No dia em que o pacote de medidas fiscais fez os mercados financeiros tremerem, o futuro presidente do Banco Central e atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galipolo, se reuniu com um grupo de empresários de peso em São Paulo. E, como não podia deixar de ser, ouviu críticas – e uma espécie de desabafo – dos representantes de algumas das maiores corporações do país.
“Estamos ferrados”, disse Rubens Ometto, do grupo Cosan. O empresário já havia assumido no começo deste ano um tom bastante crítico à política fiscal – especialmente ao esforço arrecadatório do governo. E nesta quinta-feira (28), ele repetiu a dose. Disse que o aumento dos juros, provocado pelo nó fiscal, vai desencorajar os investimentos, inclusive os voltados para a infraestrutura – amplamente aguardados pelo governo.
O encontro com Galípolo foi promovido pela Esfera Brasil, e reuniu aproximadamente 50 empresários na casa de João Camargo, presidente da organização. Além de Ometto, compareceram nomes como Joesley Batista (J&F), Fabio Ermínio de Moraes (Votorantim Cimentos), Eugênio Mattar (Localiza), Carlos Jereissati (Iguatemi), Rui Chammas ( CTEEP) e André Esteves (BTG).
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A data para o jantar na casa de João Camargo já estava reservada há algumas semanas. Mas só foi confirmada na agenda do BC na quarta-feira, o dia do anúncio do pacote. E, dada a reação do mercado às medidas, o comparecimento de Galípolo foi quase um ato de coragem. Além da chuva torrencial que tornou ainda mais complicado o acesso ao bairro do Morumbi, local do evento, o diretor do BC, um dos quatro indicados pelo presidente Lula, teve de enfrentar uma plateia bastante descontente com as medidas anunciadas pelo governo. E, principalmente, com a reação dos ativos financeiros ao pacote.
Foram muitas as reclamações sobre o nível dos juros. Uma delas veio de Rubens Menin, presidente da MRV Investimentos, uma das líderes do mercado de construção de moradias populares. “As empresas têm um limite para aguentar [o juro alto]”, disse.
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O diretor do BC também foi instado a dar sua opinião sobre as medidas do governo e a reação do mercado. E também questionado sobre o grau de liberdade, ou autonomia, que o BC terá para responder a tudo isso – uma verdadeira saia justa para quem foi recém indicado para comandar o BC pelo presidente Lula.
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Galípolo não saiu do script. Bem humorado e recorrendo a algumas das metáforas que já viraram sua marca registrada, o diretor afirmou repetidamente que seu compromisso é cumprir a meta de inflação. Disse que o papel do BC é administrar o remédio amargo ao paciente, mas que é preciso simultaneamente identificar as causas da doença (inflação).
“A gente quer conviver com doses cavalares por décadas? Ou devemos tratar dos causadores da doença?”, afirmou. Mas em nenhum momento ele citou a política fiscal como sendo uma dessas causas
Galípolo se ateve ao discurso que já vem sendo dito há semanas por ele e por outros integrantes do BC: a economia está aquecida, e o mercado de trabalho, aquecido. A atividade cresce acima do equilíbrio. Com tudo isso, “é lógico supor que você vai precisar de uma taxa de juros mais contracionista para o mesmo impulso fiscal”, afirmou.
Mas o diretor do BC fez uma pequena concessão. Sem mencionar diretamente o pacote anunciado na quarta-feira (27) ou o impacto dele sobre o mercado, fez uma rápida defesa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Eu tenho convicção do empenho do meu amigo Fernando Haddad em endereçar esses temas. E se o Fernando se convence de que aquilo é certo para a sociedade, ele compra a briga e vai até o fim.”
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