“Os Números do Jogo – por que tudo que você sabe sobre futebol está errado” não é um livro sobre táticas de futebol, mas sobre a gestão de clubes com base na ciência da interpretação dos números nos fatores no campo e fora das quatro linhas no gramado.
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É uma leitura fascinante escrita por Chris Anderson, professor de Estatística na Universidade de Cornell, nos EUA, autor da famosa Teoria da Cauda Longa que revolucionou o mundo dos negócios digitais em especial o modelo da Amazon e Netflix e pelo ex-jogador de beisebol, professor da Tuck School of Business David Sally, em que analisa as estratégias de pessoas ao jogar.
Segundo os autores, a análise estatística não é uma questão de usar os números para provar uma teoria. É observar aquilo que os números realmente nos dizem, ou seja, fazer os números falarem.
Segredo do sucesso de um clube de futebol
Chris Anderson e David Sally mostram com base em dados que, entre 85% a 89% da classificação de um clube é determinada pela gestão financeira e o modelo de negócios executado. Todo o esforço que o técnico emprega no treinamento, na criação de estratégias, em gritos nos jogadores, em despistes inúteis para a mídia estariam apenas para um fator entre 11% a 15 % que o dinheiro não consegue comprar, inclusive a gestão do técnico no campo.
O fator da gestão financeira define o sucesso do treinador. Em outras palavras, gaste no limite de suas receitas, pois elas existem de acordo com suas fontes principais, que variam de acordo com os patrocínios, transações de atletas, formação de jogadores na base, além da contribuição de sócios.
Recentemente, li na imprensa que os treinadores estrangeiros que passaram a atuar no Brasil começaram a incluir nas cláusulas dos seus contratos os investimentos financeiros em contratação de jogadores e garantia de manutenção de salários em dia. Colocam em primeiro lugar a gestão financeira.
Qual o fundamento do negócio de futebol?
Para os autores Chris e Sally, vários resultados são possíveis, mas nem todo resultado tem a mesma probabilidade. Não há uma fórmula secreta do sucesso escondida nos números. Não há uma receita para a vitória. No futebol, não existe uma resposta correta. Mas há, sim, uma forma de se certificar de que estamos fazendo as perguntas certas respondidas pela tradição e pela fé. Só agora, porém, é que temos não apenas os números, mas também as técnicas para gerar as respostas.
O futebol não é um esporte em que o esforço é mais importante que o talento. Em vez disso, a técnica, a habilidade física e a aptidão mental têm pelo menos a mesma importância. A incompetência também pode ser coletiva. Uma equipe pode ser condenada à derrota pela falta de coesão na defesa. Para Lobanovskyi, treinador do Dínamo de Moscou, o objetivo de um time de futebol seria cometer erros em não mais que 18% de todas as ações de seus jogadores.
Qual o papel dos treinadores de futebol
“O que um treinador faz é tentar aumentar a taxa de probabilidade de vitória numa partida”, dizem os autores. Os números não substituem o treinador. Mas também os números não podem ser colocados no banco de reservas. A análise estatística não é uma tentativa de mecanizar o futebol. Ela apenas fornece ao treinador uma visão mais clara sobre o que está acontecendo em campo. “Claramente, o papel da estatística não é substituir, mas complementar essa habilidade”, reforçam Chris e Sally.
Sabendo tudo o que já sabemos a respeito do papel do acaso no futebol, da natureza fugaz da posse de bola e da importância dos elos fracos, talvez essa conclusão seja dura demais ou insuficientemente analítica. A influência de um treinador não pode ir além de um certo patamar — talvez apenas 15%.
Modelo de negócios por eventos raros: o gol
Os críticos diriam que os treinadores são responsáveis por apenas 15% do destino de seus clubes. Isso poderia indicar que a razão estaria com os anti cultistas, e não com os adoradores de técnicos. Mas o futebol é um esporte decidido por margens pequeníssimas, e 15% é mais que o suficiente para representar a diferença entre a vitória e a derrota, entre a glória e o fiasco.
