A Cielo (CIEL3) apoiou a base do seu negócio confiando em regulações do mercado e no seu domínio tecnológico em meios de pagamento. Mas isso não foi suficiente para proteger a empresa de concorrentes como Stone e Pagseguro (PAGS34), hoje também de capital aberto, que entraram no mercado de adquirência e roubaram uma grande fatia que antes pertencia à Cielo e Redecard.

A raiz desse
problema pode estar no fato de que não somente as tecnologias são importantes
para os negócios. O elemento crítico para causar uma disrupção no mercado, na
verdade, é a dinâmica do cliente.

Basta
observar a redução da concentração na participação dos grandes bancos tradicionais
no Brasil que, a propósito, têm muita tecnologia. Mas havia segmentos de
clientes insatisfeitos com os bancos tradicionais, então, fintechs como o Nubank, viram a
oportunidade, surgiram e cresceram rapidamente.

No setor, a
satisfação dos clientes é medida com o NPS (Net Promoter Score).

Segundo análise do BTG Pactual, a partir de um levantamento feito pela SoluCX com mais de 8 mil usuários de sete bancos e fintechs, foi constatado que o Nubank (NUBR33) se saiu melhor, com 69,4% de NDP. O Itaú (ITUB4) ficou com 34,8% e o Banco do Brasil com apenas 13,2%.

E qual é a
relação de tudo isso com a análise da Cielo?

Primeiro, o
mercado apontava que por volta de 2013 as empresas tradicionais, como Cielo e
Redecard, tinham um número considerável de clientes insatisfeitos. A Pagseguro
e Stone foram hábeis ao identificar que a insatisfação era expressiva na
carteira de clientes da Cielo, composta por empresas de pequeno e médio porte
do setor de consumo e varejo. E então, elas focaram no nicho de pequenos e
médios negócios.

Outro ponto
é que, até então, não havia nenhuma tecnologia tão inovadora aplicada pela
Stone e Pagseguro que a Cielo não poderia ter aplicado para melhorar a
satisfação desses clientes, afinal, era uma ‘maquininha’ conectada.

Por fim, é importante ressaltar como a Cielo foi disruptada pelo próprio cliente, algo que pode ser observado na perda rápida e acentuada de participação de mercado, ou market share, seguindo o conceito apresentado no livro Unlocking the Customer Value Chain, do autor Thales Teixeira, ex professor associado na Harvard Business School.

Até 2010, a Cielo tinha exclusividade com a bandeira Visa, depois, várias barreiras regulatórias foram quebradas, abrindo espaço para concorrentes. Em 2016, a Cielo tinha cerca de 55% de participação de mercado. Pouco tempo depois, em 2020, houve uma queda acentuada e ela chegou a 37% de participação. Em 2021, houve momentos que a participação chegou a cerca de 27%.

Além de
perder espaço para a Stone e Pagseguro, ela também sofreu com o crescimento da
Getnet que, a partir de uma cisão do Grupo Santander, abriu capital em 2021. O
mercado espera que a empresa ganhe maior flexibilidade para implementar sua
estratégia de crescimento, mas a Getnet ainda está amarrada com os interesses
do seu acionista controlador, o Grupo Santander.

A Cielo também é controlada por dois bancos tradicionais, o Banco do Brasil (BBAS3) e o Bradesco (BBDC4), e de certa forma tem algumas amarras também para executar estratégias de diversificação. Nesse cenário turbulento, a Cielo tenta reverter a causa raíz do seu problema focando em suas competências centrais para estar mais orientada às necessidades e desejos dos seus clientes. Ela tenta recuperar espaço no segmento de pequenas e médias empresas, reduzir custos e alavancar novas frentes de negócio. Ainda assim, parece um pouco lenta diante da rapidez principalmente da Pagseguro e Stone.

Em comum,
todas essas empresas enfrentam ameaças ao negócio de adquirência vindas pela
desintermediação bancária com o crescimento do Pix com pagamento instantâneo,
que pode ser feito fora da ‘maquininha’, não gerando a receita de um percentual
da transação para as empresas de adquirência.

Para
complicar, o aumento de juros gera pressão de custo, por exemplo, na
antecipação de recebíveis, e as margens tendem a ficar apertadas à medida que
precisam também investir em retenção e gastos crescentes para adquirir
clientes.

Essas
pressões fazem com que a Pagseguro e Stone tenham que reinventar o negócio e irem
além do negócio tradicional de “maquininhas de cartão”. A Pagseguro, por
exemplo, lançou um aparelho que combina adquirência, banco via seu negócio do
Pagbank e smartphone em um único dispositivo, para conveniência dos seus
lojistas.

A Stone
adquiriu a Linx, líder no mercado de software de gestão para o varejo, e passou
a oferecer diversas soluções em múltiplas verticais para seus clientes
varejistas.

Enquanto
isso, a Cielo tem mostrado trimestre a trimestre o potencial de recuperar seus
resultados. Mas, aparentemente, essas estratégias não serão suficientes para
reverter sua posição competitiva e recuperar sua dominância, ou ainda para se
defender das ameaças que o futuro do setor de adquirência reserva.

Portanto,
ter resultados satisfatórios, apenas, não vai ser suficiente para mostrar ao
mercado que a empresa está atacando a causa-raiz dos problemas e buscando
aumentar satisfação de clientes, nem que está se preparando para a necessária
diversificação de negócios nas empresas de adquirência.

Será um
ataque de dois lados: na participação da Cielo e no potencial de volume total
de pagamentos. Não à toa, em 2021, as empresas do setor perderam mais de 160
bilhões de reais em valor de mercado.

É
preocupante ver empresas que perderam muita participação de mercado em pouco
tempo. Exemplos não faltam: a Nokia que dominava o mercado de celular, a Sony
que dominava o mercado de músicas portáteis com o walkman e o de TVs, mas perdeu
share para Apple e Samsung e assim por diante.

Por isso é preciso muita atenção para quem investe em empresas do setor de meios de pagamentos. Enquanto a Cielo se esforça para preservar o lucro, talvez o mercado queira ver avanços mais rápidos de retomada do crescimento em share, satisfação de clientes e estratégias de defesa e inovação diante das ameaças ao tradicional modelo de adquirência no setor de meios de pagamentos.

Leandro Guissoni é Ph.D., professor de estratégia no Brasil e Estados Unidos, empresário, palestrante e autor de livros, artigos e casos de empresas por Harvard. Assessora grandes empresas em inovação digital e analytics. 

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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