Desde o início da guerra na Ucrânia, que completou seis meses na quarta-feira (24), mais de 6,8 milhões de pessoas se refugiaram da zona bombardeada para outros países da Europa, de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Especialistas explicam que esse movimento gera forte impacto econômico para o território ucraniano e que não há perspectivas de solução no curto prazo. Na verdade, pode demorar até uma década.
Para Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, essa evasão de pessoas da Ucrânia afeta significativamente os índices de crescimento e produção do país, o que tende a provocar diminuição de demandas no curto e médio prazo e, consequentemente, afetar a oferta e o consumo de produtos produzidos e utilizados no país. Ou seja, há quebra na cadeia produtiva e baixo crescimento interno.
Além disso, segundo ele, isso trará reflexos no longo prazo. “Toda essa instabilidade e expectativa menor de consumo pode afastar novos investimentos no país por parte dos investidores estrangeiros e dos empresários locais, pois tudo que o capital de investimento não gosta é da insegurança sobre o retorno futuro”, comenta.
Já Ahmed El Khatib, coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), explica que o cenário de destruição nas principais áreas de logística do país é um dos fatores que mais prejudica o processo de exportação, que era o que sustentava, basicamente, a economia ucraniana.
Ele ainda acrescenta que “com isso tudo destruído, não faz sentido que as pessoas retornem para reconstruir seus caminhos, suas vidas. Não é um cenário favorável para que os imigrantes retornem. Na ausência de segurança, eles preferem ficar em outros países”, o que é ainda mais prejudicial para o crescimento da economia local.
Alves, da Ação Brasil Investimentos, acredita que quando a guerra acabar “a Ucrânia vai passar por um período de reconstrução, muito provavelmente ajudada e financiada pelas principais economias da Europa, o que levará tempo e, principalmente, representará um grande atraso aos grandes avanços que ela veio conquistando ao longo dos últimos anos”.
Para ele, o país precisará “ofertar muitos incentivos para atrair novamente capital, principalmente o estrangeiro” e que só assim conseguirá se reerguer nesta década. Caso contrário, a Ucrânia lembrará mais um “país da antiga União Soviética, como já foi. Só que agora não como um dos mais ricos e sim como um país que dependerá do investidor estrangeiro, o que a longo prazo não deve ser a única opção para um país que busca se reconstruir”.
Do mesmo modo, El Khatib, da FECAP, menciona que, pensando num resgate à normalidade, talvez a Ucrânia precise de alguns anos ou até uma década para isso acontecer.
“Eu acredito que os próximos passos sejam captar recursos para reconstrução do país… E em um segundo momento trazer de volta esses imigrantes, se é que eles vão ter interesse de retornar ao país por conta da instabilidade”, comenta.
O que acontece com as economias que recebem refugiados da Ucrânia?
De acordo com a ACNUR, 44 países da Europa receberam refugiados ucranianos. Hungria, Polônia, República da Moldávia, Romênia e Eslováquia foram os principais a abrigarem os imigrantes.
Para as economias que “abriram as portas”, segundo Alves, da Ação Brasil Investimentos, um dos principais impactos é no mercado de trabalho. Isso por causa do aumento da oferta de mão de obra – o que pode elevar a capacidade de produção do país, mas pode trazer uma competição com o trabalhador local por vagas não tão qualificadas.
Além dessa questão econômica, para ele há outros pontos que afetam as nações. “Por mais que os países aceitem receber imigrantes – a fim de ajudar a aliviar as consequências da guerra –, tem o fato de que isso está afetando o bom funcionamento desses territórios em relação à qualidade de vida, olhando do ponto de vista de transporte, saúde, limpeza pública, emprego e renda”.
El Khatib, da FECAP, sinaliza que, quando os países aceitam receber imigrantes, de certa forma precisam se preparar para isso, o que quer dizer que há uma destinação de renda para os casos. Portanto, decisões orçamentárias devem ser tomadas, o que às vezes pode ser mais simples e outras vezes não.
Quando o conflito irá acabar?
“Na situação atual, alguém terá que ceder para que essa guerra não se prolongue por anos e anos, como acontece no Oriente Médio, e cause ainda mais destruição, não só econômica, mas social. Ao que tudo indica, nenhum dos lados pretende ceder agora, então é palpável imaginar que esse conflito se prolongue até 2023, pelo menos”, é o que diz Alves, da Ação Brasil Investimentos.
Para ele, a maior preocupação da continuidade da guerra, pensando na economia global, ainda é a influência da alta dos preços das commodities, que novamente podem causar um grande alvoroço de inflação no mundo, como causaram logo no começo da guerra.
“Caso isso aconteça, o mundo todo se verá ainda mais pressionado para ajudar a tentar solucionar esse conflito, face o risco do aumento de juros que ainda está sendo feito pelas principais economias do mundo, que tem que ser mantido por um período ainda maior, o que geraria uma recessão prolongada, que poderia desencadear uma depressão econômica. Não é o cenário base, mas é algo que o investidor deve ter no radar”, pontua.
Já El Khatib, da FECAP, comenta que não acredita que haverá uma saída pacífica para esse conflito. “Há um interesse muito forte da Rússia em permanecer em território ucraniano… pensando numa normalidade onde, por exemplo, a Ucrânia ceda às ascensões russas, eu imagino que haverá uma nova ordem interna. Ou seja, uma migração de exportação direcionando recursos mais para Rússia do que para outros países, que haja um efeito na economia sobre o que pensa o presidente russo”.
Quem são as pessoas que saíram da Ucrânia?
Uma pesquisa da ACNUR, realizada em sete países da Europa que receberam refugiados da Ucrânia, com pouco mais de 23 mil entrevistados, divulgou o perfil das pessoas que migraram da região atacada.
Dos respondentes, 99% tinham nacionalidade ucraniana, 86% eram mulheres, 45% estavam na faixa etária de 35 a 59 anos, 47% tinham ensino superior e 81% estavam empregados antes de sair do país.
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