De que maneira um clube pode, então, se certificar de ter escolhido o homem certo, que tudo sabe de animal e conhece o cálculo matricial para liderá-lo em toda batalha campal? Se o treinador faz diferença, o que faz um treinador ser bom? O treinador, portanto, deve fazer a alteração antes que seu cérebro e seus olhos lhe mandem fazer isso.
O papel das estatísticas na gestão
Relatam também Chris e Sally o que os pesquisadores da Universidade de Oviedo, na Espanha, e da Universidade Técnica de Lisboa, em Portugal, descobriram que a imensa maioria dos jogadores que são substituídos vem do meio-campo, e 40% de todas as substituições são de meio-campista por meio-campista.
A maioria dos atacantes é substituída por outros atacantes, mas, também nesse caso, 40% dos atacantes são trocados por meio-campistas. Zagueiros são os que menos são substituídos, e zagueiros e atacantes raramente são trocados uns pelos outros. Neste caso, os atacantes são mais valiosos do que os zagueiros e os meio campistas também. Uma decisão movida a Big Data.
Uma regra dos elos mais fracos
Segundo Lobanovskyi, o futebol é um jogo do elo mais fraco, em que o sucesso significa cometer menos erros, sejam eles individuais ou coletivos. Pode parecer óbvio, mas pense nas consequências: se o futebol é um esporte do elo mais fraco, onde o triunfo é determinado não apenas pelo quanto você joga bem, mas pelo quanto você não joga mal, então por definição não é um esporte do elo mais forte. O que decide quem vencerá não são os melhores jogadores em campo ou o setor mais forte. Conclusão: um único jogador talentoso não ganha, emociona a torcida na contratação. Isso é gestão.
“Se você quer montar um time para a vitória, você precisa olhar menos para seus elos fortes e mais para os fracos. São eles que determinam o destino de um time”, acrescentam os autores.
E por que o futebol é um jogo singular?
A resposta, é claro, reside no gol. Futebol é gol: sua raridade e sua magia. Futebol é decidido por acontecimentos raros — gols — que existem em meio a um oceano de centenas, milhares de eventos externos: carrinhos, passes, arremessos laterais longos.
Sim, um gol é importante, porém não tomar gol é mais valioso que marcar um único gol. Só vale a pena investir em atacantes multimilionários se sua defesa for sólida.
Um jogo baseado na gestão da posse de bola
Os analistas de performance de futebol também descobriram que a imensa maioria daquilo que os jogadores fazem, na verdade, não envolve a bola. Em média, os jogadores ficam com a bola um total de 53,4 segundos. Para situar em perspectiva esses números, o tempo — menos de um minuto — passado pelo jogador médio com a bola representa apenas cerca de 1% do tempo que ele passa no campo.
O poder dos pênaltis
O mesmo fenômeno entra em ação nas decisões por pênaltis: os cientistas concluíram que, quanto mais nervoso um jogador fica, mais ele olha para o goleiro — algo que está ali — em vez de observar o espaço à volta dele. Quanto mais se diz a um jogador para chutar fora do alcance do goleiro, maior a probabilidade de que ele olhe para o goleiro, um efeito conhecido como “processo irônico”.
Quanto vale um escanteio? Muito pouco
O valor dos escanteios é quase nulo. Considerando o risco de ser pego no contra-ataque, com seus zagueiros perdidos na área adversária, seu valor, em termos de diferença líquida de gols, é próximo de zero. Da próxima vez que seu time obtiver um escanteio, pense duas vezes antes de pedir que os jogadores mais altos de seu time subam ao ataque.
Chamo atenção especial de que a interpretação desses dados refere-se ao futebol europeu e a sua extensão ao futebol brasileiro.
*Aloísio Sotero é professor de Finanças em Economia Digital e cofundador da Baex, Escola Internacional de Educação para Executivos