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Economia

Dólar mais barato, real mais caro: como a nova direção dos juros afeta a sua vida

Entenda por que os juros nos EUA caem, enquanto os nossos sobem. E o que isso significa para o seu bolso

O dinheiro é a matéria-prima dos bancos. Os juros são o preço do dinheiro. E nesta quarta, em duas canetadas, o dólar ficou mais barato e o real, mais caro – dois fatos que, de um jeito ou de outro, mexem com a vida de todos os brasileiros.

Siga aqui para entender o que tudo isso significa.  

Bom, como você viu no noticiário todo, tivemos a primeira alta na Selic desde agosto de 2022 – de 10,50% para 10,75%. Nos EUA, a primeira queda nos juros do Fed desde março de 2020 – de 5,50%, o maior patamar em duas décadas, para 5%.

O efeito mais claro de tudo isso para o seu bolso é o seguinte: na ausência de surpresas negativas, o dólar tende a ficar mais barato. Tanto que a moeda americana entrou em queda livre às 15h, logo que o Fed anunciou seu corte.

Juros menores nos EUA significam juros mais baixos nos títulos públicos de lá. Esses papeis servem de poupança para grandes investidores do mundo todo, inclusive os do Brasil. E o pessoal precisa de dólares para comprar esses ativos. Com os títulos americanos pagando menos, então, a demanda por dólares diminui. E a cotação dele cai – pois dólar é igual tomate; se tiver oferta demais e demanda de menos, o preço desce. 

Com o dólar mais barato, o preço dos importados cai. E não estamos falando só de vinho, mas também de itens básicos. O exemplo mais clássico é o pão, já que boa parte do nosso trigo é importado.

A moeda americana mais fraca também arrefece os preços daquilo que produzimos por aqui mesmo. Quem produz açúcar ou carne, por exemplo, vai cobrar no mercado nacional o mesmo que cobra no mercado internacional. De outra forma, seria melhor exportar tudo de uma vez.

Num cenário em que uma mesma quantidade de dólares significa uma quantidade menor de reais, esse parâmetro muda. E a tendência é que os preços em reais caiam por aqui. Tudo isso ajuda a reduzir a inflação. 

Juros altos existem para derrubar a inflação. Se o banco central dos EUA colaborou involuntariamente para diminuir a pressão inflacionária daqui, por que, então, o Banco Central do Brasil não aproveitou para reduzir os nossos juros – ou ao menos mantê-los onde estavam? 

Para entender isso, e saber de forma mais profunda como os juros afetam a sua vida, vale voltar a uma definição básica, essencial: o que são os juros.

O poder mágico do BC 

Juro de banco central controla o suprimento de dinheiro na economia. Baixou esse juro, começa a circular mais moeda. Aumentou, o volume diminui (ou, no mínimo, cresce de forma menos acelerada). 

Isso acontece porque bancos centrais têm um poder mágico: produzem dinheiro do nada. Se o BC entende que a economia precisa de uma força (porque os índices de desemprego estão aumentando, por exemplo), eles emitem dinheiro novo e emprestam para os bancos a juros mais baixos – o mecanismo para valer é um pouco mais complexo, mas essa síntese basta para dar o panorama. 

LEIA MAIS: A bomba da dívida americana. E os estilhaços dela no Brasil

Os bancos normais, então, pegam esse dinheiro novo e emprestam na praça; também a juros mais baixos, pois pagaram menos ao BC por sua matéria prima.

Empresas passam a ter mais acesso a capital. Contratam mais (ou demitem menos). Aumentam salários. Com mais gente ganhando mais dinheiro o consumo cresce. As empresas ganham mais. Contratam mais gente… E o processo se retroalimenta, num círculo virtuoso.

Um ambiente de baixa nos juros, então, afeta sua vida trazendo mais possibilidades de emprego, mais chances de aumentar seu salário, mais facilidade para financiar um apartamento novo. Legal. E isso leva à seguinte pergunta:

Por que diabos não deixar os juros baixos para sempre?

Porque chega uma hora em que o parafuso espana. Juros baixos demais por tempo demais criam um problema. Chega uma hora em que a quantidade de dinheiro em circulação supera a capacidade que a indústria tem de produzir coisas a serem compradas com esse dinheiro. Aí os preços entram em leilão. Sobem. 

Idem para os preços dos serviços. Se tem fila na porta da manicure e não houve tempo de treinar mais funcionárias, o salão só vai atender a quem pagar mais, ou seja, vai aumentar os preços. Quando todos os agentes da economia fazem como a manicure, o que temos é inflação.  

Inflação corroi o valor da moeda. Você passa a ganhar mais, só que os preços de tudo sobem com mais velocidade. No fim, você fica mais pobre. Todo mundo fica mais pobre. E o país começa a tender à miséria – é o que aconteceu nos Brasil dos anos 1980 e na Argentina dos anos 2020. 

