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Economia

Por que as big techs ficaram ainda mais poderosas durante a crise?


Além da inovação, o que faz Google, Amazon, Facebook e Apple crescer até mesmo na crise e como isso chegou até a China?

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Na hora de trocar a capa do seu iPhone, você leu pela primeira vez o que está escrito atrás do celular: “Designed by Apple in California, Assembled in China” (Criado pela Apple na Califórnia, produzido na China). O que isso quer dizer? Que essa big tech nasceu no mais pulsante polo de inovação norte-americano —  o Vale do Silício — e tenta preservar essa característica, ao mesmo tempo em que prefere que seus produtos sejam montados em um lugar mais conveniente? Sim. Mas há algo além disso.

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Depois de ter lido aquilo, o iPhone começa a lhe contar a história de sua produção, na qual a uma parte da sociedade cabe o trabalho criativo, e a outra, o material. E pode estar ainda mais curioso para saber porque o lucro líquido da Apple aumentou 18% mesmo durante a pandemia, para US$ 11,25 bilhões.

O professor de direito do trabalho e legislação social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Carlo Benito Cosentino Filho, oferece uma explicação: “Steve Jobs, criador da Apple, dizia que não precisava fazer pesquisa alguma para descobrir as necessidades dos seus clientes. Era ele quem criava as necessidades deles.” Chama-se a isso “produção de escassez”. A empresa gera valor a partir da subjetividade, de algo intangível, que fica no mundo das ideias. E, para melhorar, esse mundo sim é imune à pandemia do novo coronavírus.

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Essa característica é comum as outras big techs, as gigantes de tecnologia que tomaram conta do mercado em seu segmento nos últimos anos. É por isso que o professor e coordenador do Hub’s de Inovação e do Centro de Empreendedorismo e Inovação (CEI) do Ibmec, Edson Machado, afirma que a pandemia forçou esse setor a desenvolver em 5 meses o que só teria feito em 5 anos.

O mundo já viu bilionários surgirem da venda de aço, petróleo, carros, e agora é a vez de vender aquilo que conecta nossas mentes: o conhecimento. A receita da Alphabet, controladora do Google, subiu 13,2% ainda no primeiro trimestre de 2020, início da pandemia. Sem falar nos valores determinados pelo mercado: a avaliação da Apple passou o PIB do Brasil na semana passada, chegando aos US$ 1,88 trilhão em valor de mercado.

Até a varejista de comércio eletrônico Amazon, que durante a crise do segundo trimestre duplicou seu lucro líquido para US$ 5,2 bilhões, e à primeira vista parece trabalhar com produtos materiais, gerenciando um marketplace, não considera como seu principal ativo os produtos aos quais serve de vitrine, como o leitor eletrônico Kindle. O maior ativo da companhia é a informação que conecta o produto certo ao cliente certo. Esse foi o trunfo da Amazon que ajudou a multiplicar a fortuna de seu fundador Jeff Bezos no auge da crise.

Big Data

O poder das big techs se explica não somente pelo produto que é explorado por elas, mas também pelo volume de adeptos. No início de 2020, o Whatsapp anunciou que chegou a 2 bilhões de usuários ao redor mundo. Se o aplicativo não cobra nenhum desses usuários para trocar mensagens, então por que os executivos do Facebook ofereceram US$ 19 bilhões para comprá-lo em 2014, no que foi uma das maiores aquisições da história?

O valor não está nos usuários em si, mas na informação que eles produzem por meio das big techs. O Whatsapp, por exemplo, gera uma média 29 milhões de mensagens por minuto. Questões éticas à parte, essa informação pode ser usada de diversas formas para gerar valor e comercializá-lo: para medir a satisfação dos clientes ao conversarem com um perfil corporativo, ou até mesmo influenciar o resultado de uma eleição presidencial.

Até agora, tudo o que foi explicado pode parecer ter sido tirado de uma teoria da conspiração. Com “5 grandes companhias controlando 80% do mercado”, como lembra Machado, é difícil não ficar desconfiado. É por isso que o comitê antitruste da Câmara dos Deputados dos EUA chamou os presidentes das gigantes Amazon, Google, Apple e Facebook para prestarem um depoimento que durou mais de 6 horas, onde tiveram que responder sobre seus modelos negócios, em um debate que questiona a formação de um monopólio das gigantes.

Concentração de mercado

Além de inovar gerando alto valor a partir dos dados dos usuários, essas empresas mantém uma prática antiga: a concentração de mercado. Na modernidade, críticos do capitalismo temiam que o livre mercado eventualmente criaria distorções tão grandes que se tornaria impraticável promover uma auto-regulação. As partes que acumulassem mais recursos iriam usá-los para tirar da competição as outras. E é isso que chamou mais a atenção dos reguladores americanos. 

Fizeram Jeff Bezos admitir que a assistente de voz da empresa, Alexa, direciona consumidores para produtos da própria Amazon. Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, teve que explicar a aquisição do Instagram, ao qual ele se referia como uma ameaça antes do negócio. Pelo Google, seu CEO Sundar Pichai teve que responder sobre trocas de e-mails entre funcionários sugerindo uma diminuição da presença de competidores nos seus próprios resultados de busca.

Na corrida para eliminar a concorrência, as estratégiasdas big techs atravessam fronteiras e opõem naturalmente as duas maiores potências competidoras comerciais do mundo: Estados Unidos e China. E, a partir disso, traça-se um novo capítulo incontornável para entender essa disputa: o banimento do aplicativo chinês de vídeos TikTok, que vem ganhando popularidade em vários países como Brasil e EUA.

Queda de braço 

Na última quinta-feira (6), o presidente Donald Trump emitiu um decreto forçando empresas chinesas, como a Tencent, dona do WeChat, e a ByteDance, criadora do TikTok, a aceitarem um acordo de aquisição em 45 dias, ou deixar o país. No caso, a Microsoft é a empresa que mais estaria avançada na negociação de compra do TikTok. Também houve notícias de que o Twitter mantém conversas há semanas para adquirir a plataforma de vídeos chinesa.

“Esse protecionismo americano está gerando uma questão mundial”, afirma Cosentino. “Os EUA precisam da China, principalmente em relação à Apple”. Voltamos então ao seu iPhone: o receio é de que o governo chinês tente uma retaliação ao banimento dos aplicativos chineses nos EUA e, como consequência, de que a parte Assembled in China não seja mais viável.

Da esfera econômica para a política

Trump resolveu justificar a medida dizendo que o aplicativo poderia captar informações dos usuários, que depois seriam usadas pelo governo chinês. Mas ao mesmo tempo, a campanha dele à presidência está marcada pela inovação no marketing digital, sobre o comando da agora falida Cambridge Analytica, operando dados do Facebook.

Por isso, Machado acha relevante a comparação com o período da Guerra Fria, no qual o avanço tecnológico era determinante na competição entre as duas potências, na época protagonizada pela União Soviética. “Na minha percepção, aquela era mais quente, pois era possível ver os mísseis. Esta sim é uma Guerra Fria mesmo”, emenda.

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