Uma das principais pautas nas assembleias legislativas há um ano, a reforma da Previdência dos servidores estaduais foi ofuscada pela pandemia do novo coronavírus e perdeu força ao longo de 2020. Nove estados e o Distrito Federal não avançaram além do mínimo exigido pela União para continuar a receber repasses voluntários. Os governos alegam descompasso entre a pauta e a situação econômica, já que tiveram que manter como prioridade as medidas de controle da crise sanitária.
Em Roraima, a Assembleia não votou qualquer mudança no regime previdenciário em 2020 e corre risco de deixar de receber verba da União. Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina e Tocantins se restringiram a mudanças nas regras de contribuição.
A reforma da Previdência federal determina que os servidores devem pagar uma alíquota de 14%, ou variável de acordo com a faixa salarial, entre 7,5% e 22%. Em alguns estados, como o Rio, leis prévias já estabeleciam o mínimo de 14% na alíquota, então não foi necessária alteração no regime.
O subsecretário de Regimes Próprios de Previdência Social, Allex Albert Rodrigues, chama atenção para a “janela de oportunidades” que se abre em 2021 para a aprovação desse tipo de reforma. “É uma situação ‘precificada’. Já se sabe que vai haver (reforma), que ela é inevitável, e que se o estado de uma pessoa não fez, o vizinho já concluiu ou está quase”, disse.
O saldo de 2020, entretanto, foi mais positivo do que negativo, do ponto de vista da secretaria, considerando o ano atípico. “A pandemia pegou a todos de surpresa: cidadãos, entes federativos, órgãos. Mas mesmo em um ano tão complexo, a reforma seguiu na maioria dos estados e 17 deles concluíram por completo”, afirma.
Essa é a justificativa do governo do Amazonas, um dos primeiros a aprovar a elevação da alíquota, de 11% para 14%, em dezembro de 2019. Uma reforma mais robusta, porém, não foi proposta. O Amazonprev diz em nota que a pandemia teve “impacto direto” no fundo previdenciário. Além disso, a entidade afirma que, após realizar um estudo, não viu necessidade de mudar a idade mínima para aposentadoria.
Impopular
A dificuldade em avançar está ligada também à impopularidade da pauta. No Amapá, a PEC que propunha mudanças no tempo de contribuição foi apresentada à Assembleia pelo governo de Waldez Góes (PDT) em agosto, mas foi recebida com protestos por servidores. A matéria foi retirada da pauta. A Casa, porém, aprovou lei complementar no final de setembro que alterava o regime de contribuição. Procurado, o governo não respondeu.
Para o subsecretário de Regimes Próprios de Previdência Social, Allex Albert Rodrigues, o custo é alto por mexer com direitos de uma categoria importante, e historicamente bem organizada e fortalecida, que é a do funcionalismo. “Falamos sempre do ponto de vista fiscal, das finanças públicas, que a emenda trata da necessidade de o ente federativo investir os recursos e, ao mesmo tempo, que os servidores tenham também um tratamento mais próximo da iniciativa privada.”
Rio e Santa Catarina ainda tiveram uma dificuldade a mais, que foram as crises políticas que resultaram no afastamento dos respectivos governadores. A Rioprevidência e o governo pretendem começar estudos para uma nova proposta de reforma. A expectativa é apresentar um estudo até março.
Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés (PSL) ficou afastado do cargo entre outubro e novembro de 2020, mas foi absolvido do processo de impeachment e voltou ao cargo. No estado, a alíquota de 14% já havia sido estabelecida em 2015. Em nota, o governo afirma que vai criar um grupo de trabalho para retomar a discussão, “de forma a cumprir o seu objetivo de trazer mais equilíbrio para a Previdência estadual no longo prazo”.
Roraima
Ainda cobrando a alíquota de 11%, o estado de Roraima é o único que deixou de adequar ao menos o seu regime de contribuição ao novo modelo estabelecido pela PEC 103/2019, que promoveu a reforma da Previdência federal. Roraima fechou o ano legislativo de 2020 ainda com projetos de lei e de emenda à Constituição em estudo pelo governo e pelo instituto de Previdência local (Iper). Com isso, o estado pode perder o acesso a repasses voluntários da União.
O presidente do Iper, José Haroldo Campos, afirma em nota que a pandemia “não permitiu que o assunto fosse amplamente debatido junto à sociedade e aos sindicatos”, impedindo também a realização de audiências públicas sobre o tema. “No momento que os servidores públicos estavam arriscando suas vidas no combate ao vírus, ficava difícil aprovar o tema”, diz.
Uma comissão especial deve ser criada na Assembleia Legislativa do estado. A medida anunciada pelo presidente da Casa, deputado Jalser Renier (Solidariedade) em 22 de dezembro garantiria, segundo ele, transparência e profundidade às discussões sobre a reforma.
A nota enviada pela Casa destaca ainda a tramitação de dois projetos de lei complementar que tratam do regime complementar para os servidores públicos titulares de cargos efetivos e da pensão por morte aos dependentes dos participantes do regime estadual.
De acordo com Campos, a expectativa é que uma nova proposta seja apresentada à Assembleia até julho deste ano.
Outros
Pernambuco é um dos estados que aprovaram alguma alteração no sistema previdenciário em 2019, mas no estado o restante da reforma não avançou. A secretaria de Administração diz que está criando um grupo para promover estudos relativos à Previdência com representantes do governo e dos servidores. “A política de gestão de pessoas praticada no estado de Pernambuco prevê o planejamento previdenciário sustentável, com foco na segurança jurídica e com eventuais ajustes que assegurem aos servidores o direito à aposentadoria.”
No Maranhão, o texto que previa a mudança de alíquota foi aprovado em novembro de 2019, poucos dias depois da reforma federal. Por lá, a taxa passou a variar entre 7,5% e 22%, de acordo com o salário do servidor. Procurado, o governo não respondeu se pretende avançar com as mudanças em 2021.
No Distrito Federal, a lei complementar que altera a alíquota de contribuição dos servidores distritais foi aprovada em junho. Em nota, o Iprev-DF, instituto previdenciário do Estado, diz que a lei buscou “assegurar saúde financeira necessária para o pagamento em dia de aposentados e pensionistas”.
No Tocantins, uma Medida Provisória de julho estabelecia a nova alíquota de 14% a tempo do primeiro prazo do Ministério da Economia se esgotar. A lei complementar foi aprovada em 16 de dezembro. O Igeprev-TO diz que a alíquota já vinha sendo aplicada desde novembro para 30 mil servidores ativos civis e 14 mil beneficiários inativos e pensionistas que recebem proventos com valor acima do teto.
Além de aprovar a nova alíquota em outubro de 2020, o governo de Rondônia promoveu mudanças também nas designações do instituto de Previdência (Iperon), que deixou de ser o responsável por pagar salário-maternidade e afastamento por incapacidade temporária. O governo diz que mudanças na concessão de benefícios estão previstas na PEC encaminhada ao Legislativo em junho, que ainda não foi apreciada pela Assembleia.