Economia
Além de inflação, crise na Rússia também pode impactar o Brasil pelo agronegócio
Preocupações são sobre fertilizantes e incertezas no mercado de carne.
Em meio a uma sequência de sanções do Ocidente pela invasão da Ucrânia, a economia da Rússia se encontra em situação cada vez mais incerta. Entre os impactos para o Brasil, além das preocupações sobre a inflação, o agronegócio deve ser um dos setores mais afetados, especialmente pela dependência de fertilizantes russos e pelos riscos no mercado de carnes.
Especialistas apontam que o possível impacto das sanções à Rússia para o agronegócio do Brasil tem dois pontos principais. O primeiro é que o Brasil é bastante dependente dos fertilizantes vendidos pela Rússia. No ano passado, 23% de toda a importação de fertilizantes veio dos russos, segundo dados do Ministério da Economia. O segundo colocado foi a China, com 14%.
O segundo ponto é o conjunto de incertezas sobre um mercado importante para as exportações brasileiras: o de carnes. Apesar de a Rússia não estar entre os principais compradores da carne brasileira (foi destino de 2,4% das exportações de carne de aves do Brasil em 2021 e de 1,5% da bovina), o país é um dos principais fornecedores mundiais de milho, bastante utilizado na fabricação de ração de gado.
“Com o país em guerra, a oferta de milho diminui. Com a diminuição da oferta, o preço sobe”, explica Rob Correa, analista de investimentos CNPI, acrescentando que o impacto sobre a produção na Ucrânia, grande produtora de milho, também pesa.
“O trigo também é prejudicado. Rússia e Ucrânia juntas são responsáveis por 17% do milho do mundo e 28% do trigo do mundo, ou seja, são commodities muito importantes para o Brasil”, acrescenta Correa.
Em relatório, a XP comentou que “com as commodities agrícolas próximas de patamares recordes e inúmeras preocupações com o aumento dos preços de fertilizantes, sobretudo após anos seguidos de clima adverso limitando o aumento da oferta para a maioria dos produtos, as notícias sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia chegam em um momento muito sensível para o setor agrícola”.
“Juntas, Rússia e Ucrânia respondem por 17% das exportações mundiais de milho e 28% das exportações de trigo, motivo suficiente para justificar a alta dos preços no mercado futuro dessas commodities, com repercussões na soja, óleos vegetais, entre outros”, aponta a XP.
“Se você tem um insumo mais caro para produzir alimentos, por exemplo, eles ficam mais caros”, complementa Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Magement, sobre os efeitos nos preços.
Leandro Vasconcellos, head da mesa de alocação alta renda e sócio da BRA, chama atenção para outro fator de risco ao agronegócio brasileiro: “fechamento do mercado russo para a exportação de proteína animal”.
“Fomos surpreendidos com a notícia de que as mega carriers como MSC, Maersk e Hapag-Lloyd, que transportam 60% do comércio global, decidiram voluntariamente não operar mais em portos russos. Isso certamente trará impactos para os exportadores de carne bovina e suína, posto que em novembro de 2021 a Rússia assinou com o Brasil um acordo para fornecimento de carne bovina e suína com cota semestral de 300 mil toneladas”, diz Vasconcellos.
O que o Brasil vende para a Rússia
Em 2021, as exportações do Brasil para a Rússia cresceram mais de 4%, mas ainda representam um percentual muito pequeno do total de produtos brasileiros vendidos para fora: 0,6%. A Rússia é o 36º maior parceiro comercial do Brasil pelo lado das exportações.
O produto com maior participação nas exportações para a Rússia é a soja, que representou 22% de tudo que o Brasil vendeu para os russos em 2021. Em seguida veio a carne de aves, com 11%. No entanto, olhando para o total de soja e carne de aves exportados pelo Brasil no mesmo ano, a participação do mercado russo como destino desses produtos foi de apenas 0,89% e 2,4%, respectivamente.
Já analisando a representatividade russa entre os produtos vendidos pelo Brasil, o principal destaque é o setor de amendoim. Em 2021, 39% de todo o amendoim exportado pelo Brasil foi para a Rússia. O segundo maior destino foi a Argélia, com 16%, seguido por Holanda, com 9,3%, e Ucrânia, com 8,8%.
Isso significa que, para os exportadores de amendoim, a guerra representa um risco importante, já que quase metade de todo o produto vendido por produtores brasileiros para fora vai para Rússia e Ucrânia.
O que o Brasil compra da Ucrânia
Se a participação da Rússia entre as exportações brasileiras é baixa, do lado das importações há uma relevância maior. A Rússia foi o 6º país no ranking de importações brasileiras em 2021.
O número foi puxado pelos US$ 3,5 bilhões em adubos e fertilizantes importados da Rússia no ano passado. A Rússia é o maior fornecedor desse produto ao mercado brasileiro.
Outro item importante é o carvão. Em 2021, foram US$ 480 milhões em carvão russo comprado pelo Brasil, o que representa 17% das importações desse produto. A Rússia é o 4º maior fornecedor de carvão para o Brasil.
Ações brasileiras x crise na Rússia
Na bolsa de valores, os investidores devem sentir o reflexo dos impactos da crise na Rússia ao agronegócio brasileiro.
“A pressão de custos afetará os agricultores em todo o mundo, mas os países com custo estrutural de produção mais baixo devem sofrer menos e podem capturar preços de venda mais altos, por isso continuamos otimistas com nomes como BrasilAgro (AGRO3), São Martinho (SMTO3), Jalles Machado (JALL3)”, diz a XP em relatório.
Frigoríficos, principalmente os mais focados em aves e suínos, como BRF (BRFS3) e Seara (JBSS3), devem ser impactados negativamente, mas, devido à sua diversificação geográfica, a visão sobre a JBS é mista”, diz ainda a XP.
O analista Rob Correa afirma que “BRF, JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3) são empresas que tendem a ser prejudicadas nesse cenário, mas também podem se beneficiar.”
“A Ucrânia é exportadora líquida da ordem de 300 mil toneladas de frango. É muito menos que o Brasil, mas o país do Leste Europeu exporta, principalmente, para a Arábia Saudita. E o Brasil poderia capturar um pedaço dessa oferta ucraniana que entra na Arábia Saudita, o que é positivo. Por outro lado, o aumento do preço do milho, usado nas rações de animais, tende a trazer prejuízo para essas empresas, que ficam com a margem menor”, analisa ele.
O analista aponta que “outras empresas que tendem a ser prejudicadas são a SLC Agrícola (SLCE3) e BrasilAgro”. “O aumento do preço dos grãos é até benéfico para essas empresas, mas o aumento dos fertilizantes pode prejudicá-las. O lado bom é que as empresas compram fertilizantes com bastante antecedência. No curto prazo, ganham mais receita. Mas no médio prazo, acabam sendo impactadas pelo custo dos fertilizantes.”
“A M Dias Branco (MDIA3) é outra empresa prejudicada, já que o custo do trigo compõe quase metade dos gastos da empresa”, acrescenta o analista.
Ainda entre as ações que devem ser prejudicadas, Correa cita a Ambev (ABEV3). “10% do custo de produtos vendidos estão relacionados com o preço do milho e trigo. Essas commodities têm fator crucial na composição de preços da Ambev, e quaisquer aumentos podem afetar a lucratividade da companhia. O dado positivo é que a Ambev estaria protegida desses custos mais altos até o fim de 2022.”