Economia
Copom mantém Selic em 13,75% pela 4ª vez seguida; mercado vê tom mais duro
Comitê mencionou incerteza no âmbito fiscal e inflação mais distante da meta como pontos de atenção.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu nesta quarta-feira (1º) manter a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano, na primeira reunião de 2023 e sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão veio em linha com as expectativas do mercado, que interpretou o comunicado do BC como mais duro que os anteriores.
É a quarta vez seguida que o órgão deixa a Selic inalterada. Esse é o patamar mais alto dos juros da economia desde novembro de 2016.
“A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária. O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”, disse o Copom em comunicado.
Ainda segundo o comitê, o órgão reforçou que continuará vigilante se a estratégia de manutenção dos juros por período mais prolongado do que no cenário de referência será capaz de assegurar a convergência da inflação.
“O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, diz o comunicado.
Repercussão do mercado
Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos
“Não vemos mais a possibilidade de os juros começarem a cair no segundo trimestre. Acreditamos que uma redução poderá ocorrer somente no segundo semestre, mas tudo vai depender o balanço de riscos, que inclui a questão fiscal, fatores políticos e o cenário internacional (…)
O teor do comunicado mostra uma posição mais contundente do BC. O temor é que governo amplie os gastos públicos e o Boletim Focus trouxe um quadro de aumento das expectativas de inflação para 2023. Vemos um cenário de deterioração de parte das variáveis macroeconômicas, principalmente de inflação e de juros. O Copom reforçou a sinalização de manutenção da postura vigilante sobre a política monetária até que a inflação volte à meta”.
Bruna Centeno, economista e especialista em renda fixa da Blue3 Investimentos
“O patamar de 13,75% da Selic já vinha sendo precificado pelo mercado. Agora, o foco será no tom da ata da autoridade monetária, principalmente porque o Boletim Focus desta semana mostra uma desancoragem fiscal muito grande para 2023 e 2024.
Por isso, será importante entender se, de fato, é possível ter alguma perspectiva de corte nas taxas de juros nas próximas reuniões ou se a manutenção do aperto monetário ocorrerá por um tempo maior justamente para calibrar a inflação”.
Idean Alves, educador financeiro, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil
“Na minha opinião, o comunicado veio em tom mais hawkish e duro do que o esperado. O comitê adicionou que estão com uma postura mais vigilante e ativa na tomada de decisão sobre os juros e voltou a assumir o leme de forma mais rígida para que, além do controle da inflação, possa fazer um “pouso suave”, sem desacelerar tanto a atividade econômica a ponto de gerar uma recessão econômica local.
O comitê adicionou que estão com uma postura mais vigilante e ativa na tomada de decisão sobre os juros e voltou a assumir o leme de forma mais rígida para que, além do controle da inflação, possa fazer um ‘pouso suave’, sem desacelerar tanto a atividade econômica a ponto de gerar uma recessão econômica local”, avaliou em comunicado.
O comitê reiterou a palavra ‘vigilante’ em relação ao aumento da percepção de risco no cenário internacional, com inflação ainda acelerando lá fora, guerras, e cadeia de oferta fragilizada, enquanto que no âmbito doméstico o perigo fiscal segue pressionando a tomada de decisão de todos na economia, consumidores, empresários, investidores. Na minha visão, se a expansão fiscal realmente vier no volume previsto, a pressão inflacionária vai ser, sem dúvidas, uma demanda contratada”.
Étore Sanchez, economista-chefe Ativa Investimentos
“Diretamente ao ponto, a autoridade afirmou que manterá o juro por período “mais prolongado do que no cenário de referência”. No Boletim Focus os cortes se iniciam na reunião de setembro, ou seja, o BC aponta para a necessidade de manutenção da Selic em 13,75% por mais tempo, aproximando-se mais da nossa projeção de que o ciclo de cortes se iniciará apenas a partir da terceira reunião de 2024.
Fora isso, o BC afirmou que a incerteza fiscal e a desancoragem “demandam maior atenção na condução da política monetária. O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.”