Juros muito baixos por muito tempo, em suma, podem destruir uma nação.

Para evitar esse destino soturno, então, o banco central vira a chave: aumenta os juros. Em outras palavras: em vez de emprestar dinheiro para os bancos, começa a tomar emprestado deles. Não porque precisa de dinheiro. É só para que passe a circular menos moeda na economia. E se algum banco precisar de um empréstimo direto do BC, a autarquia vai exigir juros mais altos.  

Tudo isso torna o dinheiro um item mais raro. Os bancos vão cobrar mais para emprestar na praça, já que a matéria-prima deles se tornou mais escassa.  

Essa seca de dinheiro reduz a atividade econômica. As empresas ficam com menos capital de giro. O desemprego cresce. A manicure vê o salão dar uma esvaziada…

Mas tudo isso vem com um efeito colateral interessante para todos: as altas nos preços desaceleram.

Bancos centrais sempre têm alguma meta de inflação para buscar. No Brasil, 3% ao ano. Nos EUA, 2%. Quando os índices de preços começam a convergir claramente em direção à meta, tudo certo. O banco central fica livre para cortar sua taxa de novo, com todas as benesses que isso traz.  

Mas países distintos exigem filosofias monetárias diferentes. Vamos a elas.

5,00% versus 10,75% 

Países desenvolvidos suportam juros mais baixos sem que o parafuso espane tão cedo. Eles têm economias ágeis, capazes de produzir bens e serviços com mais velocidade – sejam mais máquinas para a indústria, sejam mais unhas pintadas nos salões. 

Os preços dos produtos e serviços nesses países, então, demoram mais a subir quando seus bancos centrais abrem a torneira de dinheiro. A oferta tem um fôlego extra para segurar a bronca da demanda.

Por isso que 5% é um juro alto nos EUA. O natural é que eles mantenham a inflação sob controle com bem menos do que isso. No Brasil, não: 5% seria um patamar historicamente baixo. Nossa produtividade não é tão exuberante. Enquanto esse problema não for resolvido, vamos precisar de juros mais altos para conter a inflação.   

Para entender melhor as diferenças entre Brasil e Estados Unidos, vale revisitar brevemente o que trouxe os dois países até a situação atual, com juros fora da curva. 

Um conto de dois bancos centrais

Em março de 2020, o banco central dos EUA viu nuvens cinza-chumbo no horizonte: a pandemia. Ela já estava destruindo a geração de empregos, então resolveram derrubar os juros. Em 15 dias, cortaram de 1,75% para 0,25%. Um caminhão de 1,5 ponto percentual.

A economia reagiu bem. Com o tempo, o desemprego caiu com força. Mas a praça ficou afogada em dinheiro. Em março de 2020, havia US$ 15,9 trilhões circulando na economia americana. Dois anos depois, US$ 21,7 trilhões. 36% a mais. 

Não foram só os juros. Um aumento brutal nos gastos públicos, também para reavivar a economia, colocou toneladas de dólares a mais em circulação. 

E a inflação veio. Chegaria a 9,1% em junho de 2022 – a maior em 41 anos.

Hora de aumentar os juros, então. E o Fed fez isso, até chegar ao pico de 5,5%, que vigorou por 14 meses. A inflação foi domada. Caiu a 2,9% e segue demonstrando fraqueza – o bastante para em algum momento chegar à meta deles, de 2%. 

No Brasil foi a mesma coisa, com a diferença de que os juros começaram a subir mais cedo lá atrás; e a cair antes também – nosso corte inicial veio no já longínquo 2 de agosto de 2023. 

A Selic saiu de escorchantes 13,75% para 10,5% – um patamar ainda alto (inclusive para os nossos padrões). A inflação cedeu, do pico de 12,1% em abril de 2022 para os 4,2% de agora. 

Não está longe da nossa meta, de 3%. Mas temos dois problemas. De um lado, a inflação dos serviços mostra uma resistência maior. Está em 5,2%. Ela deveria ter respondido melhor à saraivada de juros altos dos últimos anos. Não rolou. E enquanto a inflação dos serviços não cair com força, a meta não vai vir.

O que nos leva ao segundo problema: os gastos públicos passam por uma alta histórica no Brasil – com o governo torrando mais do que arrecada em níveis não vistos desde a pandemia. 

Aí complica. De um lado, o BC busca drenar dinheiro da praça com juros de dois dígitos. De outro, o governo joga bilhões de reais extras na economia, dando vitamina para os preços – daí a resiliência estoica da inflação de serviços. E aí o Banco Central precisa reagir. Como? Jogando a Selic para o alto novamente. 

Paciência.

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