Economia

Bolsa Família e precatórios preocupam mercado; entenda o tema em 7 pontos

Bolsa, dólar e juros vêm respondendo a receios sobre risco de ‘calote’.

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O presidente Jair Bolsonaro vem reafirmando nos últimos dias sua intenção de elevar o valor do Bolsa Família dos atuais R$ 190 para R$ 400 no ano que vem. A equipe econômica, no entanto, busca espaço no Orçamento para acomodar mais despesas e, por enquanto, não há garantias de que um aumento dessa magnitude será possível. 

Essa discussão tem adicionado volatilidade ao mercado financeiro nos últimos dias, com impactos na bolsa de valores, no câmbio e na curva de juros. O receio é que, às vésperas da eleição presidencial, o governo eleve gastos com medidas consideradas populistas para garantir apoio do eleitorado.

Outro ponto de atenção é a possibilidade de flexibilizar o pagamento dos precatórios para, assim, acomodar os gastos do Bolsa Família no Orçamento ano que vem. Muitos agentes do mercado têm apontado que a medida seria um “calote” do governo em dívidas para financiar o Bolsa Família – o que o governo nega. 

Veja abaixo 7 pontos para entender a questão do Bolsa Família e precatórios:

O que são precatórios?

Quando o governo sofre alguma derrota na Justiça e é condenado a pagar valores em indenizações, benefícios ou devolução de tributos contestados, por exemplo, essa dívida é um precatório. 

Por que está se falando tanto em precatório agora?

Os pagamentos previstos para precatórios no ano que vem subiram com força, para R$ 90 bilhões – valor que, segundo o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, seria um “meteoro” para as despesas do governo, que trabalha com um Orçamento de R$ 96 bilhões.

Guedes diz que o valor não era esperado pelo governo, que gastou cerca de metade disso em anos anteriores. “Nossa estimativa era em torno desse patamar, R$ 40 bilhões, R$ 50 bilhões (para 2022). De repente dá um pulo para R$ 90 bilhões”, afirmou em entrevista ao site “Poder 360”. 

O Conselho Federal de Justiça manda para a equipe econômica em julho a conta de precatórios para o ano seguinte. Os números, então, são levados em conta para a preparação do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve ser enviado pelo governo ao Congresso Nacional até o fim de agosto.

O que é a ‘PEC dos precatórios’?

Nesse cenário de “meteoro” de R$ 90 bilhões, o governo tenta lançar uma medida para flexibilizar esses pagamentos. A equipe de Paulo Guedes então prepara uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para possibilitar o parcelamento de dívidas de precatórios e também limitar o pagamento a um percentual da receita do governo. 

Qual a relação entre Bolsa Família e precatórios?

A flexibilização dos pagamentos dos precatórios abriria espaço no Orçamento para o governo aumentar outras despesas em 2022, como o Bolsa Família de R$ 400 prometido por Bolsonaro. Por essa razão, a medida tem sofrido críticas no sentido de possibilitar um calote em dívidas para aumentar os gastos públicos às vésperas da eleição.

Mas, de qualquer maneira, fontes ouvidas pelo “Estadão/Broadcast” admitiram que esse reajuste é inexequível. Mesmo com o parcelamento dos precatórios, não haveria espaço dentro do teto de gastos para um aumento maior que os R$ 300 que já vinham sendo discutidos.

Reação do mercado financeiro 

A discussão sobre Bolsa Família e precatórios deu força às preocupações sobre a situação fiscal no Brasil, o que motivou uma tendência de queda da bolsa de valores e de alta do dólar em relação ao real nos últimos dias. A curva de juros, que representa o prêmio exigido pelo mercado para emprestar dinheiro ao governo de acordo com o risco em vista, subiu. 

Mauro Morelli, sócio da Davos Investimentos, aponta que “mudanças do tipo ‘postergar pagamento’ sempre têm um impacto ruim e duradouro” nos mercados, pela quebra da “confiança do investidor local e internacional”.