Em suma, as expectativas condicionais para a inflação do BC subiram para 2024 em 40 pontos (horizonte exclusivo a partir de 2T23), ao passo que houve desancoragem do Focus em 50bps para além do horizonte relevante para política monetária. Tudo isso somado a incerteza fiscal tem feito o BC adotar postura dura e sinalizar por manutenção do juro por mais tempo do que o precificado pela mediana dos economistas. Assim reiteramos nosso call de que o Copom deverá deixar a Selic terminar 2023 em 13,75%, com inicio dos cortes apenas no 2T24, ao ritmo de -50bps”
Fiscal no radar com governo Lula
O mercado buscava pistas do Banco Central sobre o tom após os anúncios feitos pela nova equipe econômica envolvendo o cenário fiscal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu um novo “arcabouço fiscal” e também uma reforma tributária ainda este ano.
- Você sabe quem é Fernando Haddad? Conheça sua formação, cargos anteriores e mais
De acordo com o Boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (30) pelo BC, o mercado financeiro espera que a Selic encerre 2023 no patamar de 12,50% ao ano, com a inflação acima do teto da meta. Parte dos analistas acredita que o primeiro corte de juros deve acontecer somente no segundo semestre deste ano.
Com a decisão, o BC manteve a Selic a um patamar 11,75 pontos acima da mínima histórica de 2% ao ano, atingida em meio à pandemia de Covid-19 e que vigorou até março de 2021. A taxa básica segue no nível mais alto desde janeiro de 2017, quando também estava em 13,75% ao ano.
O primeiro encontro do Copom após uma troca de governo com um Banco Central formalmente autônomo ocorreu após críticas de Lula à condução da política monetária e em meio a um ambiente de alta nas expectativas para a inflação e piora nas projeções para a taxa básica de juros.
A opção pela manutenção da Selic ocorreu horas após o Banco Central dos Estados Unidos ter anunciado uma elevação em sua meta de juros em 0,25 ponto percentual, além de prometer “aumentos contínuos” nos custos de empréstimos como parte de sua batalha ainda não resolvida contra a inflação.
Renda fixa segue atrativa
Na prática, a manutenção da Selic não muda os retornos da renda fixa, que continua sendo vista como uma modalidade atrativa. Veja quanto rendem as aplicações considerando a inflação prevista para 2023.
“Continuamos com visão positiva para a renda fixa de maneira geral, visto que as taxas de juros permanecem elevadas e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) continua a ser um tema de monitoramento”, afirmaram Camilla Dolle, Mayara Rodrigues e Natalia Moura, analistas de renda fixa da XP Investimentos, em relatório.
Brasil no topo dos juros reais
Segundo levantamento da Infiity Asset com a MoneyYou, com a Selic mantida mais uma vez em 13,75%, o Brasil segue na 1ª colocação no ranking mundial de juros reais, preservando o pódio pela 4ª reunião consecutiva e acima de México, Chile, Colômbia e Hong Kong.
O estudo levou em conta uma combinação de inflação projetada para os próximos 12 meses, via coleta do relatório Focus, de 5,75%, e a taxa de juros DI a mercado dos próximos 12 meses no vencimento mais líquido (Jan 24).
“O Brasil mantém a 1ª colocação, em qualquer cenário, seja de alta de juros de 0,75, ou de 25 pontos-base. Em termos nominais, mantemos a 2ª colocação, abaixo da Argentina e acima de Hungria, Colômbia e Chile”, diz o relatório.
Fed elevou juros em 0,25 ponto percentual
O Federal Reserve (Fed), Banco Central dos Estados Unidos, decidiu nesta quarta-feira (1) elevar a taxa básica de juros do país em 0,25 ponto percentual – passando de um intervalo entre 4,25% e 4,5% para a faixa entre 4,5% e 4,75% ao ano.
Com isso, o Fomc reduziu o ritmo de alta dos juros americanos, visto que, na reunião de dezembro, havia decidido por um aperto monetário de 0,5 ponto percentual.
Mesmo com a desaceleração dos preços dos produtos e serviços na principal economia norte-americana, o Fomc disse que ainda continuará com os aumentos da taxa básica de juros até retornar a meta de 2% da inflação.
*Com informações da Reuters
Veja também
- Dólar mais barato, real mais caro: como a nova direção dos juros afeta a sua vida
- Lula não percebeu que inflação castiga mais do que a Selic, diz Zeina Latif
- Dólar volta a subir após declarações de Lula
- Haddad diz que governo vai superar ‘qualquer que seja’ decisão do Copom
- Copom: voto unânime na Selic em 10,5% pode embaralhar sucessão do BC