A reação dos mercados financeiros à guerra comercial finalmente deflagrada por Donald Trump mostra que a euforia de outrora com os planos do republicano para estimular a economia local se foi. Agora, o que os analistas estão vendo é um cenário cheio de riscos, tanto para a inflação quanto para o desempenho das empresas e do crescimento econômico mundial.
Nesta terça-feira (04), as principais bolsas mundiais tiveram quedas expressivas: o S&P recuou 1,22%, o Dow Jones perdeu 1,55% , enquanto o Nasdaq teve queda de 0,35%. No Brasil, a bolsa estava fechada por causa do feriado do Carnaval. Mas papéis de empresas brasileiras negociados no exterior também caíram. O índice Dow Jones Brazil Titans 20 ADR, que reúne as principais empresas brasileiras listadas na B3 com ADRs nos EUA, teve queda de 0,56%, a 15.884 pontos, enquanto o EWZ, principal ETF brasileiro nos EUA e que replica o índice MSCI Brazil, caiu 0,87%, a 23,93 pontos.
Essa reação mostra que o mercado entendeu que a política protecionista pode ser um “tiro no pé” do presidente americano. Ou seja, em vez de aumentar a produção nacional, essa guerra tarifária pode atrapalhar a vida das empresas que têm sua produção super globalizada.
“O grau de integração que existe na manufatura americana com os vizinhos é grande, e é um fator de redução de custos e de subsistência de algumas indústrias”, explica Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice presidente do Banco Mundial.
Uma das mais atingidas é a automobilística, que traz de fora muitos dos componentes para a sua produção. Por isso, ao taxar os vizinhos, Trump está impondo um custo mais alto para essas indústrias. E a solução: aumentar o preço dos veículos ou tentar substituir esses componentes importados, o que pode resultar em perda de eficiência.
A produção de veículos automotores dos Estados Unidos é responsável por cerca de 2,5% do PIB real. segundo relatório do Citi, isso significa que mesmo uma interrupção, ainda que de curta duração, na cadeia de suprimentos pode reduzir um ponto percentual do crescimento do PIB anualizado.
O efeito das tarifas é deletério sobre preços e capacidade competitiva da manufatura americana ”
Otaviano Canuto
O problema não para por aí. Esse custo mais alto que as tarifas representam e a provável perda de competitividade das indústrias podem se traduzir em inflação. Não só nos Estados Unidos, no mundo todo. Afinal, estamos falando de países que exportam para vários mercados, inclusive para o Brasil.
Essa equação pode deixar o Federal Reserve, o banco central americano, em um grande impasse: subir os juros para conter os preços ou cortar as taxas para estimular a economia. Por ora, a reação dos mercados foi de aumentar a aposta em um corte de juros – a curva de juros indica 50% de chance de um corte já em maio. E isso fez o juro dos títulos do Tesouro americano de 10 anos cair cerca de 0,63 ponto, para 4,15%, no pior momento do dia. Mas existe uma corrente do mercado que acredita que, nesse momento de incerteza, qualquer novo corte de juros pelo Fed fica adiado.
Esse efeito negativo sobre a atividade global é o que analistas chamam de “efeito secundário” da guerra comercial. E ele, sem dúvida, pode afetar as grandes indústrias brasileiras. A Vale, por exemplo, não exporta minério para os Estados Unidos. Mas, em entrevista concedida na divulgação do resultado trimestral, o CEO da mineradora, Gustavo Pimenta, diz que as vendas da companhia podem ser afetadas caso haja uma queda da demanda global. “A demanda por aço e mineração tem correlação com crescimento econômico e as tarifas podem afetar esse quadro”, diz.
Agro no foco
No curto prazo, é possível prever que o agronegócio brasileiro pode se beneficiar dessa disputa tarifária. Isso porque, em retaliação a Trump, a China taxou adicionalmente vários produtos vindos dos Estados Unidos, e que o Brasil exporta, como soja, milho e frango. Então, essa pode ser uma oportunidade do Brasil vender ainda mais para a China.
Isso aconteceu na primeira gestão de Trump, quando houve também uma guerra comercial entre Estados Unidos e China. Na ocasião, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos na exportação de produtos do agronegócio para a China, com um total de US$ 36,7 bilhões, segundo estudo do Insper Agro Global, divulgado recentemente. Os americanos embarcaram US$ 23,7 bilhões.
O problema é que, agora, a guerra não é só contra a China: Trump ameaçou Europa, os Brics (bloco do qual o Brasil faz parte). E já atacou México e Canadá. Isso pode trazer desequilíbrios na cadeia produtiva mundial, dizem especialistas. E as distorções podem “roubar” esse benefício que se espera para o curto prazo, portanto.
Cenário nebuloso
Esse movimento negativo que se viu nos mercados, em especial de queda do juro dos títulos americanos, reflete também o clima geral de cautela. É que, quando há incertezas no horizonte, é normal que aumente a procura por esses papéis, considerados mais seguros – e isso faz com que o rendimento caia. Esse movimento de busca por segurança também foi percebido no ouro, que subiu cerca de 0,5% para US$ 2,9 mil a onça.
A incerteza sobre até onde o governo americano vai levar a guerra comercial deflagrada, e quais serão seus efeitos sobre a economia, é mais um fator que pode atrapalhar a vida das empresas. Afinal, fazer planos de investimento de prazo mais longo é muito mais difícil quando há incerteza. Esse alerta foi feito pelo ex-secretário do Tesouro, Robert Rubin. Ele disse que as políticas econômicas do presidente Donald Trump provocaram a “maior incerteza” em sua carreira de seis décadas. E isso vai minar a confiança, piorar a trajetória fiscal dos EUA e comprometer a credibilidade do país no cenário global.
“Muita coisa que está acontecendo está afetando negativamente a confiança — está acontecendo agora, e acho que ainda mais no futuro”, disse Rubin em uma entrevista durante a conferência Bloomberg Invest, em Nova York. “Passamos todos esses anos desde a Segunda Guerra Mundial desenvolvendo alianças e aliados, apoiados por diversos compromissos. Isso foi totalmente baseado em nosso interesse econômico e geopolítico — e acho que estamos colocando tudo isso em risco”.