“E essa confiança demora muito para ser recuperada. Exemplo a gente pode ver em países que já deram ‘default’, como a Argentina. Sempre que emitem uma nova dívida, existe um prêmio maior por causa disso. Em outros países que não tiveram nenhum tipo de ‘default’, esse prêmio obviamente não existe”, diz Morelli. 

Na mesma linha, Felipe Berenguer, analista político da Levante, comenta que “os precatórios são uma despesa recorrente, uma despesa que já existe. E um aumento de Bolsa Família seria um novo gasto”. “Então, você está querendo dar um jeito de adiar o pagamento dessa despesa que já existe ou tirar ela do teto de gastos (veja mais abaixo), por exemplo, fingir que ela não existe. Ou seja, você não está cortando recursos de outro lugar, só postergando e dando um jeito de não pagar, para financiar um aumento do Bolsa Família”, aponta Berenguer. 

Bruno Komura, estrategista de renda variável da Ouro Preto Investimentos, acrescenta que o impasse “é problemático porque já se vê que o governo, se for preciso, talvez chegue a usar ‘contabilidade criativa’, comece a usar alguns artifícios para tentar acomodar essas ações mais populistas visando as eleições do ano que vem. Isso acaba preocupando bastante o mercado porque tira credibilidade”. 

Sobre a elevação do Bolsa Família em si, os analistas explicam que não é necessariamente esse o ponto de atenção do mercado, e sim as consequências. “Esse assunto pode trazer algum tipo de benefício para uma parcela da população no curtíssimo prazo, mas a economia como um todo tem um custo muito alto no médio e no longo prazo”, diz Morelli. “É a ideia de ter um benefício de curto prazo e um malefício de médio e longo prazo porque o risco do país aumenta em todos os ativos.”

Berenguer comenta que aumentar gastos com o Bolsa Família “é uma escolha, mas é preciso saber de onde está vindo o dinheiro”. “Nesse caso, o mercado não gosta quando o dinheiro não vem de cortes”, diz ele. 

PEC dos precatórios é calote?

Paulo Guedes nega que a medida seja um “calote dos precatórios”. “Esses direitos estão muito longe de ser calote. Eles são um título, uma exigibilidade contra o governo brasileiro. Devo, não nego, pagarei assim que puder“, disse o ministro na mesma entrevista ao site Poder 360.

No entanto, analistas do mercado enxergam de maneira diferente. “Se você posterga o pagamento de uma dívida, isso pode ser considerado sim como um calote. Você está, de alguma maneira, reestruturando sua dívida ativa que está sendo paga em dia para o benefício das famílias via Bolsa Família”, diz Morelli. 

Teto de gastos 

Outra discussão é se os pagamentos dos precatórios poderiam ficar de fora do teto de gastos – o que também não é bem visto pelo mercado, de acordo com analistas. A regra do teto de gastos limita o crescimento do gasto público à inflação.

“Por mais que a credibilidade já esteja bastante abalada, o teto de gastos continua sendo uma âncora. Se de fato for rompido, isso pode gerar uma saída de recursos estrangeiros. É muito capaz de a gente começar a ver um fluxo negativo de investimentos no Brasil”, diz Komura.

Berenguer explica que “existe uma discussão técnica, jurídica” sobre manter ou não os gastos com precatórios dentro do teto de gastos. “Estaria dentro por ser uma obrigação da União, então uma despesa obrigatória, só que ao mesmo tempo você não tem como estimar com antecedência qual vai ser o tamanho dessa dívida para o exercício seguinte. Tem alguns que defendem ficar fora do teto justamente por essa imprevisibilidade, o que não deixaria o governo cortar gastos a tempo”, afirma. 

De qualquer forma, o analista aponta que não há “saída ideal” em vista. “Pagar de uma vez não tem como porque o teto de gastos não tem esse espaço para o ano que vem. Ou vai parcelar – o que pode ser visto como um calote – ou então deixa fora do teto como uma solução para não dar problema com o cumprimento dessa regra.”

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