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Turbulência no varejo e tecnologia: como Natura e Magalu podem recuperar valor?
No que ficar de olho em relação a estratégias, fundamentos e resultados das empresas de varejo e tecnologia, que enfrentam momento desafiador no mercado.
Os setores de varejo e tecnologia estão em desaceleração com a recessão da economia e o aumento da inflação nos Estados Unidos, no Brasil e em vários outros mercados, criando um ambiente desafiador para as estratégias das empresas.
Financiar o crescimento de clientes e a receita ficou mais caro. O fluxo de caixa dessas empresas passa a ser descontado a uma taxa maior, o que se reflete nos preços das ações. É o que está acontecendo com empresas como Amazon, Google, Facebook (Meta), Microsoft, Tesla, Netflix e Apple, que amargaram prejuízos combinados de quase 3 trilhões de dólares em um ano.
O mesmo fenômeno é visto no setor de varejo e tecnologia em companhias do Brasil, como Magalu (MGLU3), Americanas (AMER3), Natura (NTCO3) e outras com modelos que ficaram orientados ao crescimento por meio da transformação digital. É uma grande perda de capitalização de mercado por uma correção devido a vários fatores como gestão e economia.
O resultado da Natura no terceiro trimestre de 2022, por exemplo, revelou um prejuízo de R$ 559 milhões, em mais um trimestre com queda acima do esperado. Vale destacar que o preço das ações é fortemente influenciado por três fatores: a taxa de desconto, o crescimento esperado e o risco percebido da empresa.
A alta na taxa de juros tem ocasionado correções gerais nos preços das ações. Já as expectativas de crescimento da Natura têm sido questionadas no mercado e, por fim, o risco percebido da ação vem aumentando conforme a empresa enfrenta complexidades de estratégia, caixa e gestão.
Essa complexidade advém da aquisição de várias marcas, especialmente a Avon, e da estratégia de transformação digital da empresa. Ao passarem por essa transformação, as empresas enfrentam momentos sensíveis e acabam por ter que desenvolver novas competências e atender uma variação muito grande no perfil de clientes no físico e no digital. Isso se acentua no caso da Natura, uma vez que precisa equilibrar interesses dos consumidores e das consultoras de vendas.
Sobre os resultados da Natura, a receita líquida do grupo caiu 5,7% no 3º trimestre de 2022 e o Ebitda, isto é, os lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização também caiu. Mesmo no vermelho, tendo reportado prejuízo operacional, se a empresa tivesse mostrado capacidade de crescimento das receitas nesta fase desafiadora, poderia atenuar as expectativas do mercado.
Ainda assim, empresas tradicionais como a Natura normalmente são avaliadas pelo lucro e não por crescimento, especialmente em momento de contração na economia.
De toda forma, o CEO do grupo Natura &Co, Fábio Barbosa, tem mencionado que as margens podem continuar pressionadas em resultados futuros e tem falado em simplificar a gestão.
Além disso, recentemente, a empresa obteve alta de quase 10% nas ações após anunciar que avalia fazer um spin-off ou uma oferta pública (IPO) da sua marca australiana Aesop.
Magazine Luiza, Ambev (ABEV3) e outras empresas também poderiam se beneficiar desse tipo de estratégia para destravar valor.
Desafios e oportunidades para o Magalu
Outra empresa que apresentou, segundo o mercado, resultados abaixo do esperado no terceiro trimestre de 2022 foi o Magazine Luiza.
Olhando em retrospectiva, a empresa fez um ótimo trabalho balanceando crescimento e lucratividade, o que quebrou uma crença que existia no mercado de que empresas com negócios digitais, ao focarem em crescimento, abriam mão do lucro ou do caixa.
Se antes o price to earnings (P/E) do Magalu – preço da ação dividido pelo lucro por ação – foi de 27 em 2017, chegou a 334 vezes a mais do que o lucro por ação em maio de 2021. O mercado passou a valorizar a empresa muito mais do que o crescimento do lucro corrente, esperando que os ganhos futuros seriam excepcionais. Porém, como reportado no terceiro trimestre de 2022, a situação é outra e demanda atenção: a empresa revelou apenas 2% de crescimento nas vendas totais e um prejuízo de R$146 milhões no terceiro trimestre de 2022.
Outras varejistas como Americanas e Via também fecharam o terceiro trimestre deste ano no vermelho, com prejuízo de R$ 212 milhões e de R$ 203 milhões respectivamente. A inadimplência nos serviços financeiros dessas empresas cresceu muito, sem falar na queda na demanda em várias categorias de produtos que geralmente são importantes para elas.
No caso da Magalu, há algumas notícias boas como a geração de caixa e melhoria na margem Ebitda, que atingiu 6% versus cerca de 4% no mesmo período de 2021. Isso também é fruto do crescimento de novas fontes de receitas e do marketplace.
Houve, ainda, aumento de quase 8 pontos percentuais na margem bruta, chegando a praticamente 28%, impulsionada pela receita de serviços com especial destaque para as comissões recebidas pela intermediação das vendas entre sellers e consumidores no seu marketplace.
Mais um ponto positivo é o crescimento do Magalu Ads, pois os varejistas estão aprendendo a obter fortes receitas da propaganda.
A fintech no Magalu é outro destaque: cresceu no volume total de transações processadas e alcançou R$ 22 bilhões, representando um aumento de 20% em relação ao ano anterior.
Ainda assim, o Magalu, minha visão é de que deveria cogitar, no futuro, a separação de alguns dos seus negócios. Dificilmente empresas como Magazine Luiza conseguiria manter um nível de P/E e em um negócio extremamente integrado, ainda mais sendo um marketplace generalista que concorre com Amazon, Mercado Livre e, ao mesmo tempo, como plataformas especializadas de nicho, como a Centauro, do Grupo SBF. A Amazon consegue manter níveis elevados de P/E, mas ela tem surpreendido o mercado na maior parte do tempo ao entregar resultados que envolvem grande crescimento ou lucro.
É claro que, no caso do Magalu, a premissa de integração de canais foi muito importante por volta de 2015 ao dar vantagem logística, além do desenvolvimento de tecnologia que alimentava diversos negócios pelo Luiza Labs. No entanto, naquela época, Mercado Livre e outros concorrentes dependiam muito do correio. Hoje, o jogo mudou e a logística do Mercado Livre e Amazon estão muito boas.
Existem várias oportunidades de cisão dos vários negócios do Magalu, como Netshoes que tem apresentado crescimento e lucro. Kabum, seu e-commerce focado em tecnologia e games, também. Isso sem contar oportunidades de spin-offs na sua área de logística, de serviços financeiros, de propaganda ou até mesmo de tecnologia com o Luiza Labs, com mais de 1.500 desenvolvedores e domínio tecnológico que pode servir a tantos outros negócios.
O Magalu tem várias empresas e negócios diferentes dentro de um só. Fazer spin-offs pode ser um caminho potencial de destrave de valor.
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