Como o Brasil está criando vagas de emprego e batendo recordes de desemprego ao mesmo tempo? Apesar de parecer um contrassenso, a pergunta surge das tendências diferentes mostradas nos últimos meses pelas principais pesquisas sobre o mercado de trabalho do país: o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
A pesquisa mais recente do Caged foi divulgada em março pelo Ministério da Economia, com dados referentes a fevereiro. Segundo o governo, o país criou 401 mil vagas no mês, o melhor resultado para fevereiro em 30 anos. Em plena pandemia, o primeiro bimestre de 2021 teve um saldo positivo de 659.780 vagas de trabalho com carteira assinada, ainda de acordo com o Caged.
Já a Pnad, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), mostra uma tendência oposta para o mercado de trabalho, com dados indicando um cenário mais negativo. A edição mais recente, divulgada também em março, mostra que o Brasil encerrou janeiro com taxa de desemprego de 14,2%, a maior já registrada desde o início da pesquisa, em 2012.
O primeiro ponto para analisar essa diferença é que, enquanto o Caged registra dados apenas do trabalho com carteira assinada, a Pnad monitora também a informalidade – que responde por uma parte relevante do mercado de trabalho.
De acordo com a pesquisa do IBGE, trabalhadores registrados são minoria no mercado. Em janeiro, segundo a Pnad, eram mais de 34 milhões de informais, pessoas trabalhando sem carteira ou por conta própria sem CNJP. O número é maior que a quantidade de empregados com carteira assinada, de 29,8 milhões de pessoas.
Há ainda outra questão importante: a mudança de metodologia do Caged a partir de 2020. Antes, a pesquisa monitorava informações sobre demissões e contratações obtidas diretamente com os empregadores. A partir de janeiro do ano passado, no entanto, passou a incluir dados do eSocial e do empregadorWeb – o sistema de registro de pedidos de seguro-desemprego.
“A gente vai ver que o Caged, primeiro, engloba uma categoria menor de trabalhadores, que são aqueles com carteira assinada. Segundo, teve uma mudança de metodologia que passou a incorporar os dados do e-Social que defasam e mascaram temporariamente o movimento de saldo de demissões e admissões”, afirma o economista Fábio Astrauskas, CEO da Siegen Consultoria e professor do Insper.
Astrauskas comenta ainda que “o eSocial é montado e por grupos de empresas, e nem todas ainda estão com obrigatoriedade de informação, principalmente quando a gente fala de desligamento”. “Então, há uma subestimação no número de desligamentos.”
Temporários e medida emergencial
O economista César Bergo, coordenador no Mackenzie e presidente do Conselho Regional de Economia em Brasília, cita ainda a inclusão de trabalhadores temporários como um fator que impactou para cima os números mais recentes do Caged.
Astrauskas também analisa essa questão. “No Caged, pela metodologia antiga, não entravam os trabalhos temporários. No eSocial, que é a nova metodologia, entram os trabalhos temporários. Isso ajuda a explicar uma parte desse número tão bonito que a gente viu em janeiro e fevereiro de geração de empregos.”
Bergo acrescenta outro ponto: o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego (BEm), lançado pelo governo na pandemia e que permitiu redução de salários e jornadas para evitar demissões. “Muitos empregados ficaram recebendo seguro-desemprego e agora em janeiro retornaram. Isso acabou inflando um pouco o número de janeiro”, comenta.
Pnad ou Caged: qual é mais preciso?
O economista avalia que, comparando as duas pesquisas, é possível dizer que “a Pnad vai mostrar um cenário mais próximo da realidade” que o Caged. “Na Pnad, você tem um retrato não só do mercado de trabalho, mas das pessoas eu procuram também. Tem a fotografia dos desempregados e dos desalentados, que são as pessoas que desistiram de procurar emprego pela questão da pandemia. Isso tem que ser levado em consideração.”
O número de desalentados (pessoas que desistiram de procurar emprego) em janeiro era de 5,9 milhões de pessoas, segundo a Pnad. Pela metodologia do IBGE, essas pessoas não entram na taxa de desemprego, o que faz com que os economistas apontem que o problema da falta de trabalho possa ser ainda maior do que mostra o dado.
Além disso, a pesquisa monitora outras situações classificadas como subutilização do trabalho, como pessoas que trabalham menos de 40 horas por semana ou que poderiam estar ocupadas e não estão por motivos variados. Em janeiro, o número de subutilizados ficou em 32,4 milhões de pessoas.
Considerando os dados trazidos pelas duas pesquisas, Astrauskas opina que “a situação de emprego a Pnad retrata bem melhor que o Caged neste momento”.
Sobre a geração de empregos registrada pelo Caged em plena crise da pandemia, ele diz: “É difícil imaginar, parece um contrassenso. Está surgindo emprego e as empresas estão todas fechadas? De onde vem isso? De onde vem o milagre? Para onde não estamos olhando? Na verdade, não é que não estamos olhando. Os dados não estão chegando da maneira redonda para fazer estatística.”