É inegável que a crise do coronavírus fez a America Latina regredir na luta contra a desigualdade. No entanto, Esther Duflo, mulher mais jovem a ganhar o prêmio Nobel de Economia, defende que as nações precisam se preparar para a desaceleração pós-covid ou até para se manter em um novo lockdown no futuro. Em palestra durante um grande evento de investidores em São Paulo, Esther alertou sobre as responsabilidades que as nações ricas têm de auxiliar os países pobres, que ao ver suas economias afetadas pela Covid-19 podem entrar em níveis de pobreza tão profundos e irreversíveis.
A economista citou que apesar do clichê “Coronavírus não diferencia rico de pobre”, na verdade existe sim uma desigualdade latente na pandemia. Pessoas vulneráveis são mais afetadas do que pessoas privilegiadas. “Nos EUA, latinos ou afro-americanos tem 4 vezes mais chances de se infectar com Covid do que um americano branco. Pessoas pobres precisam trabalhar, se ficam doentes não terão direito ao mesmo tratamento”, exemplifica ela.
Esta desigualdade na pandemia existe também no Brasil, para a Nobel pessoas pobres são uma espécie de amortecedor para suportar a crise. “Enquanto os ricos trabalham de casa, os pobres precisam ir ao trabalho. Então eles ficam doentes, ou caso não consigam trabalhar à distância podem perder seus empregos”, defende.
Por este motivo, os impactos da Covid-19 para pessoas de baixa renda são definitivos. Resta ao governo ter como foco principal atender às necessidades dos mais vulneráveis, auxiliando a população mais pobre a aguentar a pandemia. Segundo Esther, está realidade não muda muito para outras nações, por exemplo a Índia, onde a urgência de políticas públicas para assegurar que as pessoas pobres tenham acesso a recursos para garantir seus rendimentos também é gritante.
“Na Índia muitas pessoas residem na zona rural, mas trabalham na zona urbana em construção civil ou restaurantes. Eles deixam suas vilas para trabalhar na cidade e enviar dinheiro para suas famílias. Com a crise, elas se questionam se devem voltar para casa. Muitas pessoas além de perder o emprego perdem a casa, porque dormem no trabalho. O governo dará suporte a elas?”, questiona Esther e acrescenta que uma das principais obrigações dos governos e empresas neste período é criar condições justas para que pessoas pobres consigam ter renda, garantindo a moradia, trabalho e transporte que tenha os devidos cuidados sanitários.
Uma nova globalização
Enquanto muitas nações perceberam que eram muito dependentes de países como a China e os EUA antes da crise, um movimento de desglobalização começa a pipocar no mundo. No entanto, Esther defende que o futuro ainda é interligado e interconectado e que não há motivos para o mundo retroceder agora.
Para a economista é inegável que muitas nações precisam da China, especialmente na indústria hospitalar. O país asiático foi responsável pela produção de máscaras e respiradores na pandemia que ajudaram a salvar muitas vidas. Mas, Esther destaca que o coronavírus também é uma grande chance para que outras nações como o Brasil tenham um lugar na cadeia internacional de suprimentos.
Ela defende que concorrer com a China pode ser difícil para algumas nações, pelos preços baratos dos produtos, mas não é uma justificativa para frear o desenvolvimento nacional. “Precisamos entender as coisas que nos levam a dependência extrema da China e criar uma política específica para cada país. Hiper-especialização da economia pode ser bom, mas esta dependência é ruim para várias situações”, defende.
Função social do economista
Esther aproveitou a oportunidade para alertar sobre a falta de confiança que a população tem nos economistas. Segundo levantamentos, no Reino Unido apenas 37% das pessoas acreditam nos economistas. Isso se traduz na ansiedade que as pessoas e empresas tem de se adaptar rapidamente a novos formatos (homeoffice, escola online, entre outros).
Ela aponta que essa tentativa de “racionalizar” o coronavírus é a visão de curto prazo que a população tem, que não vê nenhuma outra saída a não ser encontrar uma vacina. Por isso, ela chama atenção dos colegas para exercer o papel social da profissão nas políticas públicas, na macroeconomia, nas finanças e especialmente no combate a pobreza. “As pessoas estão curiosas de ver como a economia pode ser útil para o mundo”.
A prêmio Nobel também alertou sobre a necessidade de fortalecer a diversidade nesta profissão, com mais mulheres inseridas no mercado de trabalho e na sala de aula, como estudantes de graduação, estagiárias ou pesquisadoras. Apenas 17% dos professores de economia hoje são mulheres.
Além da diversidade de gênero, ela destaca a importância de fortalecer outras minorias como latinos e afro-americanos. “Muitas pessoas tem a percepção que economia é apenas finanças ou macroeconomia. Então pessoas que fazem parte da diversidade não se identificam com a profissão”, explica. Esta falta de interesse da diversidade na economia, geraria um grande problema de imagem para esta ciência social, que vai muito além das finanças mas que muitas vezes é confundida com apenas este nicho. “Economia é uma ciência social e nós temos a missão de diversificar porque se não vamos ficar entediados sempre com o mesmo perfil de profissionais”, acrescenta.
Ela também reforçou a responsabilidade que instituições financeiras, corretoras e investidores tem na construção do futuro, por meio da escolha de empresas que sejam sustentáveis, tenham um forte impacto social e cuidem bem dos funcionários. “Precisamos separar uma parte do nosso orçamento para financiar setores que sejam interessantes para o futuro, que auxiliem as próximas gerações. Isso será útil para as companhias, para os futuros investidores e também para a concorrência”, conclui.