Conheci o Legião Urbana quando era pequena através do meu pai. Eu passava horas e horas ao lado dele enquanto ele cantava e tocava as músicas da banda no violão. Sempre acompanhado daqueles livrinhos com letras e cifras de músicas. Eu adorava!
Antes de começar a escrever este artigo, escutei algumas músicas do Legião e me permiti sentir. Deixá-las tocar dentro de mim, mas uma tocou de um jeito especial: “Índios”. A primeira coisa que lembrei foi de todo aquele sentimento ingênuo de criança quando a letra de Renato Russo traz:
Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes
Por alguma razão, conforme o tempo passa, vamos nos tornando mais duros e perdendo toda aquela ingenuidade e pureza de criança. O mundo vai ficando mais cinza e “acreditar” se torna cada vez mais difícil em nossas vidas.
Por que eu estou trazendo essa música e essa pauta?
Porque hoje eu quero falar sobre acreditar nesse tão falado “novo hoje”. Sobre qual é o nosso papel no novo futuro que estamos criando.
Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
Quem me dera se todos nós conseguíssemos entender o nosso dever como indivíduos diante do coletivo.
Recentemente perguntaram a Malala Yousafzai, a ativista paquistanesa conhecida mundialmente pela defesa dos direitos humanos das mulheres e do acesso à educação, que tipo de mundo ela gostaria de ver para as mulheres e meninas à medida que nos reconstruímos da Covid-19. E ela respondeu: “Não quero voltar ao normal”. Malala acredita que esta crise ofereceu ao nosso mundo uma chance de mudar para melhor.
Eu sinto o mesmo. Acredito fortemente que essa pandemia foi uma oportunidade para ampliarmos o nosso olhar. E também para recalcular a rota.
Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto como o mais importante
No último dia 22 de outubro, tive a oportunidade de realizar, através do FIN4SHE, o evento Young Women Summit, com foco em jovens universitárias. Mais de 1.500 mulheres se inscreveram no evento. Além de aumentar a representatividade, o nosso objetivo além foi – e continua sendo – romper um ciclo cruel: apesar das mulheres representarem 58% dos estudantes universitários, apenas 4% dos cargos de CEOs são ocupados por uma de nós.
Como falar de ascensão profissional se não trabalharmos a base, as jovens em início de formação e carreira?
Precisamos ampliar o nosso olhar a essas jovens que estão, em muitos casos, em busca do primeiro emprego durante a pandemia. Alguns relatórios já mostram que um dos maiores impactos foram para o primeiro emprego. Neste caso, falamos de impacto duplo: jovem e gênero.
Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Sabemos que a pandemia apenas escancarou muitos dos problemas que mulheres e meninas já enfrentavam antes desta crise. Segundo pesquisa do Fundo Malala, 129 milhões de meninas já estavam fora da escola em todo o mundo antes da COVID-19. E o pior: estima-se que outras 20 milhões de meninas podem nunca mais voltar para a sala de aula após a pandemia.
O artigo “Pandemic Will ‘Take Our Women 10 Years Back’ in the Workplace” publicado pelo “New York Times” em setembro relata os impactos do coronavírus na carreira das mulheres. Pesquisas mostram que a pandemia poderá causar um retrocesso de 10 anos da presença das mulheres no mercado de trabalho. Já está mais do que provado que essa crise impacta as pessoas de forma diferente, dependendo do gênero, classe social e idade: “Escolhas difíceis para mulheres ricas. Impossíveis para os pobres”, traz o artigo.
Já um relatório publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em julho deste ano mostra que a crise ameaça reverter ganhos das mulheres no mercado de trabalho em tudo mundo. Segundo o FMI, as mulheres devem ser mais prejudicadas porque trabalham em setores afetados pela prática de distanciamento social. No Brasil, 67% das mulheres atuam em setores em que o teletrabalho não é utilizado.
E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
É preciso falar sobre exemplos e atitudes. O que nós como indivíduos fazemos diariamente para contribuir ou melhorar todo esse contexto?
Proponho essa reflexão diante do momento em que vivemos, no qual criticar e julgar são comportamentos recorrentes. Depositamos cada vez mais nos outros, nas empresas, autoridades e pessoas públicas a responsabilidade de mudança.
Gosto muito de ouvir o que as pessoas têm a dizer. Acho muito potente essa troca para entender de verdade o que as motivam e pensam. Conversando sobre diversidade e inclusão com uma das minhas melhores amigas, que é mulher, mãe, líder e executiva de um banco, ela me disse: “As pessoas atribuem a responsabilidade às empresas como se fosse algo distante. Porém, as empresas são formadas por nós, pelas pessoas. A partir do momento que nos sentirmos parte disso conseguiremos interferir e fazer mudanças de verdade”.
Convido você a refletir sobre a nossa capacidade para oferecer o nosso melhor agora. Sobre criticar e julgar menos para realizar mais. Só assim poderemos evoluir de verdade como sociedade.
Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Melinda Gates, que traçou seu caminho na filantropia e no ativismo pela igualdade, diz que depois de um certo momento da vida talvez você já tenha o que precise no nível material e questiona: O que vem em seguida? Qual seria o seu próximo passo? Ela é categórica e afirma que a resposta está “onde os nossos dons se conectam com uma necessidade maior com o mundo”.
Inspirada em Melinda, eu pergunto: o que vem em seguida para você? Onde e quando você se conecta com uma necessidade maior para todos?
Eu concordo com a Malala Yousafzai e com o Renato Russo.
O futuro não é mais como era antigamente.
O futuro tem que ser ainda melhor.
Assim como eu sonhava quando eu era pequena, cantando as músicas ao som do violão ao lado do meu pai.