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Repensando o criptomercado: conclusões de conferências em Singapura e Dubai

Tudo que vem sendo especulado, divulgado e, especialmente, noticiado sobre os criptoativos está anos-luz daquilo que está ocorrendo na realidade.

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Imagine que entramos no ano de 1900 e, antes da virada do século, você tenha conhecido, se apaixonado e começado a se dedicar a todo ambiente ainda rudimentar de negociação de ações e títulos.

Naquela época, o mercado financeiro estava longe de ser o que é hoje: os produtos financeiros eram poucos, as grandes bolsas de valores do mundo ainda não existiam e as principais métricas para análise e estudo desse frenético mercado ainda estavam sendo concebidas.

Apesar disso, a lógica para se dar bem no mercado partia do mesmo princípio de hoje: comprar determinado ativo no menor preço possível, revendê-lo no preço mais alto praticável, maximizando ao máximo o lucro da operação.

Mas como fazer para identificar que um ativo está barato ou caro em um mundo pré regulação, onde nem todos os investidores tinham acesso ao mesmo tipo de informação e, por consequência, poderiam chegar a conclusões diametralmente opostas a respeito de um mesmo ativo?

E, diante dessa névoa que pairava sobre o mercado, como fazer boas escolhas de investimento? Como saber se aquilo que se está comprando é tão promissor quanto a Coca-cola ou fadado ao fracasso como a Olivetti, antiga fabricante de máquinas de escrever?

Quando penso no mercado de criptoativos, é mais ou menos nesse ponto que enxergo as coisas hoje em dia: incontáveis iniciativas, algumas com marketing matadores, prometendo entregar um serviço ou produto revolucionário no futuro… Porém, sem nenhuma camada de doutrina aplicável para que possamos determinar ou, ao menos, ter uma ideia da possibilidade de sucesso ou fracasso de cada proposta.

Por isso, penso que se aventurar em investir em criptoativos atualmente é, para maioria das pessoas, um tiro no escuro. À exceção do bitcoin (BTC) e de alguns poucos criptoativos, a aposta em criptos menores e incipientes, geralmente acontece “no chute” – seja porque ouviu alguém falando a respeito no Twitter (TWTR34) ou porque viu uma valorização de 1000% em um dia, fato é que o Fear of missing out (FOMO), ou medo de perder algo, em português, predomina em boa parte das vezes (e, em muitas delas, é resultado direto de um marketing bem feito).

Exatamente por isso, quando comecei a analisar criptoativos como investimentos para pessoas físicas, em 2017, me deparei com uma missão dificílima. 

Primeiro, porque não existe bibliografia sobre esse mercado. 

Segundo, porque a construção de qualquer tese sentada na cadeira do meu computador, debaixo do ar condicionado, seria um mero exercício de futurologia baseado nas notícias enviesadas a que qualquer um de nós tem acesso. 

Terceiro, porque para mitigar a assimetria de informações entre o que sai na mídia e o que de fato está acontecendo no mercado, é preciso muita sola de sapato.

Para minha sorte, eu já possuía uma boa entrada na comunidade internacional de cripto por ter começado bem cedo no mercado. Já tinha uma ideia das principais discussões e, principalmente, entendia a grande proposta de valor dos criptoativos: eliminar intermediários de confiança por meio de tecnologias descentralizadas em blockchain, proporcionando produtos e serviços mais baratos, confiáveis e imunes à censura. 

E, sabendo que esses eram os princípios, passei a analisar todas as iniciativas do ponto de vista daquilo que é necessário para reconstrução do mundo como conhecemos hoje.

Agora, em 2022, apesar de ainda não termos nenhuma doutrina sobre investimentos em cirptoativos, já tenho algumas boas milhas após rodar pelo mundo para acompanhar de perto discussões, tretas, novos projetos e novas iniciativas do mercado. 

Especificamente nesta quarta-feira (12), voltei de 3 conferências em Singapura e Dubai e posso dizer com absoluta certeza que tudo que vem sendo especulado, divulgado e, especialmente, noticiado sobre os criptoativos está anos-luz daquilo que está ocorrendo na realidade.

Minhas conclusões, ainda preliminares, são as seguintes:

  • Estão subestimando (e muito) o mercado de criptoativos. As tentativas de equiparar as criptos com ações e outros ativos negociados em bolsas vem do fato de que, durante 2022, todos esses ativos passaram por correções de preço, em parte ocasionadas pela redução do apetite ao risco dos investidores. Nesse sentido, as criptos agora são vistas por muitos como uma subclasse de ativos de renda variável, sujeitas às mesmas variáveis que o já secular mercado tradicional.

