Economia

Trabalho informal bate recorde no país e afeta avanço do PIB, dizem economistas

No trimestre encerrado em agosto, Brasil atingiu 39,3 milhões de trabalhadores informais.

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O número de trabalhadores informais no Brasil – aqueles que desempenham atividades sem vínculo de emprego ou registro formal – atingiu novo recorde de 39,3 milhões de pessoas no trimestre encerrado em agosto de 2022, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo economistas consultados pelo InvestNews, o cenário é de tendência e impacta negativamente no crescimento econômico brasileiro.

O economista Ricardo Macedo avalia que a informalidade é algo estrutural no mercado de trabalho e já se tornou tendência em meio ao cenário em que o país está inserido. 

“A tendência é de manutenção desta condição de informalidade pelas seguintes razões: baixa escolaridade, desindustrialização e desigualdade”, diz Macedo.

O economista Julian Alexienco Portillo, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que um dos impactos da informalidade na economia brasileira está relacionado à baixa produtividade e, consequentemente, a um menor crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). 

Avanço da informalidade 

No trimestre encerrado em agosto de 2022, o Brasil atingiu o seu maior número de pessoas na informalidade, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE. Confira:

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, também avalia que a informalidade é uma tendência. Segundo ela, as relações entre capital humano e capital financeiro geram novos vínculos nos quais o trabalhador começa a gerir sua própria carreira.

“As amarras do contrato de trabalho legalmente estão começando a ficar mais afrouxadas e, até que a adaptação a este ambiente aconteça, muito provavelmente, a informalidade vai crescer até que novas relações legais desse novo ambiente mais informal vão sendo construídas ao longo do tempo”, diz a economista.

André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, avalia que a velocidade de circulação do capital é tão alta hoje em dia, dadas as inovações e outras questões, que, segundo ele, os contratos de trabalho se tornam uma espécie de ‘ruído’ que já está sendo superado à força. “Isso vai gerar uma série de questões lá na frente”, avalia Perfeito.

o economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas, explica que o número maior de pessoas na informalidade representa a retomada do mercado de trabalho do país, impactado pela pandemia de covid-19

Essa retomada se dá tanto através do aumento do emprego formal como do informal em termos absolutos. Não vejo como algo problemático, pelo contrário, eu vejo como algo que faz parte desse processo de  retomada”, diz Rochlin

Do outro lado da formalidade

O IBGE considera informais as ocupações que não tenham vínculo formalizado, impossibilitando que o trabalhador tenha o amparo da Previdência Social ou mantenha sua atividade regularizada do ponto de vista tributário.

Entre as categorias que o instituto aponta como informais estão:

  • empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada;
  • trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada;
  • empregador sem CNPJ;
  • trabalhador por conta própria sem CNPJ;
  • trabalhador familiar auxiliar.

Segundo o IBGE, no trimestre encerrado em agosto deste ano, os informais representavam 39,7% da população ocupada no Brasil.

Entrando nas estatísticas

Hudson Diógenes, de 47 anos, é um dos exemplos de brasileiros que passaram a fazer parte deste contingente. Depois de atuar no setor privado trabalhando com carteira assinada em banco, empresa de telecomunicação e escola, Hudson passou, há quatro anos, a vender pães e salgados pela capital paulista por causa da dificuldade de conseguir recolocação no mercado formal de trabalho, onde não se vê mais atuando nele.

Hudson Diógenes em sua barraca de pães e salgados na capital paulista. Crédito: InvestNews

“O mercado de trabalho está muito competitivo, ainda mais para a minha idade, e pagando mal. Após sair do emprego com registro, comecei a trabalhar com muita dificuldade até as pessoas conhecerem meus salgados. Hoje, gosto do que faço, e as pessoas gostam do que eu vendo. Passei a viver disso”, diz Diógenes.

Enquanto tinha emprego formal, Diógenes costumava vender aos colegas de trabalho os pães e salgados que eram feitos pela sua esposa. Após a demissão, ele aproveitou a habilidade da sua companheira para gerar renda ao casal.

Otávio Pereira, de 38 anos, é mais um exemplo de brasileiro que atua na informalidade. Ele saiu do mercado de trabalho formal após ser demitido de uma loja de peças para carros no final do ano de 2020 e, por causa da pandemia, enfrentou dificuldade de recolocação. Hoje, faz venda de água, refrigerantes e cervejas pelas ruas da cidade de São Paulo.

“Com a pandemia, as oportunidades de trabalho reduziram ainda mais, e as contas não paravam de chegar. Tive que buscar alguma alternativa imediata. Passei a vender produtos que eu tinha condições de comprar para poder revender e sigo nisso até hoje”, diz Pereira.

O vendedor, que é solteiro, mora sozinho e não tem filhos, afirma não ter perspectivas de voltar ao mercado de trabalho formal.

“Está difícil e por eu estar com esse trabalho até hoje, fica ainda mais complicado retornar ao trabalho CLT. Com essa atividade, estou conseguindo pagar minhas contas e organizo meus dias e horários de trabalho a partir do que estou conseguindo vender no decorrer do mês. Penso no meu futuro, não deixo de fazer reserva para isso”, explica Pereira.

