Primeiramente, um feliz 2022.
Imagine a seguinte situação: há, em determinada região, diversos terrenos à venda. Eles não são iguais, mas guardam entre si características que permitem, com alguma criatividade, que se estabeleçam algumas relações de proporcionalidade entre eles.
Por exemplo: dois lotes em uma mesma rua, lado a lado, com mesmíssima metragem, sem nenhuma diferença significativa nos respectivos arredores ou nos próprios terrenos em si.
Digamos, então, que um destes terrenos acaba de ser vendido ao equivalente a R$ 2 mil o metro quadrado.
Parece seguro supor que o terreno ao lado possa ser, eventualmente, vendido por valor semelhante – um pouco acima, um pouco abaixo. Da mesma forma, é razoável supor que quanto maior o prazo entre os dois negócios, maior é a chance de os valores diferirem significativamente. Isto é, as condições de mercado podem ter mudado.
Agora, imaginemos terrenos de mesmo tamanho, mas com características distintas. Digamos que um é o lote do exemplo anterior que ainda não foi vendido. O outro tem a mesma metragem, mas é de esquina. A experiência demonstra que terrenos desse tipo valem mais.
Mas “mais” quanto? Ao comparar transações semelhantes, descobrimos que o prêmio justo é, sei lá, de 20%. Então aquele ali seria negociado, potencialmente, em torno de R$ 2,4 mil o metro quadrado.
E há outro terreno. Que também é de esquina, mas que tem um enorme desnível bem no meio – exigiria a construção de outro tipo de edificação. O único comparável do gênero não é de esquina. O que a gente faz? Óbvio, uma gambiarra conciliando o prêmio da esquina com o desconto do desnível para chegar a uma opinião razoável.
E as ações de empresas?
Agora, trocaremos os termos. Digamos que as ações de uma empresa que entrega retorno sobre o patrimônio líquido de X é negociada a um múltiplo de 1,3 vezes o valor patrimonial enquanto outra, que entrega Y, é negociada ao mesmo múltiplo. X é diferente de Y. Ou então as ações de uma empresa negociam a 10 vezes lucros, enquanto outra, semelhante, está avaliada em 20.
O que fazemos? Tentar identificar as características de cada empresa que justificam (ou não) que suas avaliações sejam maiores ou menores em relação umas às outras. Qual empresa é mais rentável? Qual cresce mais? Qual tem maiores margens? Quais são as diferenças nas maneiras que elas remuneram os seus respectivos acionistas?
E assim chegamos a opinião de que A deveria negociar a X vezes lucros enquanto B deveria negociar a N vezes EBITDA. Ou não, fica aquele forte cheiro de que, por alguma razão, o mercado está preferindo A e negligenciando B.
Resta saber se é por algo que nós não vimos ou, pelo contrário, se vimos algo que mais ninguém viu.
E vai por mim, não é excesso de autoconfiança supor a possibilidade de ter esbarrado em algo que ninguém esbarrou, principalmente quando vamos para o mundo das ações menos líquidas.
Aí vem a grande questão que todos adoram perguntar: você acha que A valerá X quando? Essa é uma pergunta que, via de regra, o sujeito já faz com o calendário na mão.
A resposta, infelizmente, é mais ingrata do que eu gostaria: da mesma maneira que, ao opinar que o terreno B deveria valer o mesmo que o idêntico A, eu não posso precisar se uma oferta por ele surgirá amanhã ou daqui a três anos, eu não posso prever quando o preço de mercado vai convergir para minha expectativa (se é que vai – pois, como já dito, eu simplesmente posso estar errado ou, no meio do caminho, as circunstâncias mudarem).
E ainda assim, meus caros, a gente tenta. Por quê? Porque eventualmente funciona.
Em minhas interações com pequenos investidores, ao longo de todos esses anos, fiquei convencido de que persiste uma ideia enganosa e perigosíssima, a de que o analista é dotado de uma “visão além do alcance” e que lhe permite prever o futuro com precisão milimétrica. É extremamente comum receber questionamentos do tipo: “quanto a bolsa vai subir semana que vem?”. Ou: “quando XPTO4 vai atingir o seu preço-alvo?”
As variáveis “quanto” e “quando” já são difíceis de lidar isoladamente. Em conjunto, nem se fala.
Tenha isso em mente ao ler análises – sejam elas de quem quer que seja. Do outro lado da tela não existe um Super-Homem ou um sábio detentor da Pedra Filosofal. É um sujeito como você, que está queimando pestanas naquele tema há mais tempo e/ou com mais intensidade do que você.
Até a próxima.
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. |
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