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Economia

Mudar Lei das Estatais dá oportunidade a ‘práticas desastrosas’, diz especialista

Segundo advogado, mecanismo que netraliza a influência política em empresas públicas pode ser ameaçado.

A Câmara dos Deputados aprovou na última terça (13) projeto que modifica a Lei das Estatais, criada em 2016 durante o governo de Michel Temer, para evitar interferências políticas nessas empresas – porém, o Senado ainda não tem um consenso sobre a votação do projeto, que não foi bem aceito pelo mercado. Especialista ouvido pelo InvestNews vê a mudança como “oportunidade ao retorno de práticas desastrosas”.

As alterações da lei foram votadas após a nomeação de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para o governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

O projeto ainda precisa passar pelo Senado, mas o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta sexta-feira (16) que há “pouquíssimas chances” de ser votado ainda em 2022.

O que diz a Lei das Estatais

Sede da Petrobras, representando a Lei das estatais
Sede da Petrobras/ Créditos: Adobe Stock

Com o objetivo de evitar intromissões na gerência de empresas públicas, a Lei das Estatais, (nº 13.303) estabelece um “prazo de 36 meses de quarentena para pessoas que tenham atuado na direção de partido político ou na organização de campanha eleitoral”, como explica Marçal Justen Filho, advogado e sócio fundador do Justen, Pereira, Oliveira & Talamini, especializado em concessões e privatizações de estatais.

“O projeto aprovado reduz esse prazo para 30 dias. A mesma alteração também passa a ser aplicada no âmbito das agências reguladoras”, completa.

Além disso, o projeto também aumenta o limite de despesas com publicidade e patrocínio por empresa pública e sociedade de economia mista em cada exercício, de 0,5% para até 2% da receita bruta operacional, além de mudar limites de gastos em ano eleitoral. 

Por que a mudança na lei?

Na visão de Marçal, houve uma convergência de interesses entre o futuro governo e uma parcela dos integrantes do Congresso.

“Ao que parece, a medida atende a interesses imediatos da indicação de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES, mas a extensão da alteração também às agências reguladoras demonstra que a oportunidade foi aproveitada para atender a pleitos políticos de interferência interna nas estatais e nas agências reguladoras”, avalia o advogado especializado em estatais.  

De acordo com ele, ainda não se pode excluir que se trate de um meio para compensar a vedação à prática do orçamento secreto.

“Se o STF reconhecer a inconstitucionalidade do orçamento secreto, uma alternativa para atender às demandas de agentes políticos seria partilhar as estatais e as agências reguladoras. O acesso a cargos em estatais e agências reguladoras pode satisfazer demandas de lideranças políticas e conquistar a base de apoio no Congresso”, diz.

‘Retrocesso’

Joelson Sampaio, professor de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas), acredita que as alterações representam um retrocesso de um avanço importante para as empresas que já sofreram por questões de interferência e corrupção.

“É um grande retrocesso, certamente, porque a Lei das Estatais trouxe uma blindagem para essas empresas para diminuir a ingerência política, interferência de partidos, até mesmo por conta dos escândalos de corrupção e outros problemas que as estatais já enfrentaram em governos passados”, aponta.

Segundo Marçal, a nova medida não traz qualquer benefício para as sociedades estatais e para as agências reguladoras.

Ele diz que, além de neutralizar a influência política na gestão das sociedades estatais, a Lei das Estatais criada em 2016 também era essencial para a atuação satisfatória das agências reguladoras, pois a fixação de um prazo mais amplo de quarentena tem em vista impedir que a indicação para posições influentes seja uma moeda de troca no jogo político ou um prêmio para correligionários. 

“Um prazo mais amplo de quarentena é essencial para blindar estatais e agências reguladoras contra práticas reprováveis”, diz.

Por que o mercado reagiu mal

Sobre a reação negativa do mercado à mudança, Marçal explica que investidores previram os riscos dos potenciais danos econômicos. Este semana, o Ibovespa, principal índice da B3, recuou após a aprovação da mudança na Câmara.

“A alteração dá oportunidade ao retorno de práticas desastrosas nas estatais e cria o risco de destruição das agências reguladoras. Há um enorme potencial de danos econômicos, especialmente em relação às estatais com títulos negociados em bolsas O mercado anteviu esses desvios e precificou os riscos antecipadamente. Os investidores fogem de empresas geridas segundo critérios puramente políticos”, afirma. 

Segundo levantamento feito pelo “Estadão” com dados do Ministério da Economia, as mudanças feitas pela Câmara na Lei das Estatais têm potencial de viabilizar indicações políticas para 587 cargos de alto escalão em companhias públicas federais.

São 272 vagas em diretorias executivas, além de outros 315 postos em conselhos de administração destas empresas públicas.

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