricamente, existem duas
maneiras de aprender isso: você pode me dar ouvidos ou levar suas próprias
porradas.
(Digo teoricamente porque, cá
entre nós, nunca soube de alguém que realmente tenha aprendido a lição de outra
forma que não pela dor… mas vai que, né?)
Como vai ser?
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. Twitter:@_rschweitzer; Instagram:@ricardoschweitzer |
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