A abertura do lucrativo mercado de vale-refeição no Brasil deverá ter que esperar, de acordo com pessoas familiarizadas com as discussões entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central, que discordam sobre como regular o sistema a tempo de seu lançamento programado para maio.
Empresas de tecnologia, incluindo o braço de serviços financeiros do Mercado Livre e a empresa de entrega de refeições iFood, esperam que as novas regras permitam que abocanhem uma fatia maior de um mercado de quase R$ 150 bilhões, dominado há anos por quatro grandes do setor.
Opções mais competitivas para dezenas de milhões de brasileiros gastarem seus tickets de refeição e alimentação podem prejudicar as margens de lucro da Sodexo e da Ticket, subsidiária da Edenred. A Sodexo obteve 26% de sua receita operacional do Brasil no ano passado e a Edenred, 22%, segundo apresentações para investidores.
Mas as novas regras de portabilidade, que permitem aos trabalhadores transferir seu crédito entre fornecedores, e de interoperabilidade, que abrem caminho para o gasto ser feito em qualquer restaurante participante independentemente do vale utilizado, terão que esperar até que as autoridades regulem as novidades. O Ministério da Fazenda diz que o BC tem jurisdição para tanto. Mas a autoridade monetária tem recusado a ideia, segundo fontes, resistindo a propostas iniciais e procurando manter a mão fora do segmento que não apresenta riscos sistêmicos aos olhos de seu corpo técnico.
O BC chegou a argumentar que a portabilidade gratuita exigiria investimentos em estrutura operacional de controle desses valores que poderiam criar novas barreiras para ingresso no mercado, prejudicando a concorrência em vez de ajudar, segundo duas pessoas familiarizadas com as discussões.
Uma terceira fonte disse que o BC sinalizou falta de pessoal e recursos para a nova tarefa regulatória. No ano passado, uma ruidosa greve por aumento salarial atrasou por meses a divulgação de dados econômicos e projetos prioritários na autarquia.
O impasse aumentou as tensões entre o Ministério da Fazenda e o BC, que nos bastidores já estão em alta, em meio às intensas críticas do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao nível dos juros e à condução da política monetária.
O BC se recusou a comentar sobre sua resistência à regulamentação do mercado. O Ministério da Fazenda não respondeu especificamente sobre o tema.
Incentivos fiscais
Desde 1976, as empresas brasileiras recebem benefícios fiscais para cobrir o custo da alimentação de seus empregados, regras que fomentaram o crescimento do mercado de tíquetes, hoje dominado pela Sodexo e Ticket junto com as rivais privadas Alelo e VR.
Em 2021, o governo do então presidente Jair Bolsonaro buscou abrir o mercado com um decreto instituindo as mudanças. O Congresso apoiou a proposta com uma lei em setembro, e o Ministério do Trabalho criou uma força-tarefa em dezembro para estruturar a regulação. Mas, já sob Lula, o Ministério do Trabalho dissolveu esse grupo. O ministério disse à Reuters que tal regulamentação “extrapola suas competências” e será feita pelo Ministério da Fazenda e pelo BC.
O diretor de Políticas Públicas do iFood, João Sabino, afirmou que a falta de ação do governo “é preocupante” num momento em que as empresas contam com as novas regras a partir de maio, incluindo a definição de uma câmara de compensação para amparar a portabilidade. “Só vai funcionar essa abertura de mercado se a portabilidade vier a ser estabelecida”, disse Fernanda Laranja, gerente sênior de políticas públicas do Mercado Pago, unidade do Mercado Livre. “Senão a gente vai estar falando que as empresas que detêm de 85% a 90% do mercado vão continuar no poder.”
As vantagens das incumbentes permitem que os principais players cobrem cerca de 7% em taxas de intercâmbio para restaurantes que aceitam seus cartões de refeição, em comparação com uma média de 2% para cartões de crédito e menos de 1% para cartões de débito. Sodexo, Ticket, Alelo e VR se recusaram a comentar, encaminhando as questões à Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT).
O presidente da ABBT, Alaor Aguirre, disse ser “totalmente inviável e impossível” que o setor cumpra os prazos estabelecidos na lei de 2022. Ele disse que a ABTT apoia uma única rede interoperável para todos os players credenciados, mas a integração tecnológica necessária para isso ainda nem começou. Por outro lado, Aguirre disse que a pressão por um sistema portátil que permita aos trabalhadores movimentar seu crédito entre fornecedores seria um “grande erro”, aumentando os custos e convidando novos entrantes sem preocupação com a qualidade nutricional ou com a expansão adequada da rede de restaurantes credenciados.
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