Entretanto, considerando que (i) as boas criptomoedas são representações criptográficas de parte de protocolos de infraestrutura para criação da Web 3.0; e (ii) ainda estamos engatinhando em soluções de Web 3 no mundo todo, incluindo nos grandes polos que mencionei, só posso chegar a uma conclusão: o potencial de crescimento de cada uma dessas iniciativas ainda é colossalmente grande.

Recentemente, e aqui vale até uma mea culpa de minha parte, comparei o potencial de valorização do ethereum (ETH) com uma big tech. Agora, analisando melhor o que já existe versus o que ainda deverá ser criado no topo desse protocolo, acredito que tenha sido conservadora demais: é possível que estejamos diante de algo muito maior que todas as big techs atuais juntas, somadas.

  • Estão ignorando a tendência. Como se sabe, o melhor investimento possível tem muito a ver com timing e, quanto antes se detecta uma tendência, melhores podem ser as entradas. Nesse sentido, sinto dizer que os próximos investimentos em cripto que se multiplicarão por 100x, 1000x não estão sequer cobertos por boa parte da mídia atualmente. 

Explico: enquanto vemos incontáveis matérias sobre o The Merge do Ethereum, que, diga-se de passagem, nem é a atualização mais importante do protocolo, ou passamos horas tentando entender o que quer dizer o Vassil hard fork de Cardano, estamos concentrando boa parte do nosso tempo para discutir e entender projetos de infraestrutura do mercado.

Eles são importantes? Sem dúvida. São eles a próxima grande aposta como investimento? Definitivamente, não.

Se considerarmos que, bem ou mal, essas infras já funcionam e já é possível desenvolver soluções em cima delas, a conclusão inevitável é que a próxima grande tendência está nas aplicações. Seja mercado financeiro ou armazenamento de arquivos descentralizado: a próxima onda de valorizações virá de soluções que resolvem problemas reais do mundo com o uso de blockchains. 

Sabem o que aconteceu quando se iniciou o movimento de DeFi? Isso é minúsculo perto do que vem pela frente.

  • Estão tirando o foco da discussão. Enquanto boa parte do mundo se preocupa com modelos de negócio que serão obsoletos daqui há alguns anos, como o da Coinbase (já ouviram falar em DEX?), ou discute regulação para players centralizados (a exemplo do projeto de lei que corre aqui no Brasil) ou, ainda, fica estarrecido quando um protocolo centralizado, como a BSC, é hackeado, as atenções todas ficam voltadas para as atuais grandes corporações do mercado que, exatamente por serem centralizadas, ainda permitem boa dose de ingerência e intervenção estatais.

Contudo, para quem está de fato comprometido a inovar, a criar algo disruptivo que vá fazer alguma diferença no mundo, não existem limites – seja do atual lobby desse ainda pequeno mercado, seja dos reguladores de plantão.

A questão, nesse ponto, é que parece existir um fenômeno mundial de tentativa de controle de tecnologias em blockchain a todo e qualquer custo, como se de fato fosse possível intervir em algo verdadeiramente descentralizado. E aqueles que hoje ocupam posição de destaque no mercado, em sua grande maioria iniciativas centralizadas, parecem querer se valer disso para se perpetuarem como novas big techs. Em suma: fazem um grande desserviço à inovação.

A discussão sobre regulação veio cedo demais, com um peso muito grande, de forma a coibir e atrasar muito da verdadeira inovação que ainda veremos nesse mercado. 

Meu entendimento é que, nesse momento, empregaríamos melhor nosso tempo discutindo como criar uma solução de empréstimo P2P que possibilitasse às pessoas escaparem dos juros abusivos praticados no Brasil, por exemplo, do que se a SEC (CVM americana) tem jurisdição para regular o ethereum ou qual o capital mínimo para se abrir uma corretora centralizada de criptomoedas. 

Ainda vai levar um tempo para digerir todas as informações e aprendizados que tive nesses últimos 14 dias. Mas, até que isso aconteça, a única dica que deixo é que não se tente medir, precificar ou analisar o criptomercado com a mesma ótica do mercado financeiro tradicional – isso poderá te fazer perder excelentes oportunidades.

*Helena Margarido é especialista em blockchain e moedas digitais e sócia da Monett

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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