Impactos da informalidade na economia

Crédito: Adobe Stock

Segundo economistas consultados pelo InvestNews, o aumento do número de pessoas trabalhando na informalidade no país gera diversos impactos para a economia do Brasil.

De acordo com Ricardo Macedo, a principal consequência é a precarização do emprego, situação em que há baixa remuneração e direitos trabalhistas inexistentes. E, com isso, segundo Macedo, se verifica uma baixa produtividade na economia, tendo em vista a perda de participação da indústria na composição do PIB, que compromete a geração de empregos sustentada. 

“A baixa produtividade implica menor remuneração, que leva a uma menor arrecadação, aumentando o déficit e tornando a seguridade social insustentável. O crescimento tenderá a ser baixo, com piora da qualidade de vida, visto que o setor público perde sua capacidade de investir”, destaca Ricardo Macedo.   

Além da pouca produção, que reflete em um PIB menor, o economista Julian Alexienco Portillo aponta que outro impacto da informalidade está relacionado à arrecadação de impostos, não somente pelo lado da produção, mas pelo do imposto de consumo e renda. O economista explica que isso causa uma diferença entre a receita tributária e gastos públicos, que, por sua vez, passarão a ser cada vez maiores.

Já para Mauro Rochlin, outro efeito da informalidade é em relação à contribuição previdenciária. Ele explica que os trabalhadores sem carteira assinada no mercado informal não contribuem para a Previdência Social e, mais adiante, podem  ser beneficiados por ela.

“O Benefício de Prestação Continuada (BPC) não prescinde da contribuição prévia por parte dos beneficiários. Então, estamos falando de pessoas que não contribuíram durante sua vida pregressa e, a partir da sua velhice, podem receber esse benefício do Estado. Portanto, temos um impacto que não é pequeno sobre as contas públicas”, afirma o professor da FGV.

Redução do capital humano

De acordo com estudo do Banco Mundial, uma criança brasileira nascida no ano de 2019 deve alcançar, em média, 60% do seu capital humano potencial ao completar 18 anos, ou seja, 40% do potencial desses jovens brasileiros são desperdiçados. Para Macedo este desperdício leva a uma baixa produtividade e aumenta a desigualdade de renda.

Já Portillo defende que o impacto causado pelo desperdício de capital humano está diretamente relacionado aos investimentos em educação básica e, posteriormente, especialização. 

“Essa falta de profissionalização e aumento da capacidade de aprendizado, muitas vezes causado pela necessidade das pessoas de aceitarem subempregos por falta de ensino, levam o país a um cenário de termos cada vez mais mão de obra desqualificada e despreparada para novas tecnologias e as novas posições de trabalho que decorrem de mudança no perfil dos trabalhadores”, diz Portillo.

Envelhecimento da população

Segundo o IBGE, em 2021, pessoas de 30 anos ou mais passarão a representar mais da metade da população no Brasil, totalizando 56,1%.

O economista Julian Alexienco Portillo explica que o número indica, como leitura imediata, que a população brasileira está envelhecendo em termos gerais e que, do ponto de vista do mercado de trabalho, pode trazer uma falta de mão de obra especializada ou melhor preparada para assumir posições que deveriam depender da educação e preparo dos mais jovens para o mercado de trabalho.

Para o economista Ricardo Macedo, este cenário mostra que deve-se reforçar a importância da educação financeira como política pública.  

“É uma geração que, inicialmente, terá uma renda baixa que, no curto prazo, não conseguirá financiar a previdência atual. Possivelmente, ao se aposentar, não conseguirá manter seu padrão de vida ao se observar a sua contribuição ao longo de sua vida laboral”, defende Macedo.

O que pode vir pela frente?

Macedo destaca que o cenário econômico está recheado de incertezas domésticas e externas. Internamente, ele aponta que o Brasil está passando pelo período de eleições, além da questão fiscal, em função da PEC que amplia benefícios, e a interrupção do ciclo de alta da taxa de juros pelo Banco Central, com a sinalização da autoridade monetária de uma postura vigilante, caso o processo de desinflação seja comprometido. 

“Portanto, em um futuro próximo, os ganhos gerados por medidas recentes, em função das eleições, podem ser eliminados com reflexos imediatos no mercado de trabalho”, considera Macedo.   

Já para Portillo, o mercado de trabalho em bastante espaço para crescer e, para que isso ocorra, o economista defende buscar investimentos em educação, com ensino de qualidade e preparo dos mais jovens.

“O primeiro passo para uma melhor formação e criação de novos mercados profissionais é aliando tudo isso à novas tecnologias, fazendo o país prosperar e crescer”, defende Portillo.

Na mesma linha, o economista Mauro Rochlin, professor da FGV, considera que há, cada vez  mais, uma forte relação entre educação e mercado de trabalho. 

“Uma vez que a tecnologia está cada vez mais incorporada no processo produtivo, a educação se torna uma questão-chave, e, portanto, o problema da educação é estratégico”, conclui.

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