E o que mudaria se nossa tarifa para os importados dos EUA caísse a zero? É sobre esse recorte do imbróglio tarifário que vamos tratar aqui.
Em termos de valor, 47% do que importamos dos EUA já não paga imposto de importação. Mais sobre esse assunto adiante, mas o fato é que esses não são bens de consumo – estamos falando em gasolina, diesel, gás natural, peças de aeronaves.
Boa parte das coisas do dia a dia, tipo roupa, calçado, carro, fica na tarifa máxima, de 35% (nota: aquela de 60%, mais presente nas nossas vidas, é para compras pessoais, pela internet; na importação comercial vale o teto do Mercosul, 35%).
Vamos começar pelos automóveis. A Ford deixou de fabricar no Brasil. Hoje ela opera como uma importadora. O plot twist, para quem não acompanha o mercado automotivo, é que a maior parte dos carros dela vem do México e da Argentina.
E aí a tarifa já é zero. Com o México, por conta de um acordo que isenta automóveis de imposto de importação; com a Argentina, por ela fazer parte do Mercosul. Ou seja: não muda nada no caso de modelos como o Bronco (feito no México) ou a Ranger (Argentina).
Mas muda no caso do Mustang. Ele é fabricado nos EUA. E mesmo com o imposto cheio, vende bem no Brasil. O Mustang é o segundo esportivo premium mais vendido aqui, com 300 unidades no primeiro semestre de 2025 (20% desse mercado). O carro da Ford só perde para o Porsche 911 (444 unidades e 30% do mercado).
Com o imposto de importação mais a jornada pelo nosso labirinto tarifário (IPI, PIS, Cofins…), ele chega às concessionárias por R$ 549 mil.
Numa realidade sem o imposto de importação, e a mesma margem de revenda, o valor dele cairia para algo próximo de R$ 420 mil – um corte de quase 25% no preço final; R$ 132 mil a menos.
Veja aqui as contas, linha por linha:
Não dá para cravar uma porcentagem exata de “desconto” para todo tipo de produto, porque os impostos brasileiros são em cascata: o de importação entra para a base de cálculo do IPI, que varia de item para item, e os dois compõem a base do ICMS, que muda de Estado para Estado.
Aí é cada um no seu quadrado tributário. Mas faz sentido esperar algo perto de 25%, como no caso do Mustang.
Mas isso não significa que seríamos banhados por um tsunami de produtos mais baratos. Fabrica-se relativamente pouco nos EUA. O forte ali são os serviços; Google, Microsoft, Meta, Amazon e cia que o digam. O próprio exemplo da Ford deixa claro. Como qualquer montadora americana, ela mantém os escritórios centrais nos EUA e delega boa parte da produção a países com mão de obra mais barata e incentivos fiscais mais generosos.
No mundo das roupas e calçados, idem, claro. Levi’s, Timberland, Nike e afins têm fábricas em vários países. Majoritariamente na Ásia, e algumas no Brasil mesmo (caso da Levi’s). Aí nada muda com uma tarifa zero para os Estados Unidos. Também seria difícil ver peças feitas nos Estados Unidos aportando por aqui. A Nike, por exemplo, tem alguma produção em seu país natal. Mas a demanda do mercado americano garante basicamente todas as vendas.
Gasolina, diesel e gás
Agora, de volta às coisas que mais pesam na balança comercial EUA-Brasil, e que já são tarifa zero. O grosso são ítens de “segurança energética” – aqueles que o Brasil não pode ficar sem, sob a pena de instauração do caos: gasolina, diesel e gás, como dissemos.
O Brasil é exportador líquido de Petróleo – vende mais do que consome. Poderia fazer parte da Opep+, se quisesse. Mas é ruim no refino. O tanto que as nossas refinarias produzem de gasolina e diesel não dão conta da demanda.
Em 2024, 21% do diesel queimado nos caminhões e 6% da gasolina dos carros vieram do exterior. Os EUA venderam 3,6% do diesel consumido aqui e 0,5% da gasolina. Pouco – a Rússia se tornou o maior fornecedor do país (14% do diesel e 1,8% da gasolina dos nossos postos nasceram no país de Putin).
Levando em conta o acordo de Trump com a União Europeia, provavelmente entraria na mesa um aumento nas porcentagens americanas – a UE, afinal, se comprometeu a comprar centenas de bilhões de dólares em derivados de petróleo dos EUA para fechar seu acordo.
Muito mais relevante, de qualquer forma, é a participação dos Estados Unidos no fornecimento de gás natural. Dos 60 milhões de metros cúbicos por dia que o Brasil queimou em 2024 (nas termelétricas, fábricas e fogões), 5,1 milhões vieram dos EUA (8,5%).
O chato é que se trata da forma mais cara de gás natural, o liquefeito (GNL), que chega de navio. Precisamos dele porque a produção local e aquilo que chega via gasoduto, da Bolívia e da Argentina, não segura a demanda.
Há vários projetos para diminuir nossa dependência de GNL importado – como produzir mais biometano (o gás natural renovável) e construir mais gasodutos para trazer gás da Argentina (que só começou a exportar recentemente).
Um eventual acordo com os EUA pode atrapalhar esses planos, já que provavelmente envolveria cotas de importação de GNL (igual aconteceu no caso da União Europeia).
O déficit na aviação
Olhando para a tabela de exportações dos EUA, aqui em cima, o outro ítem que grita depois de combustíveis é o de aeronaves. Foram US$ 8 bilhões em exportações de aviões e peças de aeronáutica para o Brasil, com tarifa zero.
Trata-se de uma regra universal: a praxe dos países é não cobrar impostos nessa área, já que a produção de qualquer aeronave precisa de um enorme vai e vem internacional de peças e partes de fuselagem.
Por exemplo: das exportações americanas para o Brasil nesse setor, estão motores da GE e da Pratt & Whitney que vão nos aviões da Embraer – aeronaves que depois rumam, em grande parte, para o mercado americano.
Por outro lado, o tanto que mandamos para os Estados Unidos em aviões e peças deu só US$ 2,7 bilhões no ano passado. Veja aqui:
Ou seja, o déficit aí é enorme, mesmo com a Embraer sendo tão bem-sucedida em exportações. Mais uma evidência de que não há razão econômica para a imposição das tarifas.
E o restante da tabela conta a história sozinho. Café, celulose, carne, açúcar, aço… Uma tarifa geral de 50% arrasaria empresas brasileiras que vivem de exportar para os EUA. Obviamente, um trade off desproporcional a um Mustang menos caro.
Agora é ver o que nos aguarda do dia 1º de agosto em diante.